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domingo, 3 de novembro de 2019

Sermão sobre o fim do mundo. 1 Parte: A destruição da vida espiritual






Por São Vicente Ferrer

Estas palavras são escritas no segundo capítulo de S. Lucas, para falar do fim do mundo e diz duas coisas. A primeira é, que não quero louvar nem repreender os que pregam o fim do mundo, e dizem que será daqui a pouco tempo. A segunda é sobre os que pregam, ou dizem que, o fim do mundo não está tão perto como alguns dizem. A estes não os quero louvar, nem refutar; no entanto, agora, para demonstrar a qual deles quero dar credito, declaro três profecias que estão escritas nos capítulos segundo, terceiro e quarto do Livro de Daniel, dos quais, a primeira fala da queda da vida espiritual, a segunda fala da queda da dignidade eclesiástica e a terceira, da queda da fé católica. E isto, digo, porque o tempo que vires cumprir todas estas três coisas, uma após a outra, podeis conhecer qual dos pregadores é mais verídico.
E como todas as coisas do Antigo Testamento eram ditas através de figuras, alego aqui autoridade a respeito do fim do mundo, falando moralmente. Pois quando vires cumprida a sentença, o entendimento da primeira profecia, então podereis dizer: Vede o estado da vida espiritual posta em ruína, e em destruição”. Isso mesmo se poderá dizer das outras duas. E naquele tempo estará muito perto o fim do mundo.
Digo então, primeiro, que Daniel nos demonstra na primeira profecia a queda da vida espiritual, ao contar no segundo capítulo, que o Rei Nabucodonosor viu em sonhos uma estátua muito grande, a qual tinha a cabeça de ouro puro, os peitos e braços de prata, o ventre e a coxa de bronze, as pernas de ferro, e os pés eram, uma parte de barro, e outra de ferro. Depois viu chegar uma pedra do monte, cortada por mãos não humanas, a qual vindo aos pés da estátua, a reduziu toda a pó.
E o sentido alegórico de tal estaria, nos demonstra o começo do fim da Igreja.

1. A cabeça de ouro: A Igreja no tempo dos apóstolos e mártires

Sua cabeça de ouro puro, é entendida pelo tempo dos apóstolos e dos mártires, que foi o princípio da Igreja: ela era então de ouro puro; quero dizer que a cristandade gozava de perfeita vida espiritual, e estava no ardor da devoção, da caridade soberana; porque assim como o ouro é mais excelente, e excede a todos os outros metais, assim também é a vida espiritual em comparação a todas as outras vidas. Naquele tempo dos apóstolos e mártires, antes de ensinar a falar ao cristão, se ensinava a fazer o sinal da cruz. Benziam-se todos a mesa antes das refeições e todos sabiam o Pater Noster, a Ave Maria e o Credo. Todos os dias oravam de manhã e de tarde, ouvindo Missa antes que fizessem algo de temporal ou de seus negócios. Cada dia, eram constantes, perseverando na fração do pão: quer dizer que tratavam do Sacramento do Altar. Todos os dias queriam ouvir sermões, e nunca se enfadavam, nem cansavam por muito que ouvissem. Sabiam todos, a maneira de confessar seus pecados. Davam aos templos suas oferendas e de cada coisa, davam a décima parte aos sacerdotes; e o que era melhor de seus bens, davam socorro às igrejas.
            Todos se tinham grande amor e caridade; não eram ambiciosos, nem falsos mercadores, nem mentirosos compradores ou vendedores. Uns com os outros eram pacíficos, sem contendas, nem invejas, nem discórdias. Guardavam o matrimônio com grande honestidade. Eram desapegados, fiéis e sinceros. Conheciam as coisas elevadas, crendo nelas com simplicidade e firmeza. Todos os senhores temporais eram muito retos na justiça e cheios de misericórdia.
Os senhores eclesiásticos e bispos eram piedosos. De todas as suas rendas faziam três partes, das quais davam duas às igrejas, hospitais, viúvas, órfãos e pobres. A terceira parte, e menor de todas, retinham para manter suas vidas; e o que dela, ao fim do ano, houvesse sobrado, repartiam entre os pobres. Celebravam cada dia (os divinos mistérios). Casta e santamente viviam, pregando sempre a palavra divina, dando ao povo bons exemplos. Os sacerdotes eram santos, castos, devotos e discretos de conversa honesta; sem avareza, muito dispostos ao bem, com mansidão e humanidade. Os religiosos eram honestos, pobres, obedientes, e de vida santa, tanto que, de mil, apenas de um se falava que quebrasse sua regra.
As Igrejas eram honradas pelo povo, tanto na edificação como em seu cuidado e na devoção. Os oficiais e trabalhadores acreditavam nos artigos de fé, guardavam os mandamentos, assim como os religiosos guardavam suas regras. Tinham o nome de Deus em grande reverência e temor. E assim como era verdadeira a fé, também a vida o era, como ela, com caridade e amor espiritual, e com grande devoção. De tal maneira se mantinha todo o dito, que a cabeça da Igreja era então de ouro puro. E este tempo durou mais de quatrocentos anos.

2. O tronco de prata: o arianismo e as primeiras heresias

Depois, a cristandade desceu de ouro para prata, que vale menos. Os arianos se levantaram então contra a Igreja, dizendo, como hereges, grandes erros e falsas opiniões contra a fé. E de tal maneira foram incitados na heresia que, quase todo o mundo foi corrompido por suas falsidades e seus erros, as quais, não se pode aqui explicar, ou dizer do todo, no entanto, bem aparece às claras nas Escrituras. Por estes hereges, perderam os cristãos a forma de santificar-se e fazer oração; deixaram assim mesmo de ouvir Missa e de comungar. Deixaram de fazer todos os bens; pouco faltou para que não perecesse todo o estado da fé verdadeira, e da vida. Quis Deus, então, enviar os doutores da Igreja, como foram, Santo Agostinho, São Jerônimo, Sto Ambrósio e S. Gregório, e outros muitos homens de ciência e vida: e muitos nobres varões, os quais, mantiveram a fé católica e os mandamentos da lei, das virtudes, dos sacramentos, da vida boa e santa. Estes declaravam e expunham a Sagrada Escritura, disputando contra os hereges; mas a Igreja não pode voltar ao estado primeiro de ouro, de onde era abençoada, mas sob o de prata porque se perdeu o gosto pela devoção. Este prateado, ou idade de prata durou mais de quatrocentos anos.

3. O ventre de bronze: a idade obscura da Igreja e a heresia muçulmana

Até dito tempo, a grande estátua é, a saber, a Igreja e a Cristandade, descia da prata,  para o ventre e pernas de bronze (que vale menos) porque este metal é muito luminoso e fácil de mudar e de som ruim. Assim estava a cristandade, a direita e esquerda entre falsos erros e maus costumes, porque não se pregava a palavra divina.
Foi naquele tempo em que Maomé se levantou e corrompeu toda a Berbéria: já não se queria ouvir Missa se não pela força e ninguém procurava fazer oração: Deus era negado, e o mundo posta em grande maldade. Todos consentiam em cometer delitos e casos muito torpes: a humildade, justiça e misericórdia, já não existiam; não havia fé entre os homens. A piedade, a obediência dos mandamentos, não se conhecia já no mundo como tampouco a vida virtuosa.
Nosso redentor Jesus Cristo quis então destruir o mundo, como se acha na vida dos bem-aventurados São Domingos e São Francisco, onde se escreve que o Onipotente Deus tinha três lanças contra o mundo com grande ira por seus pecados e maldades, as quais demonstravam três coisas:
A primeira é a perseguição do Anticristo.
A segunda o fim do mundo.
A terceira, o dia do juízo.
Nesta grande angústia, alcançou a Virgem Maria, Nossa Senhora, um tempo de proclastinação para que o mundo não se perdesse, e ganhou de seu Filho precioso que esperava as pregações de ditos santos bem-aventurados, para que pregassem por todo o mundo e convertessem os homens a Deus. Este tempo durou tanto quanto seus frades  fizeram  estas duas regras, quer dizer, uns cento e cinquenta anos. As quais, regras morrem agora quanto a sua observância e já tem passado cinquenta anos que os frades não caminham direito; o voto e as cerimônias não são guardadas, porque são piores estes frades que os outros cristãos, vivendo intrinsecamente em meio a soberba, da ira, da preguiça, da simônia; tão cheios de vícios que são exemplos de toda má vida e feitos de todo o caminho para a perdição, pelo que a Igreja tem baixado do ventre de bronze para as pantorrilhas de ferro.

4. As pantorrilhas de ferro: a época de São Vicente Ferrer (1400)

E é o tempo em que estamos agora, porque o ferro é duro, e não se pode dobrar, é tão frio que não se pode jamais modificar, nem corrigir, senão com fogo, e dando-se golpes com o martelo.
No presente é que tem sucedido com a cristandade, quer dizer, que não há ninguém que se emende de seus delitos. Nem os bispos, nem os senhores temporais, nem os religiosos, nem os sacerdotes, nem os que estão em estado conjugal. Não há emenda no ermitão, nem no mercador, nem nas virgens, nem nas viúvas. Tão pouco se acha no lavrador, ou no oficial, ou no escudeiro; pois não se acha a correção dos costumes em nenhum servo, escolar, mestre, discípulo, doutor, legista, banqueiro ou artista.
Não se convertem por pregações, nem por exemplos, nem por milagres. Não tem medo, nem se espantam dos tormentos, nem enfermidades, guerras, fomes, nem mortandade. Não se emendam por inundações ou dilúvios, nem por eclipses, ou obscuridades do sol e da lua ou dos outros planetas; tudo nos parece como escarnio e burla. Estão já tão aborrecidos os cristãos que já nem parecem ser homens, mas demônios.
Todos são muito ásperos uns com os outros; sem piedade; sem bondade, cruéis, trapaceiros, raivosos sem lugar a bem algum. Muito endurecidos, sem devoção, e amantes do mundo, sem temor a Deus; são depreciadores do Rei do Céu, sem amor algum, pelo qual são mais duros e ásperos os cristãos do que o próprio ferro.
Oh, como desceu a estatua e a cristandade em grande perdição ao ferro, do qual David profetizou no Salmo 104 “humiliaverunt in conpedibus pedes eius’, que quer dizer: “Humiliarão os pés nas prisões, os grilhões e o ferro passou a sua alma”, porque, assim como os grilhões impedem o caminhar dos pés corporais, assim os pecados impedem o caminhar da alma (espiritual) direto para Deus, como diz David: “ibunt de virtute in virtutem videbitur Deus deorum in Sion”, que quer dizer: “Irão de virtude em virtude, e será visto o Deus dos deus em Sião”. Porque a alma de qualquer discreto cristão deve andar com dois pés aquejada de virtude em virtude. O pé direito é o amor celestial; e o esquerdo é o temor infernal. E quando o diabo tenta de algum pecado, deve pensar o homem como as penas do inferno são destinadas para o triste que consente na má tentação, e põe por obra o delito. E assim pensando, resistirá e lhe defenderá das tentações.
E pelos dois pés, de amor e de temor, poderá sempre andar de virtude em virtude neste mundo, e depois, no outro, chegar ao Deus dos deuses em Sião, onde estão os anjos naquela glória da visão bem-aventurada.
Entretanto, está o que diz David falando acima do tempo moderno, ou presente: “Humilharão seus pés nos ferros e grilhões”, quer dizer: na ociosidade, ou preguiça, porque comumente os grilhões tem dois olhos onde os pés geralmente prendem-se de tal modo que não pode o homem andar livre por aquele embaraço ou impedimento. Assim estes dois pés, amor de Deus e temor do inferno estão já cativos na preguiça e ociosidade, que, por seu impedimento, a alma não pode ir de virtude em virtude. E tão apartados vão dela os homens que apenas se falará já de mil, um que ame a Deus, ou tema o inferno, como se nunca houvesse de morrer. Por isto diz David: “O ferro passa a sua alma”, que quer dizer, a obstinação, por qual nenhum cristão se corrige.
Oh, quanta dureza! Oh, quanta dureza há agora na Igreja de Deus, e na cristandade! Porque agora mal se sabe santificar, e se o fazem, não como devem, e mal. E menos sabem fazer oração, e confessar muito pouco, e tarde, e mal. Muitos poucos ouvem Missa e pregação. Comungar? Nem há lembrança. Os artigos da fé, muitos poucos sabem, e, os que sabem, sabem mal; e muito pior ainda os mandamentos da lei. Muito mal dão suas oblações e sacrifícios ao templo; pior os dízimos. E muito pior se inclinam a perdoar suas injurias, nem a restituir o mal ganho. Estão todos cheios de muita pompa, mentirosos, ladrões, sediciosos, viciosos, avarentos, enganadores e ambiciosos. Os mandamentos da lei não o guardam. São blasfemadores; servem a Deus sem acatamento, com menosprezo, e sem firmeza. Trazem mais escândalos que bom fruto.
Os bispos são vãos, pomposos, simoníacos, avarentos e luxuriosos, os quais tem colocado toda sua fé na medida, e nas coisas terrenas, a qual contrapesam com o que recebem; onde não há rendas, da fé se esquecem, e quando as tem menos se acordam. Não se preocupam com a Igreja; daqueles que mais lhes dão, e daqueles que mais lhes prometem, bem se acordam e tem cuidado. Assim estão todos corrompidos. Estão estes mesmos sem caridade, cheios de gula e muito preguiçosos, que nem celebram, nem ainda pregam, se não que escandalizam. Os senhores temporais estão desnudos de caridade, sem misericórdia, nem piedosos, nem mantem a paz.
Brevemente aqui falando dos religiosos, há poucos neste mundo que guardem suas regras, nem a conservam como deveriam; são muito corruptos e escandalosos; demonstram a via e o caminho da perdição a nossas almas.
Os sacerdotes, o que fazem agora? Mas, valem as honras e dignidade, que os bons costumes; porque são feitos muito ignorantes, presuntuosos, insultadores, idiotas, falsos, hipócritas, depreciadores dos que sabem. Estão cheios de simônia, muito avarentos, cheios de inveja, luxuriosos e muito dissolutos. Estão muito endurecidos e são muito tardios na oração, entretanto, velozes e muito ligeiros para a luxúria. Correm e vão ligeiros para o dinheiro; são cruéis e sem misericórdia. Continuamente vão carregados de armas, mas não levam o breviário.
 

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