Pesquisar este blog

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

O Comunismo e a Igreja


Infinitas páginas narram a incompatibilidade da fé católica com os ideais materialistas do comunismo, todavia, o comunismo ainda é uma ideologia que arrasta numerosos membros da Igreja para as suas fileiras. Este texto não pretende ser mais eficaz ou mais eloquente do que tudo que já foi dito sobre essa ideologia nefasta. Ele busca simplesmente fazer coro a esta condenação que a Igreja repete desde o despontar desta ideologia no mundo.


** * ** 

Há um único sonho a embalar o sangrento percurso revolucionário na história: a diabólica pretensão de criar uma civilização sem Deus. Mesmo que seus ideólogos neguem peremptoriamente essa intenção. 

Sob a foice e o martelo do comunismo e a custa de muito sangue, este "sonho" funesto esteve diversas vezes na iminência de se concretizar no mundo. Em uma destas ocasiões, no final dos anos 40, o comunismo soviético, que já havia se estendido por quase um terço da terra, tentou erguer, concretamente, uma cidade sem Deus. E a pedra angular daquele insano projeto foi lançada no coração da Polônia -- um dos países mais católicos do mundo --, em um distrito operário nos arredores de Krakóvia chamado Nowa Huta.
Alí, parecia, aos olhos comunistas, o cenário ideal para erguer esta nova civilização; arquitetada há tanto tempo pelos revolucionários. A civilização sem Deus, sem igreja, sem culto, sem sacerdotes e sem fé.

Mas, para a surpresa do Partido, os próprios operários que habitariam Nowa Huta ergueram em seu centro uma imponente cruz, e a seus pés, estabeleceram um fervoroso culto a Deus. 
Como era esperado, as autoridades comunistas trataram logo de levar ao chão aquele "incoveniente" simbolo e reprimir o culto que se fazia em torno dele. 

Por conseguinte, a derrubada da Cruz ocasionou uma onda de protestos pelo país, que durou três dias e deixou muitos mortos e feridos. Alí, o comunismo aprendeu que não seria tão fácil erguer uma cidade sem Deus no mundo.

* A pretensa "cidade sem Deus" estava dentro da circunscrição eclesiástica de uma das figuras mais importantes na luta contra o comunismo na época, o arcebispo Karol Woytiła (futuro João Paulo II), que viria a ter papel determinante nos rumos daquele projeto. 


Cruz de Nowa Huta

Daí por diante, uma luta continua se travava em torno da cruz de Nowa Huta. 

Na impotência de vencer a força da fé, a polícia comunista permitiu que a cruz permanecesse no local, mas sem a presença de fiéis em torno dela. Assim, não haveria quem a preservasse das intempéries do tempo, ou a substituísse quando estivesse deteriorada. Com o tempo, a cruz acabou ruindo, e a guarda passou a vigiar o local para que uma nova cruz não fosse erguida em seu lugar.

Porém, no dia do trabalhador (1 de maio), quando a guarda responsável por vigiar a cruz estava fora de seus postos, os fiéis corajosamente tomaram o local e ergueram uma nova cruz, e a partir daquele dia, a resistência tornou-se vez mais forte.

Em 1963, na noite de Natal, debaixo de forte chuva, uma multidão não se intimidou com o frio e a presença da polícia, e compareceu em peso sob a liderança de seu arcebispo para celebrar aos pés daquela cruz a Missa do Galo. 
O ato suscitou, inicialmente, alguns atritos, mas nada que impedisse o transcorrer do Santo Sacrifício.

No mesmo ano, vencendo todas as imposições, a cruz de Cristo é definitivamente fincada em "solo ateu" e, a pretensa cidade sem Deus torna-se um eloquente sinal da invencibilidade da religião no mundo.

* Em 1977 uma igreja começa a ser construída em Nowa Huta. 

A resistência que nascia em Nova Huta fora o inicio do vertiginoso efeito dominó que se desencadeou sobre toda a cortina de ferro erguida no leste europeu, levando a grande derrocada do comunismo bolchevique.

Ante o inevitável declínio comunista no leste Europeu, uma importante figura do PC, o general Wojciech Jaruzelski, reconheceu a principal responsável por aquela derrota: a Igreja.

Uma sociedade sem fé 

Mas o sonho comunista de construir uma sociedade sem Deus não morreu em Nowa Huta, tão pouco no desmoronar na cortina de ferro soviética, ele amadureceu com seus novos teóricos, Lukasz e Gramsci e toda a influente escola de Frankfurt deram nova roupagem aquela ideologia e novos planos de ação, mais inteligentes e eficazes. E a Igreja que um dia dera golpes fatais no bolchevismo, era, mais uma vez, vista como um grande empecilho para a realização da sociedade comunista no mundo. 

Assim, a estratégia leninista de iniciar a revolução com a tomada do Estado, deu lugar a uma nova estratégia mais meticulosa e eficaz, de "transformação das consciências" por meio da possse dos meios de produção cultural. Conquistar primeiro as mentes e os corações para depois conquistar o Estado, er ao plano. 
Atualmente vemos as estratégias Gramsciana e Lukacziana em pleno curso dentro de todas as instituíções da sociedade, inclusíve a Igreja, ou dir-se-ia, principalmente dentro da Igreja, que nas ultimas décadas tornou-se caixa de ressonância das ideias comunistas.

O comunismo encheu nossos púlpitos, nossas escolas, nossos rádios e jornais de discursos marxistas. Aprendeu com o tempo que transformar é muito mais vantajoso que perseguir. 

* O comunismo, dito ocidental, viu a religião crescer com a perseguição armada, a estratégia mudou. Não há mais domínio armado, há domínio psicológico. Não se conquista territórios... Se conquista corações. 

A Doutrina Comunista

A doutrina comunista postula que a vida é produto de forças cegas e ocultas, e que todos os princípios que regem nossa sociedade não são produtos de forças naturais ou superiores, mas foram forjados por uma classe que se sobressaiu na história (a burguesia) e deu origem a sociedade capitalista dominante. 

Para Marx, o homem nasceu livre e sem classe, a sociedade nasceu sem empregados e patrões; família, ou qualquer forma de contrato social... O modo de produção capitalista transformou isso, e o Manifesto Comunista de 1848 classificou os homens entre "oprimidos e opressores", que vivem em constante oposição. 
A opressão começa quando alguém toma posse do que é de todos, dando origem a propriedade privada, que consequentemente gera a relação de poder entre os homens, e daí por diante, a sociedade passa a ser uma continua luta de classes, entre opressores e oprimidos, que se digladiam constantemente em torno do Capital. 

Esta luta só terá fim, pensava Marx, mediante a revolução do proletariado, que inaugurará a sociedade igualitária e livre, abolindo todas as divisões de classes e por conseguinte, toda autoridade. Porém, quando a utopia saiu do papel para o terreno prático, o resultado foi catastrófico. 


** * **

Todo este ideal é inviável por ir contra a ordem natural das coisas... Mas, para Marx, não existe uma ordem natural, tudo é convenção social e passível de intervenção humana. 
Mas a desigualdade é um fator natural que faz parte da criação; querer nivelar todas as coisas, colocá-las no mesmo patamar é insano e inviável. Prova-nos todas as tentativas que culminaram em grandes tragédias: A China de Mao, a Cuba dos irmãos Castro, o Camboja de Pol-Pot, a Russia de Lenin e Stalin, são exemplos do que é a sociedade comunista... Terror, opressão, desigualdade e muito sangue derramado. O total oposto do que propõe a teoria comunista.

Apesar da tragédia que foi o comunismo na história, nos livros didáticos ele ainda é representado como o cândido ideal de uma sociedade sem classes, sem posses, onde tudo é de todos. Embora, por trás destes nobres ideais oculta-se a mais cruel tirania. 

A tragédia do comunismo é resultado mais que previsível dos preságios cínicos de Marx.
Porém, aos comunistas sempre resta o velho subterfúgio de afirmar que o comunismo não foi interpretado corretamente, tão pouco bem aplicado.  Mas aí surge a mais natural das perguntas: onde o comunismo deu certo? Se não deu certo em lugar nenhum, esta não é a prova mais segura de que ele é um grande erro?

Sobre as fajutas promessas do comunismo escreveu Mons. Fulton Sheen: “O comunismo entorpece os pobres, prometendo-lhes o que não lhes pode dar, a saber, um paraíso na terra”. (cf. SHEEN, Fulton. Comunismo: O ópio do povo)

Um sistema ateu

Em 1905 Lenin fez a seguinte afirmação: ‘‘O nosso programa comunista inclui a propaganda do ateísmo’’ (cf. Novoya Zhizn n. 28). E em sua carta a Gorki foi mais incisivo: "Deus é o inimigo pessoal da sociedade comunista". 
O Bezbojnik, jornal comunista, em 1934 assim se manifestava: ‘‘a educação comunista das crianças requer explicitamente a educação anti-religiosa’’. 
Não esqueçamos que para Marx, o grande mentor desta catástrofe, ‘‘a religião é o ópio do povo’’ (cf. MARX, Karl. A Crítica da filosofia do direito de Hegel). Logo, para o comunismo a religião precisa ser extirpada do mundo, mas antes disso, deve ser extirpada do coração do homem.

A Igreja em face do comunismo

Por estes e tantos motivos, o comunismo, desde suas origens, é reiteradamente condenado pela Igreja: de Pio IX à Bento XVI. A antinomia dos princípios é tão gritante que o Santo Padre Pio XI afirmou que "ninguém pode ser ao mesmo tempo bom católico e verdadeiro comunista" (cf. Quadragesimo anno). E o motivo é óbvio: O materialismo intransigente, que é um de seus princípios básicos, não se coaduna  de nenhuma forma com as verdades eternas do Evangelho. 

Mas o ponto mais condenável deste sistema é sua visão hedionda do ser humano. O comunismo proclama que há uma só realidade universal: a matéria, e tudo deve ser explicado somente por este critério. Logo, tudo que não se explica materialmente, deve ser negado e combatido. 
Para o comunismo o único fim do ser humano é o fim econômico. Assim, simplifica o homem a uma simples molécula do organismo social, como tão bem observou João Paulo II:
"O  erro fundamental do socialismo é de caráter antropológico. De fato ele considera cada homem, simplesmente como um elemento e uma molécula do organismo social’’ (cf. Centessimus annus, n. 13). 

Para o comunismo, o homem é ainda "Um macaco que se humanizou pelo trabalho" (cf. Friedrich Engels. Sobre o trabalho na transformação do macaco em homem). 

Com visão tão odiosa do ser humano, como não combater esta doutrina? 
Portanto, não é em nome do capitalismo, da democracia, da religião ou de qualquer outro sistema que a Igreja condena e combate o comunismo, mas em nome da dignidade humana que ele ameaça. 

O principio da ‘‘igualdade absoluta’’, destrói a personalidade individual de cada homem e nega sua dignidade, colocando o na mesma posição de qualquer outra criatura. Como sua dignidade poderá ser respeitada por um sistema que de antemão decretou e o nivelou a uma mera molécula do sistema? 

Bento XV o classificou como o inimigo mais implacável dos princípios cristãos. (cf. Bento XV. Enc. Bonum sane). Sua essência é tão grave que o chamou Leão XIII de "peste mortífera que invade a medula da sociedade humana e a conduz a um perigo extremo" (cf. Enc. Quo Apostolici Muneris, 1878).  E por sua constituição maléfica, o comunismo é intrinsecamente mau em seus princípios e em seus métodos, não pode ser conciliado com a fé cristã. Por isso, todo aquele que adere a este nefando sistema, conforme decretou S. S Pio XII, no Decretum contra Communismum de 1949, está excomungado latae sententiae.

Tristes páginas deste regime: Resultados fatais da ideologia

Em sua história, o comunismo legou as páginas mais cruéis que já viveu a humanidade. Após a queda do muro de Berlin com a abertura dos arquivos dos países comunistas, foi revelado o horrendo pesadelo por trás daquele insinuante ideal.

De baixo da cortina de ferro, penavam populações inteiras sob a mais cruel tirania. Na obra monumental "le livre noir du comunisme: crimes, terreur et répression" (1997), organizada por vários historiadores, de esquerda, (Stéphanie Courtois, Nicolas Werth, Jean-Louis Pannée, Andrzej Paczkowski, Karel Bartozek, Jean-Louis Margolin), afirma-se, com uma vasta documentação, que o comunismo em sua história fez mais de cem milhões de vítimas. 

Não houve país em que este sistema se implantasse, sem que o direito a liberdade não fosse suprimido e a discordância brutalmente  reprimida. 

O comunismo é minunciosamente opressor, o que unicamente importa é o lucro, obtido sob todas as formas, inclusive as mais desumanas. Por esta razão, chamou o Santo Padre João Paulo II a este sistema de um simples "capitalismo de estado" (cf. Centesimus annus, 35). Pois, se no capitalismo as riquezas ficam concentradas nas mãos de poucos, no comunismo ela fica toda nas mãos de um partido.

Casos revoltantes eram corriqueiros na sociedade comunista. A injustiça predominava na União Soviética e em seus congêneres. De 1930 a 1933 o partido comunista mandou 35 funcionários para o fuzilamento por causa de um fracasso na colheita. Em 1932 o Partido Comunista na União Soviética publicou uma nota advertindo os agricultores das fazendas coletivas que o roubo de uma simples espiga seria punido com a morte: “O culpado deve ser fuzilado e seus bens confiscados” (cf. Izvrtia, 8 de Agosto de 1932). 

Em 1935 o partido ordenava as crianças a partir dos 8 anos guardar as colheitas: “guardarão os campos mesmo durante a noite, desde que tenham oito anos” (cf. Moldaia Guardia, 17 de agosto de 1935). Estes são alguns exemplos para ilustrar a condição em que viviam os povos sob domínio comunista. 

Diante de tanta opressão, qualquer um que ousasse erguer-se contra o funesto sistema, podia ser no mínimo, enviado aos terríveis gullags (campos de trabalho forçado), -- grande símbolo da sociedade comunista, que ficavam nas regiões mais inóspitas da terra sem qualquer condição de sobrevivência aos seus condenados. 
Os horrores daqueles infernos brancos foram retratados esplendidamente por Danzig Baldaiev em suas mais de duzentas gravuras.


Prisioneiros em Gullag Soviético

Sabe-se que até crianças eram enviadas aos gullags. Qualquer manifestação contra o governo era reprimida com violência, como aconteceu em 1989 na praça da paz celestial (Tian´anmen, China) em que mais de sete mil (segundo os sobreviventes) foram enviadas literalmente para a paz celestial, antes, é claro de ter passado pelo inferno comunista.  

De 1932 a 1933 o Partido Comunista condenou a fome a Ucrânia, no famoso genocídio conhecido como “Holodomor”, onde pelo menos cinco milhões de pessoas morreram de inanição, por conta da supressão de alimentos feita pelo governo soviético. 


Ucranianos sob o Holodomor

O el paredon de Fidel Castro em Cuba até o ano de 1960 já havia mandado mais de 14.000 pessoas para o fuzilamento. 


Durante o Holodonor,
até o canibalismo foi praticado
 como forma de sobrevivência 

Na Romênia durante o sangrento regime do ditador Nicolas Ceausescu, além do número exorbitante de mortes promovidas pelo regime, um fato macabro marcou o despótico período. O ditador que sofria de leucemia, mandava exanguir os corpos de suas vítimas para fins terapêuticos. (cf. NBR-HANDELSBADLAD, Raymond Van de Boogard. Massagaf in Timisoara werd kerkhof van betrovwbaarheid). Cenas macabras como estas tornaram-se comuns debaixo da cortina de ferro comunista. 

Na Lituânia, o comunismo matou e mandou prender milhares de sacerdotes e fiéis leigos e todos quantos defendessem a liberdade. Estas tristes páginas encontram-se até hoje registradas simbolicamente nas milhares de cruzes e objetos sacros que se encontram na famosa ‘‘colina das cruzes’’ localizada no norte do país. 

Na Polônia, o terrível massacre de Katyn (1939-1941) deixou marcas indeléveis na alma daquele povo. 


Massacre de Katyn

O comunismo foi o maior flagelo que já se abateu sobre a terra. Causou mais mortes que todos os furacões, tempestades, terremotos e outros desastres naturais juntos... No entanto, ainda é sumamente louvado em nossas escolas e universidades, e tenebrosamente, é a ideologia mais propagada pelo mundo.

Conclusão

As tristes páginas do regime comunista na história, também nos revelam belos capítulos da resistência heróica do povo cristão. Vale lembrar a esplendorosa resistência espanhola no Alcácer, contra as nefandas forças comunistas que devastavam a Espanha. Igualmente, no México, o exuberante exemplo dos cristeros, que bradavam valorosamente contra os inimigos da fé. E em tantos países em que a nefasta ideologia comunista verteu sangue inocente, sempre existiu os mais belos exemplos de heroísmo e coragem, provando que o bem semre triunfa sobre o mal.

O comunismo tentou de todas as formas suprimir a religião, e com seu materialismo provar que não há Deus, mas só o que conseguiram, como esplendidamente afirmou Fulton J. Sheen, foi nos provar que há demônios.

Vimo-los (os comunistas) proscreverem a religião na Rússia, desterrarem o seu clero e matarem o seu povo. Vimo-los fecharem as Igrejas do México. Vimo-los crucificarem os padres na Espanha, abrirem os túmulos de religiosas e espalhar-lhes os restos mortais diante das portas da catedral. Vimos os seus museus anti-religiosos. Lemos sua literatura anti-Deus mas, tudo que o vimos e ouvimos fazerem contra a religião não nos convenceu de que não há Deus. Eles apenas nos convenceram que existem demônios. 
(Mons. Fulton J. Sheen, in Comunismo: o ópio do povo)



quinta-feira, 3 de outubro de 2013

50 Anos de Vaticano II


Com a silenciosa convocação do ano da fé em comemoração aos 50 anos de abertura do Concílio Vaticano II (1962-1965), desencadeou-se  na Igreja – mas que nos anos anteriores – sérias impugnações ao referido concílio. E tais impugnações, na maioria das vezes, partem de bons católicos que, naturalmente, sentem-se perplexos ante o turbilhão de mudanças que se seguiu na Igreja após o Vaticano II e a dessacralização e relaxamento da vida espiritual.



Mas, estas impugnações não nos revelam um fato novo na história da Igreja. Épocas semelhantes de contestação já se viram na história.

Vale lembrar a terrível crise que assolou a Igreja após o concílio de Nicéia (325). O período de crise foi tão avassalador que S. Basílio Magno chegou a comparar a situação da Igreja na época à uma batalha naval: 

‘‘Ao que se assemelha a situação atual? Assemelha-se à um combate naval". (cf. Tratado sobre o Espírito Santo, 75, p. 182-183). E em outro lugar, comparou o mesmo santo a Igreja pós-conciliar ‘‘à um barco em alto mar... Navegando a esmo, sem rumo, sacudida pela violência das ondas’’.

O mesmo se deu no ápice do grande cisma do ocidente, onde três papas reinavam, gerando grande confusão entre a cristandade. Santos taumaturgos chegaram a escolher o lado errado e combater o Papa legítimo. 

1688 anos nos separam do concílio de Nicéia mas, a situação atual da Igreja não é muito diferente da situação descrita por S. Basílio no século IV. 

A situação da Igreja do século XXI pode ser comparada à uma barca em mar revolto, sacudida pela violência das ondas. E este mar revolto, com toda justiça, pode ser associado ao modernismo dessacralizador que impera no seio da igreja. 

O filosofo Jean Guitton, amigo de Paulo VI, expressa com muita clareza, o sentimento que acomete a todos os bons católicos que leem os documentos conciliares: 

‘‘Quando leio os documentos concernentes ao modernismo, tal como ele foi definido por São Pio X, e os comparo com os documentos do Vaticano II, não posso deixar de ficar desconcertado. Porque, o que foi condenado como heresia em 1906, foi proclamado como sendo e, devendo ser, doravante a doutrina e o método da Igreja’’. (cf. GUITTON, Jean. Portrait du père Lagrange. Éditions Robert Laffont, Paris, 1992, p. 55-56). 

Como Jean Guitton, quem não sente tal desconcerto? 

Bento XVI  vê o problema de outra forma, não  no concílio, mas em uma perigosa interpretação feita dele, ao que o Santo Padre chamou sabiamente de ‘‘hermenêutica da descontinuidade (ou da ruptura)’’. 

Estaria o erro no Concílio ou na sua interpretação? Os textos conciliares deixaram margens para esta perniciosa interpretação? 

Não nos presumimos a autoridade adequada para julgar tal questão, mas de uma coisa estamos certos: atentar contra o concílio pode significar, atentar contra o Papa, afinal, já foram sete papas a aprová-lo, e atentar contra o Papa, como bem afirmou um certo pensador argentino, 'seria como cortar o galho em que se está sentado'. 

E se muitos se perguntam: como encarariam os grandes santos, se vivessem no século XXI, tais mudanças na Igreja advindas do Concílio? Creio que certamente se lamentariam bastante, mas, com mais certeza, creio que se lamentariam mais ainda com os que rompem com a Igreja e afrontam com duros golpes a pessoa do Papa.  

Pecam por desespero, por acharem a crise maior que o poder de Deus. Pecam por soberba, por acharem-se auto-suficiente o bastante para prescindir de toda a autoridade. Mesmo que a situação seja caótica, e até desesperadora, devemos sempre pensar em como os mestres de virtude, os santos, encararam esses momentos. 

Celebre é a frase de Sta Teresa de Ávilla, em que a grande mística expressa sua descomedida obediência à Igreja: ‘‘Em tudo me submeto ao que professa a Santa Igreja Católica’’. E Sto Inácio de Loyola vai mais longe em sua obediência filial. Escreve  o santo em seus Exercícios Espirituais: ‘‘Eu acredito que o branco que eu vejo é negro, se a hierarquia da Igreja assim o tiver determinado’’. 

Muito mais lamentável que os erros que se abatem sobre a Igreja é a postura cismática. Não é mais fácil expelir a fumaça de satanás, que como disse Paulo VI, "penetrou no templo de Deus", de dentro da Igreja do que de fora dela? 

Uma heresia faz grande mal à Igreja, um cisma não deixa de ser um mal menor. 

Entre afrontas e discordâncias internas e externas, a Igreja segue neste mar tempestuoso do século XXI, sob os braços sempre firmes do alvo timoneiro, guiado pelo Espírito Santo. 

Entre as milhões de vozes  que se erguem no mundo, emitindo tantas opiniões sobre a crise, continuo a ouvir aquele sobre o qual foi dito: ‘‘Tu és Pedro e sobre ti edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão sobre ela’’. 

Portanto, Indubitavelmente a opinião mais significativa neste contexto sempre será a do Santo Padre, e sua visão sobre a crise em nada perde para os tantos críticos incisivos do concílio. 

Diz o Santo Padre: 

‘‘Surge a pergunta: por que a recepção do concílio em grandes partes da Igreja, até agora teve lugar de modo tão difícil? Pois bem, tudo depende da justa interpretação do concílio ou como diríamos hoje, da sua correta hermenêutica, da justa chave de leitura e de aplicação. 

Os problemas da recepção derivam do fato de que duas hermenêuticas contrarias se embateram e disputaram entre si [...] por um lado, existe uma interpretação que gostaria de definir como ‘‘hermenêutica da descontinuidade e da ruptura’’; não raro, ela pode valer-se da simpatia da mass media e também de uma parte da teologia moderna [...] a hermenêutica da descontinuidade corre o risco de terminar numa ruptura entre a Igreja pré-conciliar e a Igreja pós-conciliar’’. (cf. S. S Papa Bento XVI, discurso de 22 de dezembro de 2005). 

Embora muito se critique os textos dos documentos conciliares, o que foi aplicado em nossas igrejas não foi o Concílio Vaticano II, mas uma caricatura mal feita dele. 

Querer conter os ventos inovadores, saindo da Igreja é como abandonar o barco no meio do oceano. 

Assim encerra (Bento XVI) sua reflexão sobre o concílio: 

‘‘Se  o lemos e recebemos (o Vaticano II) guiados por uma justa hermenêutica, ele pode  ser e tornar-se cada vez mais uma grande força para a sempre necessária renovação da Igreja’’. (Discurso 22/12/05). 

Um fato simples e memorável na história da Igreja, mas de grande significância para a nossa consciência, foi um grito que ecoou dos lábios de milhões de jovens na praça de S. Pedro em abril de 1869 em audiência com o Papa Pio IX

‘‘Sim, até a morte’’, dizia o entusiasmado coro de jovens da Ação Católica em obediência as palavras de Pio IX. 

Façamos nosso este lindo brado: ‘‘até a morte!’’, ‘‘sempre com o Papa!’’. 

Sabemos  que em tempos de crise só está seguro quem está com  Papa.



Uma Igreja em crise





          
               Em todos os seus séculos, a barca da Igreja jamais navegou em mares tranquilos. Sempre teve que enfrentar mares revoltos. As perseguições sempre foram sua herança terrena. Foi isto que o mundo legou a seu Divino Fundador, e não poderia ser outra herança legada a seu copro místico: a Igreja.
A Igreja, nestes tempos modernos, nestes mesmos mares, entre novas tempestades, exclamará enfadonha aquela clássica frase de Cícero: "Alios ego vidi ventos; alias prospexi animo procellas"  (já vi outros ventos e enfrentei outras tempestades) (cf. Cícero, Familiares, 12, 25, 5).
Em todos os séculos da Igreja, em cada crise que se abatia sobre ela, sempre houve aqueles que anunciavam festivamente o seu fim; sempre existiram aqueles que em cada crise viam um sinal evidente de seu perecer, mas, estupefatos, viam-na sempre reerguer-se triunfantemente e prosseguir seu peregrinar na História. E uma crise sucede outra crise, e a Igreja avançava, imponente e gloriosa “entre as aflições dos homens e as consolações de Deus”. Os fatos que iremos narrar, evidenciam com muita clareza isso.



*** * ***

UMA IGREJA EM CRISE




            Do final do século XVIII ao início do século XIX, a Igreja enfrentou uma de suas maiores crises. 
Toda a Europa estava tomada pelos nefandos ares da Revolução Francesa, que há pouco tempo havia estourado na França de onde difundiu para o resto da Europa sua fumaça maligna. Os bens da Igreja eram confiscados; sacerdotes e fiéis eram guilhotinados.. Junto a estes terríveis males, no seio da Igreja vingava e prosperava a terrível heresia jansenista, que arrastava numerosos membros do clero às fileira da apostasia. 

A situação se agrava a cada dia, quando em 1796 as forças republicanas francesas, sob o comando de Napoleão Bonaparte (1769-1821), invadiram os Estados Pontifícios, e dois anos depois, em 1798, levam cativo o Santo Padre Pio VI (1775-1799) o enviando a um degradante exílio na França, – onde o pontífice faleceu em 1799.

Diante deste quadro desesperador, os inimigos da Igreja não hesitaram em proclamar o seu iminente fim. Os jornais iluministas estampavam festivamente em suas primeiras páginas le fin de l’Église
Nenhuma instituição humana poderia resistir a tantas adversidades! Mas a Igreja não era uma instituição humana, e iria provar isso no desenrolar daquele nebuloso período. 

Com Roma ocupada e o Papa morto, os cardeais precisavam eleger um novo pontífice, e isto, fora de Roma, por conta dos diversos perigos que ameaçavam o transcorrer daquele processo. Por conta deste perigo, foi escolhida como sede do conclave, uma ilha escondida, chamada San Giorgio Maggiore, em Veneza.

O Conclave durou um ano, e curiosamente, elegeu um cardeal com o mesmo nome da ilha em que acontecia o conclave. Giorgio, Giorgio Chiaramonti. E em ato de homenagem a seu sofrido predecessor, adota o nome de Pio VII.

Mas a alegria da cristandade com o novo papa dura apenas 8 anos.

Em 1809, o Papa recém eleito teria que enfrentar novamente a fúria do prepotente Napoleão Bonaparte, agora Imperador da França, que num ato tirânico, incorporava os estados pontifícios ao Império Francês. 
Em resposta, Pio VII emitiu nota de excomunhão ao tirano.
Ao ser comunicado da excomunhão, o Imperador respondeu sarcasticamente ao Cardeal Caprara: ‘‘Por causa disso, acaso irão cair as armas das mãos de meus soldados?’’.

Conforme narra o Conde de Ségur, durante a fracassada Campanha Napoleonica na Rússia, em 1812, os soldados de Napoleão se deram com um fato extraordinário. Suas armas tornaram-se demasiadamente pesadas para seus braços, de modo que era quase impossível carregá-las. (cf. SÉGUR, conde de, apud HERION, barón. Historia general de la Iglesia. 2º ed. Madrid: Ancos, 1854, t. VIII, p. 153).
Ainda em represália à excomunhão recebida, Napoleão – tal como fez a Pio VI –, mandou prender Pio VII em Savona, onde o Santo Padre permaneceu por quatro anos, até 1813, quando foi transferido para Fontainebleau, onde passou seu último ano de exílio.

Em 1813 acontecia a grande reviravolta. Napoleão sofre uma vergonhosa derrota em Leipzig, e no ano seguinte, é deposto, e – ironicamente –, exilado por dois anos na ilha de Elba, tal como fez a Pio VI. Após dois anos de exílio em Elba, Napoleão consegue fugir, e encetar um retorno ao poder, mas é definitivamente derrotado em 1815 na célebre batalha de Waterloo, e exilado em Fontainebleau, onde passou seus últimos seis anos de vida – o mesmo local onde exilou Pio VII.

Esta extraordinária reviravolta causou grande temor no povo francês perante a figura do Papa, de modo que se convencionou dizer na época: “Quem põe as mãos no Papa morre!”

O impiedoso Napoleão passou seus últimos anos no exílio onde morreu. Pio VII, seguiu avante na chefia da Igreja e reinou até 1823. E o prepotente grito de Napoleão: Je detruirai votre Église (Eu destruirei vossa Igreja), se perdeu no tempo, e a Igreja prosseguiu em seu peregrinar – tal como escreveu Santo Agostinho, “através da impiedade dos tempos, vivendo cá em baixo pela fé. E com paciência, espera a estabilidade da eterna morada, quando a justiça for restabelecida” (cf. De Civitate Dei, 18, 15, 2) – chegando aos sombrios dias do século XXI, novamente sacudida por duros golpes desferidos de todos os lados pelo mundo moderno, filho da Revolução Francesa.

Mas, o que são os golpes e as críticas de um mundo decadente à uma Igreja que há mais de dois mil anos é criticada e golpeada? O que são as perseguições para uma Igreja que há mais de dois mil anos é perseguida? O que são os anúncios de crise que se alardeiam sobre ela? Que crise é esta que se anuncia há mais de dois mil anos? Há mais de dois mil ameaçam destruí-la; há mais de dois mil anos anunciam o seu fim. O que vemos após estes presságios pessimistas do mundo? Uma Igreja que sempre ressurge imponente, enaltecida e gloriosa. Afinal, quem está em crise: a Igreja ou o mundo que a combate?
E por quê esta força e esta imponência? Porque a Igreja é divina! Porque é sustentada por seu Divino Fundador: Jesus Cristo.

Pode a Igreja vacilar? interroga Santo Agostinho, e responde: “A Igreja vacila se seu fundador vacilar, como Cristo não vacila, logo a Igreja há de durar até o fim dos tempos’’ (cf. Enarrat. in Psal. 103, ser. 2, n. 2). Verdade expressa há mais de dois mil anos e facilmente comprovada nestes mais de dois mil anos de História.

A Igreja foi gerada no calvário, e tal como seu fundador, sempre haverá de provar o seu cálice amargo e o traiçoeiro beijo de Judas, mas ao final, sempre ressuscita gloriosa com seu fundador.
O problema é saber se estaremos nela quando então triunfar.

O pérfido Voltaire com seu ódio abrasado ao cristianismo costumava dizer: ‘‘Estou cansado de ouvi dizer que bastaram doze homens para implantar o cristianismo no mundo, e quero provar que basta um para destruí-lo’’. O grito ameaçador de Voltaire se dissipou no vento da História, assim como o de Napoleão e tantos outros inimigos da religião que hoje encontram-se sepultados no tempo, enquanto a Igreja prossegue seu peregrinar rumo a eternidade.
O grande autor inglês G. K Chesterton escreveu que ‘‘os inimigos da Igreja já perderam a esperança de ver o seu fim’’. De fato, porque a Igreja é invencível, pois Cristo semper vincit! Onde estão os que pretenderam destruir a Igreja? Sepultados no silêncio.

Para encerrar, deixo uma verdade de fé, que nunca podemos esquecer.

Escreve S. Pio X:
‘‘A Igreja pode ser destruída ou perecer?
Não -- responde o pontífice --, a Igreja Católica pode ser perseguida, mas não pode ser destruída ou perecer. Ela há de durar até o fim do mundo, porque até o fim do mundo Cristo estará com ela’’.
(cf. Catecismo Maior de São Pio X, n. 176)



As Sagradas Escrituras e sua livre interpretação





"Eu não creria nos Evangelhos
 se a isto não me levasse a crer
 a autoridade da Igreja Católica”.

                                                                                    Sto Agostinho, Contra epistolam Manichaei, 5, 6 I.




 Uma anedota popular nos conta que certo homem em terrível estado de angústia resolveu consultar as Escrituras para encontrar nelas alguma resposta para sua aflição. Abrindo o Livro Sagrado ao acaso, seus olhos repousaram sobre um trecho sinistro do evangelho de São Mateus: “Jogou as moedas no templo, saiu... E foi enforcar-se” (Mat 27, 5). Nada contente com o que lera, resolveu abrir uma segunda vez, a fim de encontrar algo mais confortante. Desta vez, abre no evangelho de São Lucas, onde seus olhos pousam sobre outro trecho intrigante: “Melhor te seria que lhe atassem uma corda em volta do pescoço e fosse lançado ao mar” (Luc 17, 2). Muito insatisfeito, e mais aflito com a solução que as Sagradas Escrituras lhe apontavam, abre uma terceira vez as Escrituras para certificar-se, e encontra um trecho ainda mais direto: “Agora vai, e faze o mesmo” (Luc 10, 37).
Não convencido com o que lhe sugeria o Livro Sagrado, decide abrir uma última vez para confirmar o que de fato Deus, supostamente estava lhe pedindo. Abrindo a última vez, seus olhos recaem sobre o fatídico e inexorável trecho de S. João: “O que queres fazer, faze-o depressa” (Jo 13, 27).

Assim tem se portado o homem moderno, protestantizado, em face das Sagradas Escrituras. Como um cervo sequioso em busca de água pura.
É fácil perder-se neste emaranhado de mistérios, -- que é a Bíblia --, sem uma orientação segura. Na Bíblia há todas as experiências humanas possiveis. Há milênios as palavras deste livro movem corações. Filosofias a precedem e a sucedem, mas ela sempre segue soberana, entre os falsos guias que surgem para o homem. 
Porém, poucos livros foram tão instrumentalizados como este. Quantas seitas não surgiram desde a terrível dissidência de Lutero, empunhando este livro como justificativas de suas incontáveis divisões?

Ensina Sto Agostinho que as Escrituras divinamente inspiradas dizem sempre a verdade, mas a nossa interpretação pode ser errada. Portanto, o ato de entregar uma Bíblia na mão de qualquer um para ler e tirar conclusões para os seus questionamentos, é como diz as próprias Escrituras, “colocar um espinheiro nas mãos de um bêbado” (Prov 26, 7), porque “a glória de Deus está nas palavras ocultas” (Prov 26, 2). 

E onde estas palavras se encontram mais ocultas do que nas Sagradas Escrituras? Como iria se portar um leitor pouco afeito em face de tais mistérios? Como encararia as milhares de passagens obscuras que permeiam as santas letras? Certamente cairia em muitos erros porque, conforme ensina S. Pedro, “nenhuma profecia das Escrituras é de interpretação pessoal” (I Ped 1, 20).  

O perigo de entregar as Sagradas Escrituras para livre interpretação foi o grande desastre que gerou as milhares de interpretações que deram origem as mais variadas seitas e as mais absurdas doutrinas, pois se não há uma interpretação objetiva, qualquer um pode  tirar sua própria interpretação da mesma verdade.

O próprio Lutero reconheceu o desastroso fim da Sola Scriptura, por ele mesmo enunciado, ao afirmar: 
“Há tantas seitas e convicções quanto há cabeças. Este aqui não admite o batismo; aquele outro rejeita o sacramento do altar; aquele ali acredita em um mundo entre o presente e o dia do julgamento; alguns ensinam que Jesus não é Deus. E não há ninguém, - por mais bizarro que pareça - que não se diga inspirado pelo Espírito Santo” (LUTERO, Martinho. An Meine Kritiker). 

E estas tantas divisões entram em flagrante contradição com a própria Escritura que diz que  “há um só Senhor, uma só fé e um só batismo” (Ef 4, 5), e deste aglomerado de seitas protestantes, nascidas do caos da Sola Scriptura, há milhares de "batismos"; milhares de “Senhores” e milhares de “fé”, que se coadunam num único ponto em comum, o ódio irracional à Igreja de Cristo. Ora, se há uma só fé, como está fé pode estar dividida em tantas interpretações diferentes? 

E quem poderá interpretá-la corretamente? 

Ninguém melhor do que sua organizadora; que a guardou fielmente ao longo dos séculos e a trasmitiu a humanidade para interpretá-la, ou seja, Igreja Católica, “coluna e sustentáculo da verdade” (I Tim 3, 15). 

Da mesma forma que quem escreveu, escreveu divinamente inspirado, quem a definiu como inspirada, também agiu divinamente inspirada.

Sentido das Escrituras (Literal e Espiritual)

Ao enveredarmos no estudo das Escrituras, podemos distinguir dois sentidos fundamentais dentro dela: o sentido Literal e o sentido Espiritual. 
Estes dois sentidos fundamentais para a interpretação, vem sendo questionado por uma teologia moderna, que quer esvaziar toda a religião de seu caráter místico, mas não iremos nos ocupar com estas correntes modernas e agnósticas, iremos nos ocupar com o ensinamento perene e infalível da Igreja.

O sentido literal, podemos dizer que é o sentido fundamental por excelência nas Sagradas Escrituras, como ensina o aquinate: “omnes sensus fundatur super litteralem” – todos os sentidos (das Escrituras) devem estar fundados sobre o literal. 

Dentro do sentido literal podemos encontrar outros sentidos, como o sentido típico, que é matéria de estudo da Tipologia. 

É dever da Tipologia descobrir prefigurações do Novo Testamento no Antigo, pois conforme ensina Sto Agostinho, o “Novo Testamento está oculto no Antigo, e o Antigo está patente no novo” (Quest. In Hept. 2, 73). O tipo, é o elemento que conduz ao sentido espiritual, ou ao antítipo. 

Por exemplo, o cordeiro pascal do Antigo Testamento, é um antítipo de Cristo, o verdadeiro cordeiro pascal que se imola pela humanidade. 

Dentro do texto sagrado, especificamente no sentido literal, também encontramos acomodações, ou seja, passagens de um livro que se acomodam a outra realidade  descrita no mesmo livro, como prefiguração de fatos futuros. E estas acomodações podem ser: extensiva ou alusiva. 

Exemplo de acomodação alusiva é o que acontece na paixão do Senhor em que se pode aplicar o trecho do salmo: “todos os que me vem, escarnecem de mim’’ (Sal 21, 8). Ou também em João, quando o precursor do messias se aplica a passagem de Isaias: “eu sou a voz do que clama no deserto” (Jo 1, 23).

Já a acomodação alusiva, é a que faz S. Pedro quando usa um texto do Gênesis e o estende: “livrou o justo Ló oprimido pelas injurias e pelo viver luxurioso desses infames, porque era justo de vista e de ouvido” (II Ped 2, 7-8). Percebe-se que o apostolo diz um pouco mais sobre a passagem do Gênesis. Estes são alguns elementos que podemos encontrar dentro do sentido literal. 

Já o Sentido Espiritual comporta em si três outros sentidos: o sentido alegórico, moral e anagógico, que foram tão bem resumidos no famoso dístico medieval: 

“littera gesta docet, 

quid credas alegoria, 

moralis quid agas, 

quo tendas anagogia’’.

– a letra ensina o que aconteceu, 

a alegoria o que deves crer, 

a moral o que deves fazer, 

a anagogia para onde deves tender. 

Outro aspecto que não pode ser ignorado no estudo das Sagradas Escrituras, são o duplo elemento que se que se uniram na sua composição: o elemento humano e divino. 

Fazem parte do elemento humano: a língua, o estilo, os gêneros literários, o contexto histórico etc...  Já os elementos divinos são os sentidos que vão além da letra. Ou seja, há um sentido que transcende o texto, por isso, há um grande perigo na interpretação pessoal, porque a palavra de Deus não se apresenta na simples literalidade do texto, mas, vai além. 

Há também os variados estilos literários que permeiam cada livro; as tantas figuras de linguagem, e os três tipos de palavras que geralmente se ocultam sobre uma só palavra. Já que uma palavra pode possuir três sentidos: um sentido unívoco, equivoco e análogo.

Mas acima de todos estes aspectos hermeneuticos, literários e humanos, há um acontecimento imprescindível, para a compreensão deste Livro: A encarnação do verbo. Em Cristo o véu do mistério se rasga e n'Ele as Escrituras encotram seu pleno sentido.

O encontro com o Divino Mestre, como aconteceu com os discípulos de Emaús, que lhes explica as Escrituras, é determinante para compreender estas sagradas letras.

Quem não conheceu a Cristo não pode compreender as Escrituras, pois as escrituras dão testemunho de Cristo. “Examinais as Escrituras porque julgais ter nelas a vida eterna: e elas são que dão testemunho de mim” (Jo 5, 39). As escrituras dão testemunha de Cristo. 
E não podem ser compreendidas fora d'Ele.

A Sagrada Escritura exige sempre quem a explique. Como poderei entender, se não houver quem mo explique? (At 8, 31), a dúvida sincera do eunuco da rainha de Candace, é a duvida que naturalmente acomete a todos que tem contado com as sagradas letras; pois além de ser um livro profundíssimo, não foi escrito no século XXI, ou em português, mas foi escrito a mais de dois mil anos, conservado diligentemente pela Igreja, que desde seus primeiros séculos se ocupa em interpretá-lo, guiado pelo Espírito Santo prometido por Nosso Senhor que viria e revelaria toda a verdade.

A Bíblia e a Igreja

Na epigrafe do artigo, encontra-se a frase de Sto Agostinho, que viveu da metade do século quinto ao inicio do século sexto, aproximadamente mil anos antes de Lutero. 

Sto Agostinho afirma que não creria nos Evangelhos se a isto não o levasse a autoridade infalível da Igreja Católica. 
Ora, Sto Agostinho reconheceu que só teve conhecimento das verdades do evangelho porque a Igreja o ensinou. Afirmar que não recebemos a bíblia da Igreja, é conferir ares inexplicáveis ao acesso do homem aos textos sagrados. Poder-se-ia afirmar que ela caiu do céu. 
Em suma, não foi a Igreja que recebeu a Bíblia dos protestantes, mas os protestantes que a receberam da Igreja... Lutero, o pai do protestantismo, veio da Igreja, não foi a Igreja que veio de Lutero; quando Lutero apareceu no mundo, há séculos, a Igreja já estava no mundo, e a Bíblia já estava definida.

Foi à Igreja que Cristo disse: “ide e ensinai a todos os povos”. 

Desde os primeiros séculos os santos padres afirmavam esta verdade: “a verdadeira sabedoria é a doutrina dos apóstolos, que tem chegado até nós pela sucessão dos bispos, que ao transmitir-nos o conhecimento completo das Escrituras, conservado sem alteração” (cf. Sto Irineu de Lião. Adv. Haer. IVc. 33 n. 8). 

O próprio Lutero em um momento de lucidez afirmou: “Quanto a Sagrada Escritura e o púlpito, nos veio dos papistas que os tomamos para nós; sem os papista, que saberíamos nós?” (ed. De Wirt, 1551, t, IV, p. 2276 ). 

Ora, quem ensinou a Lutero que aqueles livros que fazem parte da bíblia foram inspirados senão a Igreja? Se a Igreja está errada, então também estão errados os livros por ela definidos. 

Lembremos que no inicio do cristianismo não está um livro, mas uma pessoa: Jesus Cristo. E o próprio Cristo jamais mandou a seus apóstolos escreverem nada; em nenhum momento lhes entregou Bíblias, mas pediu que ensinassem a todos os povos tudo o que tinha ensinado, e na Bíblia não está tudo o que Cristo ensinou. 

No epilogo do Evangelho de João há este esclarecedor trecho: "Fez Jesus na presença de seus discípulos muitos outros prodígios que não foram escritos neste livro" (Jo 20, 30). A Bíblia é parte da Revelação Divina... É absurdo pensar que toda a Revelação Divina estaria contida unicamente nas Escrituras. A Bíblia não antecede a verdade. A Bíblia não contem toda a a revelação divina, ela é uma das partes da revelação divina que sem a interpretação infalivel da Igreja, se torna mais objeto de confusão que de esclarecimento.

Concluo com as palavras acertadas do Frei William Most: “Nenhum protestante deveria citar as Sagradas Escrituras, porque eles não possuem meios para saber quais livros são inspirados, a menos, é claro, que queiram aceitar a autoridade da Igreja Católica em relação a esta questão”.


A inclusão desnecessária de músicas protestantes na Liturgia Católica

  Pe. Marcelo Rossi foi um dos maiores responsáveis pela inclusão de músicas protestantes na Igreja Nas últimas décadas, assistiu-se uma inc...