Pesquisar este blog

domingo, 16 de novembro de 2025

A Corredenção de Maria

 



            Esta recusa na discussão de um pertinente dogma de fé, a Corredenção e Mediação Universal de Maria, já muito presentes no senso dos fiéis, revela duas coisas muito claras nas entrelinhas: 1) a igreja modernista e ecumênica não quer se indispor com alguns grupos heréticos, ou comprometer o seu tão acalentado diálogo inter-religioso, e 2) também, não quer dar a grupos tradicionais um importante aceno.

No entanto, o tiro saiu pela culatra, e um debate até então restrito, se ampliou dentro da igreja.

O objeto de toda essa querela fora um documento com o estilo típico do suspeito cardeal que ironicamente chefia a guarda da ortodoxia na Congregação para a Doutrina da Fé.

Em uma nota do Dicastério, indo na contramão de um grande movimento que remonta há alguns séculos, se diz:

 “Tendo em conta a necessidade de explicar o papel subordinado de Maria a Cristo na obra da Redenção, é sempre inoportuno o uso do título de Corredentora para definir a cooperação de Maria.” (n. 22)

O documento não nega que Maria cooperou na obra da redenção, mas desencoraja o uso do termo Corredentora, tão usado por um grande número de santos, teólogos e pontífices.

O fato é que, o progressismo que invadiu a Igreja, sempre seguiu uma linha minimalista quanto a devoção mariana. Por isso, a indiferença ou banalização do culto à Maria sempre fora notável no pontificado de Bento XVI, Francisco e ora, consolidado no pontificado de Leão XIV. Nada imprevisto! Os grandes teólogos modernistas, von Balthasar, Rahner, De Lubac, Suenens, Congar, sempre tiveram uma devoção mariana das mais mesquinhas. O título sugerido pelo atual pontificado não poderia fugir mais as peculiaridades do típico catolicismo modernista representado por essa linha de pensamento: “Mãe do povo fiel”.

A questão é que as mesmas “inconveniências” práticas para o ecumenismo e o diálogo inter-religioso que envolve as pertinentes propostas de dogma da Corredenção e da Mediação Universal, não são menos acentuadas nos outros dogmas marianos, especialmente no dogma de Maria, Mãe de Deus, da Imaculada Conceição e Assunção divina. Dogmas, aliás, inerentes a corredenção de Maria.

            Se chamar Maria de Corredentora ou Medianeira de todas as graças é, para Leão XIV e seus prefeitos, "inapropriado", o que diriam dos santos padres e doutores que a chamaram de “causa da nossa salvação”, “rainha dos anjos”, “causa da nossa alegria”, “paraíso terrestre”, “divino mundo de Deus”, “milagre dos milagres da graça” ou tantos outros títulos efusivos e devotos que culminaram em dogmas?


         Mas antes de chegarmos nesse estágio tão confuso da Igreja contemporânea, os dois títulos marianos sob atual questionamento eram objeto de longa devoção e um consolidado
ad fidem pertinens entre santos, pontífices e teólogos, tendo como um de seus mais fervorosos defensores nos tempos modernos o influente cardeal Mércier, tido por muitos como o responsável por difundir esta devoção no orbe católico, embora, já se reconheça os primeiros pontos desta doutrina nos primeiros séculos do cristianismo, e até no Concílio de Éfeso, ganhando grande impulso na Idade Média por ação dos franciscanos e se tornando sentença teológica certa no século XV.

             

 

O grande teólogo espanhol Antonio Royo Marín (1913-2005) acredita que Maria é corredentora por duas razões fundamentais:

1º — Por ser a Mãe de Cristo Redentor, o que acarreta, como vimos anteriormente, a maternidade espiritual sobre todos os redimidos.

2º — sua dolorosíssima compaixão ao pé da Cruz, intimamente associada, por livre disposição de Deus, ao tremendo sacrifício de Cristo Redentor.[1]

Mas há razões ainda mais profundas e intrigantes para tantos santos e teólogos afirmarem que Maria teve uma cooperação singular na redenção da humanidade. Uma delas, que se explicita por um famoso mote Sanguis Christi, sanguis Mariae, afirma o fato de que, o Deus redentor, assumiu feições humanas no ventre de Maria, de modo que, por inefável desígnio divino, a Divina Providencia não quis redimir a humanidade sem a participação de Maria. Palavras que estão em plena consonância com os evangelhos. “No princípio era o verbo” (Jo 1, 1). Não havia o homem-Deus, apenas o verbo. E o verbo se fez carne no ventre de Maria, mostrando que Maria assim torna-se parte indissociável da redenção. É neste sentido que Sto Irineu de Lion a chamava “causa salutis” (Causa de nossa salvação)

“Maria, ao prestar obediência, tornou-se a causa da salvação, tanto para si mesma como para toda a raça humana.”[2]

Não que ela não precisava ser salva, ela também o foi como todos, mas de um modo diferente. Escolhida antes de todos os séculos, preservada do pecado original e unida a Paixão de seu filho de congruo.

Embora, a redenção fora ação única e exclusiva de Cristo, ele não deixou de envolver sua mãe nessa missão com vínculos indissociáveis a história da salvação. É o que Garrigou-Lagrange afirma em sua La mère du Sauveur et notre vie intérieure:

“Ela se uniu a Jesus como somente uma mãe poderia, e uma mãe muito santa, em perfeita unidade de amor por Deus e pelas almas. Essa foi a sua maneira de cumprir o grande preceito da lei — e que outra maneira mais perfeita poderia haver? A tradição é clara sobre a união de Maria com o Redentor; ela nunca se cansa de repetir que, assim como Eva se uniu ao primeiro homem na obra da perdição, Maria se uniu ao Redentor na obra da redenção.”

Ninguém esteve mais unida nesta terra ao Redentor em sua redenção do que sua Santíssima Mãe. Maria viveu todos os momentos da paixão com seu filho, e foi crucificada no coração à vista do filho despido, coberto de sangue e feridas, abandonado pelos seus discípulos e humilhado na cruz. Visão esmagadora e devastadora a uma mãe, especialmente a mais santa e pura das mães. “A espada de dor transpassou sua alma”.

“Bastava bem a morte de Jesus para salvar o mundo e ainda infinitos mundos, escreveu Sto Afonso Maria de Ligório, mas quis essa boa Mãe pelo amor que nos tem, com os méritos das suas dores, que ela ofereceu por nós no Calvário, também ela ajudar a causa da nossa salvação”.[3]

Um outro teólogo de grande prestígio a esclarecer as linhas desta tese é Gabriel Roschini:

“Triunfar com Cristo, esmagando a cabeça da serpente, não é outra coisa que ser Corredentora com Cristo”.[4]


Pontífices


    O Magistério atesta todas estas verdades, de modos variados, com exceção dos três últimos, que Maria foi associada intimamente a Cristo na Redenção; isto é precisamente o que a Igreja chama de Corredenção.

Leão XIII em Adiutricem Populix (1895) afirma:

“[Maria] depois de ter sido a cooperadora da redenção humana, tornou-se também, pelo poder quase ilimitado que lhe foi conferido, dispensadora da graça que em todos os tempos jorra dessa redenção”. (Nº 4)

E em Iucunda Semper Expectatione (1894), ensina claramente o papel corredentor da Santíssima Virgem:

“Foi Ela quem, unida a Cristo na mais estreita comunhão de dor e de vontade, participou de modo admirável na Redenção do gênero humano.”

Antes de Leão XIII, Pio IX, em Ineffabilis Deus (1854), já a chamava “poderosíssima mediadora e reconciliadora de todo o mundo junto a seu Filho Unigênito”.

Em 1904, Pio X voltava a afirmar a mesma doutrina:

“Maria mereceu ser digníssima reparadora do orbe perdido e, portanto, a dispensadora de todos os tesouros que Jesus nos conquistou com sua Morte e com seu Sangue” (Ad Diem Illum)

O mesmo verbo usado por Leão XIII — consociata — é retomado por Pio X, o que mostra continuidade magisterial.  “Ela foi associada a Cristo na obra da salvação do gênero humano.”

Após, Pio X, Bento XV segue a mesma doutrina em sua Carta Apostólica Inter Sodalicia (1918):

“Com efeito, ela sofreu e quase morreu com seu Filho sofredor e moribundo, abdicou dos seus direitos maternos para salvação dos homens, e tanto quanto lhe pertencia, imolou seu Filho para apaziguar a justiça de Deus, de modo que se pode justamente dizer que Ela resgatou, com Cristo, o gênero humano. Consequentemente, todas as graças que recebemos do tesouro são distribuídas pelas mãos da dolorosa virgem.”

“Portanto, além da intercessão dos santos, deve ser incluída a influência dela, a quem os Santos Padres, saudaram com o título Mediatrix omnium gratiam.”

Em 30 de novembro de 1933, Pio XI foi o primeiro pontífice a se dirigir a Santíssima Virgem sob este título em discurso dirigido aos peregrinos chegados a Roma de Vicenza:

“Por necessidade, o Redentor não pôde deixar de associar sua Mãe à sua obra. Por isso, nós a invocamos sob o título de Corredentora . Ela nos deu o Salvador, acompanhou-o na obra da Redenção até a própria Cruz, compartilhando com ele as dores da agonia e da morte em que Jesus consumou a Redenção da humanidade.”

(Discurso aos peregrinos em Vicenza, Itália , 30 de novembro de 1933.)

Após o papa milanês, Pio XII, em sua encíclica Ad Caeli Reginam (1954) reafirma a posição de Maria na obra da redenção:

“Dessas premissas se pode argumentar: Se Maria, na obra da salvação espiritual, foi associada por vontade de Deus a Jesus Cristo, princípio de salvação, e o foi quase como Eva foi associada a Adão, princípio de morte, podendo-se afirmar que a nossa redenção se realizou segundo uma certa "recapitulação", pela qual o gênero humano, sujeito à morte por causa duma virgem, salva-se também por meio duma virgem; se, além disso, pode-se dizer igualmente que esta gloriosíssima Senhora foi escolhida para Mãe de Cristo "para lhe ser associada na redenção do gênero humano.

Nem mesmo a constituição dogmática conciliar, Lumen Gentium, deixou de afirmar os termos da Corredenção de Maria:

“O papel singular da Virgem Maria como cooperadora está fundamentado em sua maternidade divina. Ao dar à luz Aquele destinado a realizar a redenção da humanidade, ao alimentá-lo, apresentá-lo no templo e sofrer com ele enquanto morria na cruz, ela “cooperou de modo totalmente singular na obra do Salvador” (Nº 61).

Entre os papas do século XXI, João Paulo II foi dignamente chamado “Papa mariano”, e afirmou cinco vezes o título de Corredentora à Maria. Em uma dessas ocasiões, ele afirmou:

“Maria, enquanto concebida e nascida sem a mancha do pecado, participou de forma admirável nos sofrimentos do seu Divino Filho, a fim de ser Corredentora da humanidade” (Audiência Geral, 08 de setembro de 1982)

“Embora o chamado de Deus para cooperar na obra da salvação seja dirigido a todo ser humano, a participação da Mãe do Salvador na redenção da humanidade representa um evento único e irrepetível.” (Audiência Geral, 9 de abril de 1997)


OS SANTOS


    Os pontos fundamentais da doutrina da Corredenção já encontraram seus ecos nos primeiros séculos do cristianismo. Santo Ireneu (séc. II): chamou à Maria de “causa salutis” (causa de salvação) (Adversus Haereses, III, 22,4) e Santo Agostinho já atribuía à Virgem o título de "colaboradora" na Redenção (cf. De Sancta Virginitate, 6) 

No século VII, Modesto de Jerusalém, afirma que, por meio de Maria, “somos redimidos da tirania do demônio ”.  São João Damasceno (século VIII) a saúda nestes termos: “Salve, por quem somos redimidos da maldição”. São Bernardo de Claraval (século XII) prega que “por meio dela, o homem foi redimido ”. 

Desde então, Maria continuou sendo invocada e afirmada em termos semelhantes, até finalmente ser reconhecida nominalmente como "Corredentora" por grande miríade de Santos.

O cardeal Newman, recentemente elevado a categoria de doutor da Igreja, defendeu o título perante hereges protestantes.

“Tu protesta contra chama-la Corredentora, haverias de considerar pobre esta afirmação que usastes em comparação com a linguagem com que a saudaram os padres A chamando de Mãe de Deus, segunda Eva, mãe de todos os viventes, mãe da vida, estrela da manhã, o novo céu místico, o cetro da ortodoxia, a toda Imaculada Mãe da Santidade e por estilo...”

(Carta a rev. E. B Pusey, 1864)

S. Maximiliano Kolbe, falando sobre os objetivos de sua Milicia da Imaculada assim dizia:

 “Estritamente falando, o objetivo da Milícia da Imaculada é o objetivo da própria Imaculada. Ela, de fato, como Corredentora, deseja estender a toda a humanidade os frutos da redenção realizada por seu Filho; ela faz tudo o que pode para ganhar para Cristo os hereges, cismáticos, maçons, judeus e assim por diante.”[5]

“O homem cometeu um pecado de desobediência para com o Criador. Condenado à morte, mas apenas a uma morte temporária, ele deixa o paraíso terrestre para almejar um paraíso celestial através do sofrimento e do trabalho árduo. A partir desse momento, Deus promete um Redentor e uma Corredentora, dizendo: “Porei inimizade entre ti (serpente, Satanás) e a mulher, e entre a tua descendência e a dela; esta te ferirá a cabeça” (cf. Gn 3,15).”[6]

Madre Teresa de Calcutá, Calcutá, 

É claro que Maria é a Corredentora — ela deu a Jesus o seu corpo, e o seu corpo é o que nos salvou. ” Madre Teresa de Calcutá, Entrevista pessoal, Calcutá, 14 de agosto de 1993



[1] La Virgen María. Teologia y espiritualidade marianas. 2º Ed. Madrid, Bac, 1997, p. 140

[2] Adv. Haer ., III, 22, 4.

[3] Glórias de Maria,

[4] La Madre de Dios según la fe y la teologia, v. I, Madrid: Apostolado de la Prensa, 1955, p. 477

[5] Rycerz Niepokalanej, December 1937, pp. 357–358

[6] Rycerz Niepokalanej, September 1924, pp. 169–170 


A Corredenção de Maria

              Esta recusa na discussão de um pertinente dogma de fé, a Corredenção e Mediação Universal de Maria , já muito presentes no ...