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sábado, 18 de janeiro de 2014

Uma pequena via... Para uma grande santidade


    Em uma esplêndida segunda-feira de outubro, um pequeno traslado conduzia o corpo de uma desconhecida carmelita vitimada aos vinte e quatro anos pela tuberculose. No cortejo iam uns poucos parentes e algumas religiosas.


Ao considerarem os nove anos transcorridos no silêncio claustral da jovem carmelita, as irmãs sentiram um grande desconcerto: “que fatos dignos de figurar na notícia fúnebre?”.
                               

Sta Teresinha com hábito de noviça
                Teresinha vivera uma santidade tão despercebida que olhos superficiais jamais conseguiriam captar a grandeza dos pequenos gestos impregnados de altíssima virtude. Diziam: “esta irmãzinha não fez nada que valha apena ser contado”. Tudo que restava de Teresinha na memória de suas companheiras de claustro era um sorriso afetuoso, e pouco mais do que isso. Mas na verdade, por trás daquele sorriso escondia-se um martírio silencioso, uma santidade exuberante vivida no dia-a-dia; em cada segundo; em cada suspiro; em cada pensamento; um coração abrasado de amor que os olhos não podiam ver.  

                     Para surpresa geral, alguns anos depois de sua morte, a humilde carmelita era enaltecida por S. Pio X como "a maior santa dos tempos modernos", e vinte e cinco anos mais tarde, em esplendorosa cerimonia na basílica de São Pedro, Teresinha era elevada aos altares. Daí por diante, a irradiação da humilde carmelita só fez crescer no orbe católico. Fora proclamada junto com S. Francisco Xavier, padroeira das missões, e em 1997, doutora da Igreja.


Canonizaçâo de Sta Teresinha na
Basílica de São Pedro


   Quanta glória alcançou a humilde carmelita que no dia de sua morte, não encontravam nenhum fato digno de figurar na notícia fúnebre.


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             A jornada espiritual de Teresinha inicia-se a partir do que ela chamara "a noite de sua conversão", quando abandonando os ressaibos de uma infância que se prolongava além de suas fronteiras, iniciava uma "caminhada de gigante" que iria culminar em uma nova forma de infância, sem melindres e birras, aquela infância que Nosso Senhor pediu no Evangelho a todos que queiram alcançar o reino do céu:
"...Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no reino dos céus”  (Mat 18, 2)."
   
    Desejosa da perfeição desde a mais tenra idade, sofria indizivelmente com sua impotência em alcançá-la!  

     “Sempre quis ser santa, mas quando me comparava com os santos, constatava haver, entre eles e eu, a mesma diferença que há entre o obscuro grão de areia pisado pelos transeuntes, e as altas montanhas cujos cimos se perdem no céu”.
 (Man. C  3).

    Teresinha queria trilhar os passos dos grandes santos, mas não encontrava em si, senão a pequenez de uma criança:
    “Sinto em mim outras vocações, a de um guerreiro, a de sacerdote, a de apóstolo, a de doutor, a o mártir; enfim, sinto a necessidade, o desejo de realizar para ti, Ó Jesus, as mais heróicas obras”.
 (Man. B 2).

    Mas a íngreme escada da perfeição a trilhar lhe abarrotava os ânimos: “De quantas mortificações era feita; de quantas virtudes?” Teresinha era uma “débil ave”, como se auto intitulava, e como uma débil ave poderia alcançar as sublimes alturas das grandiosas águias? Talvez Teresinha fosse uma débil ave, mas certamente tinha olhos e coração de destemida águia! E assim, pouco a pouco, empoleirada nas costas das grandiosas águias da Igreja (os grandes santos) foi desvendando os sublimes mistérios das alturas. Assim descobriu “novas luzes, e significados ocultos e misteriosos” (Man. A 83). Descobriu que se as grandes águias alcançam as majestosas alturas, não a fazem somente por suas forças, mas por seus corações que foram feitos para desbravar o infinito. E em seu peito --- Teresinha sabia --- havia o coração magnânimo de uma grande águia a palpitar.

    E descobriu que era o amor esta magnifica força misteriosa que impelia as grandes águias a  aventurar-se nas mais extremas alturas... Sim, Teresinha trazia “olhos e  o coração” de grande águia, mas escondidos na pequenez de uma avezinha. E com estes olhos e este coração, contemplaria as sublimes alturas.  

   Teresinha já não desanimava com sua pequenez e impotência; havia enfim encontrado repouso... Havia encontrado no âmago de seu ser uma nova visão do caminho:

“Enfim tinha encontrado repouso (...) compreendi que a Igreja tinha um coração, e que este coração arde de amor... compreendi que é o amor que leva os membros da Igreja a agir e que se, o amor viesse a se extinguir, os apóstolos não anunciariam mais o evangelho, os mártires se negariam a derramar seu sangue... compreendi que o amor abrangia todas as vocações, que o amor era tudo, que abrangia todos os tempos e lugares (...) então na minha alegria delirante exclamei: Ó Jesus, meu amor, enfim encontrei a minha vocação, é o amor!... sim, achei meu lugar na igreja, e este lugar ó meu Deus fostes vós que me destes...no coração da Igreja – minha mãe – serei tudo, serei o amor”.
 (Man. B 3).

    Por isso, a doutrina de Teresinha, é dignamente chamada de “divini amoris scientia” – ciência do amor divino.

  A ciência divina que emana de seus escritos nos revelam uma sabedoria sobrenatural, fruto de uma singular união esponsal com  coração de Jesus. Seu estilo é simples... Mas  inefavelmente belo e profundo.

   Aventurando-se nas sublimidades da ciência do amor, Teresinha, compreendeu que para ser grande não precisava realizar obras retumbantes e estupendas que impactassem o mundo, mas realizar obras impregnadas de grande amor, - mesmo que estas permanecessem na surdina, longe da admiração dos homens.
    Certamente estas obras fariam sorrir mais o bom Deus, que  escolheu o silêncio para realizar suas grandes obras. Assim foi com a silenciosa encarnação do verbo no seio da Virgem; sua infância e juventude silenciosa em Nazaré, e sua silenciosa ressurreição. Enfim, compreendeu Teresinha que o essencial não era fazer muito, mas amar muito, porque “nada é pequeno onde o amor é grande”.

Um dos lugares onde Teresinha pode contemplar sua pequena via fora no cotidiano da sagrada família de Nazaré, escrevia ela em sua "novissima verba":
“O que me agrada na vida da sagrada família, é de imaginá-la numa vida toda comum. Não tudo aquilo que nos contam, ou tudo aquilo que supomos. Por exemplo, contam que o menino Jesus depois de ter petrificado os pássaros da terra, assoprava sobre eles para lhes dar vida. Ah! De modo algum! O pequeno Jesus não fazia milagres inúteis deste tipo, mesmo que fossem para agradar sua mãe (...) tudo na vida deles ocorria como na nossa. Quantas penas, quantas decepções! Quantas vezes criticavam o bom São José! Quantas vezes recusamos pagar-lhe seus trabalhos! Quanto nos espantaria ao saber tudo quanto ele sofreu! (Novissima verba, 20 de agosto de 1897).

    A encontrou também no silencio do claustro com as flores diárias de pequenos sacrifícios cultivado com puro amor. Sofrer e amar, era o resumo desta via.
“Um dia no carmelo sem sofrimento, é um dia perdido.”  

O sofrimento é de fato o grande tesouro desta via! 
“O sofrimento, dizia Teresinha, é o nosso ganha-pão, e de tal modo é precioso que Jesus desceu a terra para possuí-lo!”. 

Em suas memorias, escreveu:
“O martírio, eis o sonho da minha juventude”. Teresinha sonhava com a palma do martírio, mas logo compreendeu que esta pequena via que agora trilhava, era um martírio diário sem derramamento de sangue.  Não precisava ser flagelada e crucificada como seu esposo adorado para lhe dar grandes provas de amor, ou murmurar o seu Santíssimo  nome na fogueira como Joana D´arc; podia oferecer o martírio diariamente ante tantas ocasiões que dir-se-iam: “insuportáveis”.

    Em coisas simples, Teresinha desprendia raios de heróica virtude. Eis mais um fato contado pela santa:
  "Encontra-se na, comunidade uma irmã que tem o dom de me desagradar em tudo, suas maneiras, suas palavras, seu caráter eram-me  muito desagradáveis, porém é uma santa religiosa que deve ser muito agradável a Deus. Não querendo entregar-me à antipatia  natural que sentia por ela, disse para mim mesma que a caridade não deveria assentar-se nos sentimentos, mas nas obras. Então apliquei-me em fazer por esta irmã o que faria  pela pessoa que mais amo. Cada vez que a encontrava, rezava por ela, oferecendo a Deus todas as suas virtudes e méritos. Sentia que isso agradava a Jesus, pois não há artista que não goste de receber elogios por sua obra, e Jesus, o artista das almas fica feliz quando, em vez de olharmos apenas o exterior, entramos no santuário intimo que ele escolheu para morar e admiramos sua beleza. Não me restringia a rezar muito pela irmã que me levava a tantos combates, procurava prestar-lhe todos os serviços possíveis. Quando sentia-me tentada a responder-lhe de modo desagradável, contentava-me em  lhe dar meu mais agradável sorriso e procurava desviar a conversa, pois diz a imitação que é melhor deixar cada um no seu sentimento que entregar-se a contestação. Muitas vezes também, quando não estava no recreio (quero dizer, durante as horas de trabalho), tendo algum relacionamento de serviço com essa irmã, quando os combates se faziam violentos demais, fugia como desertora. Como ela ignorava completamente o que eu sentia por ela, nunca suspeitou os motivos do meu comportamento e estava persuadida de que o caráter dela me agradava. Um dia, no recreio, disse-me, aproximadamente as seguintes palavras com ar contentíssimo: “aceitarias dizer-me, irmã Teresa do Menino Jesus, o que tanto vos atrai em mim?” Pois cada vez que me olhais, vejo-vos sorrir! - Ah! O que me atraía era Jesus oculto no fundo da alma dela... Jesus que torna suave o que é amargo... Respondi que “sorria por estar contente em vê-la”  (obviamente não acrescentei que era do ponto de vista espiritual) (Man. C 14).

Nestes pequenos gestos, Teresinha abraçava o seu martírio. E já que as grandes obras não se medem pela grandeza do ato, mas pela grandeza do amor com que é feita, logo, estes pequenos gestos poderiam ser postos lado a lado, com os estupendos martírios de tantos confessores da fé...  Conforme ensina São Luís de Montfort em seu "Tratado da Verdadeira Devoção: “A Virgem Santíssima agradou tanto a Deus com seus humildes trabalhos na pequena casa de Nazaré, quanto um São Lourenço estendido na grelha, por amor de Cristo”. Ambos agiram por amor de Cristo, mas quem poderá dizer quem amou mais?

Em outra ocasião nos narra Teresinha outra bela vitória sobre seu amor-próprio:

“Estava na lavanderia diante de uma irmã que me jogava água suja no rosto toda vez que levantava a roupa suja na tábua de bater. Meu primeiro movimento foi de recuar enxugando o rosto, a fim de mostrar à irmã que me aspergia que me prestaria serviço ficando quieta. Mas, pensei logo, que seria tolice recusar tesouros oferecidos tão generosamente. Evitei demonstrar minha luta. Esforcei-me por desejar receber muita água suja, de sorte que, no final passara a gostar desse novo gênero de aspersão e prometi a mim mesma voltar a este feliz  lugar onde se recebiam tantos tesouros.”

    Se Teresinha sentia na alma arder a chama sagrada de tantas vocações, “e o bom Deus nunca inspira desejos irrealizáveis”, Teresinha viveu todas as vocações no silêncio do claustro, com a insondável potencia do amor. Pois o amor era o coração da Igreja, era o sangue  que corria em suas veias, e que impulsionava todos os membros a agir. E que sem amor, a Igreja parava. 
Teresinha encontrou no amor a forma de ser tudo no corpo místico da Igreja, seria mártir, apóstolo, sacerdote, profeta, doutor... Pois é o amor que move as grandes vocações. Com razão a chama, a Santa Igreja de “Doctor Amoris” (Doutor do amor).  

     Sua pequena via, é a via do amor. Pois, conforme ensina o doctor mysticus (São João da Cruz): “o mais leve movimento de uma alma animada de puro amor, é mais proveitoso à Igreja  do que todas as demais obras reunidas ". (cf. Cântico Espiritual, Canção XXIX, 1)

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Teresinha trazia um amor extraordinário pela Igreja. Certa ocasião chegou a escrever o “credo” com o próprio sangue. “Sinto em mim a coragem de um cruzado...  E com que amor iria à guerra para  morrer em defesa da Igreja” (Man. B 2). Este amor pela Igreja, já era patente desde a mais tenra idade, quando muito pequena aprendera o catecismo palavra por palavra (Man. A,  37 ).

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     Com a saúde já debilitada, Teresinha costumava subir acabrunhada  longas escadas, oferecendo naqueles penosos passos, sacrifícios pelas almas, especialmente por aquelas que seriam conquistadas pelo labor de tantos missionários espalhados pelo mundo. Seu ardente amor pelas almas, expresso com tanta singeleza na sua intercessão abrasada pela salvação de todos (Man. C  34 - 35). Mostram-nos uma caridade heroica que ainda muito pequena já desprendia grandes fachos de luz. 

  Na infância, por acaso, ficara sabendo de um criminoso que seria executado por crimes hediondos. Teresinha então, ardeu de compaixão por aquela pobre alma que logo iria enfrentar a cólera divina. Sua angústia tornou-se maior quando soube que o criminoso havia se recusado a receber os últimos sacramentos. Seu coração não poupou sacrifícios por aquela alma. “A todo custo queria impedi-lo de cair no inferno” ((Man. A 45-46). Mas consciente de que nada podia sem os méritos infinitos do Bom Deus, pediu à sua irmã que mandasse celebrar uma Missa em sua intenção, sem lhe revelar que na verdade o fazia pela alma de um criminoso. Teresinha muito confiante na Misericórdia Divina, não pediu mais que um sinal. E este veio tão sutilmente, que se não fosse uma alma iluminada não teria percebido. No dia em que o infeliz Pranzine subiria ao cadafalso para ser justiçado, um gesto mudou seu triste fim: “Toma o crucifixo... e o beija três vezes’’ (Man. A 36).
Os lábios de 'meu “primeiro filho' foram colar-se às sagradas chagas! (Man. A 46). Pranzini  tornou-se o primeiro filho espiritual de uma virgem fecundíssima  que se formava.  

  Teresinha então se lançava com todo afinco a sua mais nobre missão, “conquistar muitas almas ao Divino Redentor”. Sábia que Jesus tinha uma sede ardente de almas, e “quanto mais lhe dava de beber, mais crescia em sua alma a sede” (Man. A 46)  

     Galgando a íngreme escada da perfeição, Teresinha chega a sua meta. Em 30 de setembro de 1897,  com os olhos fitos no crucifixo, entre suspiros, repetia emocionadamente o que professara a vida inteira: “oh! Eu o amo! meu Deus eu vos amo!”. E com um leve suspirar, o cândido passarinho alça voo aos braços de seu amado. 

Em uma de suas cartas – dirigida ao Padre Belliére – escrevera: “Não morro, entro para a vida” (Carta 244). E entrou para vida.
   Morria como sempre vivera. Entregara-se ao amor como avezinha impotente, empoleirada nas costas das grandes águias; alcançou as sublimes alturas e de lá deitou os olhos sobre o majestoso sol do amor, e atraiu para si, com seus frágeis gorjeios os fulgurantes raios da misericordia. 
Agora a avezinha de coração altivo ia definitivamente contemplar o majestoso sol do amor no dia eterno, e sobre a terra faria vir uma chuva de rosas.




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