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domingo, 6 de setembro de 2015

Um Tesouro Escondido: Nota sobre o Tratado da Verdadeira Devoção


"Em todos os tempos, Deus ofereceu os meios oportunos para a nossa salvação, e não foi por acaso que este insigne instrumento de santificação foi ocultado por tanto tempo; e também não foi por acaso que veio a lume exatamente em um dos séculos mais sombrios da humanidade. Tudo foi um inefável desígnio da Providência! Deus reservou esta grande obra para estes tempos. Estamos convictos disso!".

por Erick Ferreira


S. Luís Maria Grignion de Montfort,  Giacomo Parisini,  1948,
Basílica de São Pedro,  Roma


                            Há um dado místico que permeia as eloquentes páginas do "Tratado da Verdadeira Devoção" que dir-se-ia intraduzível em linguagem terrena. Sua leitura incute em nós um vivo ardor e uma inefável consciência dos áureos mistérios que envolveram o percurso redentor de Nosso Senhor e sua Santíssima Mãe.

Esta grande suma da devoção mariana, escrita no calor de uma alma abrasada no amor à Maria é leitura indispensável para aqueles que tencionam conservar no coração as chamas da pureza e do Divino Amor. Ignem veni mittere in terram (1)... Trazer fogo à terra, é a força que inspirou a escrita deste tratado. Aquele fogo que Cristo desejava ver arder nos corações... O fogo do amor divino.

Em cada página deste "precioso livrinho" -- como chamou João Paulo II --, perdura um ar profético e um delicioso aroma de piedade que nos envolve e antecipa um breve exalar do paraíso. 

Dado místico, que bem observou o ilustríssimo Pe. Frederik W. Faber em seu famoso prefácio, que com o tempo, tornou-se parte inseparável das edições do "Tratado".
"Acha-se neste livro -- escreve Pe. Faber --, se assim ouso dizer, o sentimento de um não sei quê de inspirado e sobrenatural que, vai sempre em aumento, à medida que nos aprofundamos em seu estudo. Além disso, não se pode deixar de experimentar, depois de lê-lo repetidas vezes, que nele a novidade parece nunca envelhecer; a plenitude nunca diminuir; o fresco perfume e o fogo sensível da unção nunca se dissipar ou enfraquecer". (2)
Eis um juízo muito acertado do que se pode encontrar ao longo destas páginas. 
Estes sentimentos expressos pelo Pe. Faber acometem a todos que entram em contato -- com o coração sincero, é claro --, com estas páginas impregnadas de fervor e sabedoria. 
Mas este "fresco perfume de piedade" e este "fogo sensível da unção" quase foram extintos no fundo de uma arca. 

O inferno tudo fez para que esta obra jamais viesse à luz, como o próprio autor vaticinava em suas páginas:
"Vejo, no futuro, animais frementes que se precipitam furiosos para dilacerar com seus dentes diabólicos este pequeno manuscrito e aquele de quem o Espírito Santo se serviu para escrevê-lo, ou ao menos para fazê-lo ficar envolto nas trevas e no silêncio de uma arca, a fim de que ele não apareça. Atacarão até, e perseguirão aqueles que o lerem e o puserem em prática" (3)
A profecia cumpriu-se à risca! Alguns anos após a morte do santo (em 1716), abateu-se sobre a França a terrível Revolução que perseguiu implacavelmente a Igreja. Nas constantes fugas que os filhos de S. Luís de Montfort tiveram que empreender, os manuscritos do "Tratado” acabaram se perdendo entre outros livros, e permaneceu, conforme profetizara S. Luís, no "silêncio de uma arca" por mais de um século. 
Mas, a Providência Divina jamais permitiria que esta grande obra se perdesse para sempre. Ela estava reservada para tempos mais turbulentos do que aqueles. A Divina Providência o reservava para os impiedosos tempos modernos.

Em 1842, em Saint Laurent-sur-Sèvre, onde encontra-se sepultado o corpo do santo autor, um padre da Companhia de Maria (os Montfortinos) encontrou providencialmente os preciosos manuscritos junto com outros livros comuns, no fundo de um caixote. O "Tratado" já estava deteriorado -- ou dilacerado como profetizou o santo --, em algumas partes e sem as primeiras e últimas páginas. Até o título original se perdeu, embora, supõe-se que o título original fosse "Preparação para o reino de Jesus Cristo", conforme indicam alguns trechos da obra (4).
O padre que o descobriu o entregou ao então superior geral dos montfortinos da época, Pe. Dalin, que reconheceu a pena do santo fundador, e tomado de júbilo o apresentou a toda família montfortina com estas palavras:
"Encontramos um tesouro!" 
Foram as palavras que traduziam o sentimento que envolvia a todos por tão insigne descoberta e tão precioso monumento da devoção mariana legado à Igreja por seu fundador. 
Ao ser publicado em 1843, o "Tratado" teve sucesso imediato. E nos anos seguintes, o livrinho ganhava numerosas edições e traduções.
Atualmente, o "Tratado" encontra-se traduzido em mais de 30 idiomas, e possui a surpreendente marca de mais de 400 edições. 
Algo impressionante que nos faz ver que toda a perseguição e contrariedades que ameaçavam conservar este livro no silêncio foram proporcionais a grandeza da obra e do autor.

***


O que veio fazer este livro? Já o havia dito acima: "Ignem veni mittere in terra...". Trazer fogo à terra; incendiar os corações naquele fogo que ardeu, mais que nas potências angélicas, no coração de Maria. 
Este ardor incandescente que emana destas páginas revelam o tremendo arroubo de amor em que se envolveu o santo ao escrevê-lo. S. Luís estava tão envolvido nas verdades divinas que pensou em usar o mais precioso e simbólico dos elementos para escrevê-lo: o seu próprio sangue. 
"Se eu soubesse que meu sangue pecaminoso poderia servir para fazer entrar no coração as verdades que escrevo em honra de minha querida Mãe e soberana Senhora, da qual sou o último dos filhos e escravos, em lugar de tinta eu o usaria para formar estes caráteres". (5)
Luís de Montfort não escreveu com sangue estas verdades, mas com fogo! Fogo de uma alma abrasada no mais puro amor e devoção, e o mais candente fervor, tal qual não se virá igual desde os tempos apostólicos.
Mas, convém dizer que esta obra só pode ser apreciada dignamente por quem tem amor à verdade, fé e devoção; virtudes tão raras atualmente nos corações, especialmente, nesses tempos céticos e relativistas. 
Assim como dizia o santo autor da imitação que muitos acham pouco enlevo nos Evangelhos por não terem o espírito de Cristo, assim também, não acharão nenhum enlevo nesta obra os que não tiverem o espírito de Maria, que é o mesmo espírito de Jesus.
"...bem empregado seria o meu esforço, se este escrito, caindo nas mãos duma alma bem nascida de Deus e de Maria, não do sangue, ou da vontade da carne, nem da vontade do homem (cfr. Jo 1, 13) lhes desvendasse e inspirasse, pela graça do Espírito Santo, a excelência da verdadeira e sólida devoção à Santíssima Virgem...". (6)

A Indispensável Devoção à Nossa Senhora


Para a tibieza que acomete nosso século, S. Luís nos indica o eficaz remédio da devoção à Maria. 

Em muitos lugares esta obra ainda sofre um diabólico ostracismo e Maria é ignorada ou legada a um canto obscuro. O culto que lhe prestam é escrupuloso e meramente exterior. 
Maria ainda é tratada como inimiga por muitos cristãos, inclusive católicos. Seu culto é visto como antagônico ao culto de Cristo.
Quanta necessidade tem os homens com tais pensamentos de conhecer a verdadeira devoção à Virgem Santíssima que nos é apresentada por S. Luís! Quanta necessidade tem de entrar em contato com estas páginas místicas.
Por isso adverte o santo:
"... Maria Santíssima tem sido, até aqui, desconhecida, e esta é uma das razões porque Jesus Cristo não é conhecido como dever ser". (7)

As falsas devoções, identificadas por S. Luís e enumeradas em sete classes, ainda imperam no culto que se presta a Virgem em muitas de nossas Igrejas. 
Não compreendem que esta devoção como todas as outras tem como fim unicamente a Cristo, e que este fim, na devoção mariana, é mais certo que nas demais devoções.

Enumero abaixo algumas espécies de maus devotos identificados por S. Luís em seu Tratado.

Os escrupulosos

Entre estas falsas devoções identificadas por São Luís, a mais comum, certamente é a "devoção" escrupulosa. Que vê no culto à Maria um desvio do culto que se deve presta unicamente a Cristo. 

São Luís viveu no tempo do Jansenismo, aquela terrível doutrina chamada por Pio XI de “a mais astuta de todas as heresias” (8) tão hostil à devoção mariana que lançou sobre ela um mar de escrúpulos; afastando muitas almas do bom caminho. Esta heresia foi um grande desafio para o apostolado de São Luís, visto influenciar maleficamente grande parte do episcopado da época, impondo assim uma barreira de ódio à pregação do santo.

Por influência desta heresia, o povo na França, conservava grande receio nas práticas de piedade, especialmente nas dirigidas à Maria. 
Mas afinal, pode a devoção a Maria desviar o caminho a Jesus, se ela, foi o caminho que Ele se serviu para vir a nós? 
Como pode obscurecer seu brilho, se toda a gloria que Ela irradia é reflexo d'Ele?
Por isso S. Luís a compara à Lua (cf. n. 85), que não tendo luz própria, emite como nenhum outro astro a luz do sol. A luz do sol nos ofusca, mas a luz da lua -- que é a luz do sol temperada --, nos ilumina sem ferir-nos a visão. Os bem-aventurados no céu gozam de felicidade plena e ao mesmo tempo... Certo temor quando diante da grandeza incomparável e infinita de Deus, veem sua aterradora pequenez. Porém, ao contemplarem Maria, que irradia os raios da Divina Majestade como nenhuma outra criatura, os bem aventurados conseguem contemplar melhor a Deus, pois Maria é o mais puro reflexo de Deus. 
No mais, a devoção à Maria é necessária para o conhecimento e amor mais profundo de Jesus Cristo. Pois na terra não houve quem O conheceu melhor que Ela, e não há quem se afaste de Maria, sem ao mesmo tempo se afastar de seu filho Jesus!

No desprezo à Maria, notaram os santos um claro sinal de condenação

"A devoção à Santíssima Virgem, escreve S. Luís, é necessária à salvação; e sua falta, um sinal infalível de condenação".
O mesmo observa Sto Afonso de Ligório quando diz:
"O demônio não se contenta em ver uma alma separada de Jesus. Quer vê-la também separada de Maria". 
Em outra parte escreve o mesmo santo: 
"O demônio trabalha para que os pecadores, depois de perderem a graça de Deus, percam também a devoção à Maria" . (9)

Quantos exemplos não conheces de pessoas que ao abandonarem as práticas de devoção mariana, logo em seguida, abandonaram também toda prática cristã?
A devoção à Maria, logo, não é um mero dado opcional da fé, é uma necessidade premente, visto Ela ser parte intrínseca da missão redentora de Cristo.
Se Jesus foi submisso em tudo a Maria (cf. Luc 2, 51), quem pensa ser tu, ó cristão ao pensar que Ela é dispensável à vida cristã?

Além do mais, a devoção mariana é cristocêntrica. 
"Embora em sua fisionomia seja mariana, no seu âmago é oração cristológica". (10)
A própria oração da Ave-Maria culmina com o Iesus. E o rosário inicia-se com o Pater noster, e conclui-se com o Promissionibus Christi.
Poucas orações protestantes têm começo e fim mais cristológicos que estes!

Como é esta devoção? 

Antes de tudo, interior, pois, o reino da Santíssima Virgem está principalmente no interior do homem, isto é, em sua alma (cf. n. 38).
É também uma entrega. Não uma mera entrega por palavras, mas uma entrega total de vontade e de coração à Maria -- assim como o verbo divino lançou-se livremente no seio imaculado de Maria na sua obra redentora. Desta forma, entregamos tudo o que somos e temos à Maria para que Ela faça o que bem lhe aprouver.

Outro fato marcante da verdadeira devoção é a mudança de vida que assinala a vida dos verdadeiros devotos. Sem mudança de vida, toda prática devocional é falsa, conforme observou S. Pio X:
"Se a devoção à Virgem Santíssima não o afasta do pecado ou o leva a emendar de vida, é uma devoção falsa e enganosa". (11)
Ou nas palavras resumidas de S. Leonardo de Porto Maurício:
"Quem é seu devoto é inimigo do pecado".

A eficácia deste caminho 

Esta grande suma da teologia mariana foi o livro de cabeceira de grandes luminares da Igreja como S. Pio de Pietrelcina, S. Pio X, S. João Bosco, Sta. Teresinha do Menino Jesus, Sta Gemma Galgani, entre outros.

Mas particularmente, o "Tratado" marcou profundamente a vida de umas das figuras mais influentes dos tempos modernos, o Bem-Aventurado Papa João Paulo II, que chegou a lavrar em seu brasão pontifício as famosas palavras do Tratado: "Totus Tuus" (Todo Teu). 

A história deste "livrinho" na vida de João Paulo II é muito anterior ao seu pontificado como ele próprio confessa:
"Eu próprio, nos anos de minha juventude, tirei grandes benefícios da leitura deste livro, no qual encontrei as respostas às minhas perplexidades". (12)
E em outra parte escreve:
"Li e reli muitas vezes e, com grande proveito, este precioso livrinho ascético azul".

Até o fim da vida, o Papa, conservou consigo aquele "precioso livrinho" surrado e manchado de soda e cal que o acompanhou durante a juventude nos ambientes mais insólitos como as pedreiras de Zakronew e a Fábrica de Solvay. Onde a leitura compenetrada contrastava com as horas duras de trabalho.
"A doutrina deste santo exerceu uma profunda influência sobre a devoção mariana de muitos fiéis e sobre a minha própria vida".
O Santo Padre não hesitou, inclusive, em usar a cadeia de Nossa Senhora, conforme recomenda o "Tratado". E a usou fielmente até seu último dia nesta terra de exílio.

Em que consiste esta devoção? 

Em uma entrega total a Jesus pelas mãos de Maria. Assim como Jesus se entregou totalmente aos homens através de Maria. Ad Iesum per Maria. São as palavras que resumem a consagração à Maria segundo os métodos de S. Luís.
Maria tornou-se assim, caminho seguro a Jesus, Janua Cæli, como canta a Igreja.
"Foi por meio de Maria que Jesus veio ao mundo, e é também por meio dela que Ele deve reinar no mundo", como principia o Tratado.

Entendamos que Deus sendo infinitamente superior, não necessita de qualquer criatura para fazer qualquer coisa, basta querer para tudo fazer, no entanto, no plano da salvação, quis precisar de Maria.
Se Deus na sua ação redentora começou suas obras através de Maria, consequentemente há de terminá-las através d'Ela. 
Mas o herege com a inteligência obscurecida, objeta soberbamente: "Não preciso de Maria para a minha salvação!". Mas Deus onipotente quis precisar dela para salvar a humanidade, logo, não depende da vontade humana, mas da vontade divina que assim determinou. 

Os hereges ainda dizem: "Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida", em objeção à esta devoção. Mas quem o nega? No entanto, Jesus, sendo caminho, verdade e vida, percorreu um caminho antes de vir aos homens, o ventre imaculado de Maria, e permaneceu à sua sombra por pelo menos 30 anos. 
Por que serviu-se de Maria? Deus Onipotente poderia vir aos homens sem servir-se de nenhuma criatura, como havíamos afirmado acima, mas por um desígnio misterioso de sua sabedoria, "quis precisar de Maria..."
Logo, Maria na vida cristã não é uma mera figurante, é a Mãe do Redentor e a mãe da Igreja, Auxilium Christianorum... Estrela da manhã que conduz o navegante ao porto seguro da salvação. Foi Deus que a escolheu para este posto!

O Tratado nos tempos Modernos

Em todos os tempos, Deus ofereceu os meios oportunos para a nossa salvação, e não foi por acaso que este insigne instrumento de santificação foi ocultado por tanto tempo; e também não por acaso que veio a lume exatamente em um dos séculos mais sombrios da história. Tudo foi um inefável desígnio da Providência! Deus reservou esta grande obra para estes tempos. Estamos convictos disso!
A nota profética que caracteriza estas páginas místicas nos alertam de "tempos perigosos que virão", e de fato, assistimos no século passado e assistimos neste as maiores perseguições à Igreja, tal qual não se tinha notícia desde os tempos do Império Romano. Revoluções anticlericais pululam no mundo, deixando um terrível rastro de ódio a Deus e a sua Igreja; a imoralidade grassa por todos os lados; a apostasia assola a Igreja. Mas, ao mesmo tempo, estas páginas nos consolam com o anúncio dos "apóstolos dos últimos tempos", que hão de vir suscitados por Maria. "Ministros do Senhor qual fogo crepitante que levarão a toda parte as chamas do Divino Amor". 
Quando se dará tais eventos não nos cabe indagar... "Cumpre calar, orar, suspirar e esperar", como indica S. Luís.

E esperamos ansiosos, como bem expressou o padre Faber, o despontar dessa gloriosa era da Igreja, que o tratado vem nos antecipar em suas mística páginas.
De Maria nunquam saties, dizia S. Bernardo, e do "Tratado" dizemos, nunca foi suficientemente compreendido, assim como nunca será suficientemente lido e anunciado.


Notas:

1. cf. Lucas 12, 49
2. cf. Prefácio da edição brasileira, editora vozes ltda.
3. cf. Tratado da Verdadeira Devoção. n. 114
4. Ibidem n. 227. "...Conforme já disse na primeira parte desta preparação ao reino de Jesus Cristo". “...Comme jái dit dans la première partie de cette préparation au Règne de Jésus-Christ”.
5. Ibidem. n. 11.
6. Ibidem n. 112
7. Ibidem. n. 13
8. cf. Miserentissimus Deus, n. 2
9. cf. Glorias de Maria, cap VIII, 2
10. cf. João Paulo II. Rosarium Virginis Mariæ, Intr.
11. cf. Ad Diem Illum Laetissimum, n. 17: 1904
12. cf. Carta às famílias monfortinas, 2004, apud Dom e Mistério, p. 38

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