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quinta-feira, 3 de outubro de 2013

As Sagradas Escrituras e sua livre interpretação





"Eu não creria nos Evangelhos
 se a isto não me levasse a crer
 a autoridade da Igreja Católica”.

                                                                                    Sto Agostinho, Contra epistolam Manichaei, 5, 6 I.




 Uma anedota popular nos conta que certo homem em terrível estado de angústia resolveu consultar as Escrituras para encontrar nelas alguma resposta para sua aflição. Abrindo o Livro Sagrado ao acaso, seus olhos repousaram sobre um trecho sinistro do evangelho de São Mateus: “Jogou as moedas no templo, saiu... E foi enforcar-se” (Mat 27, 5). Nada contente com o que lera, resolveu abrir uma segunda vez, a fim de encontrar algo mais confortante. Desta vez, abre no evangelho de São Lucas, onde seus olhos pousam sobre outro trecho intrigante: “Melhor te seria que lhe atassem uma corda em volta do pescoço e fosse lançado ao mar” (Luc 17, 2). Muito insatisfeito, e mais aflito com a solução que as Sagradas Escrituras lhe apontavam, abre uma terceira vez as Escrituras para certificar-se, e encontra um trecho ainda mais direto: “Agora vai, e faze o mesmo” (Luc 10, 37).
Não convencido com o que lhe sugeria o Livro Sagrado, decide abrir uma última vez para confirmar o que de fato Deus, supostamente estava lhe pedindo. Abrindo a última vez, seus olhos recaem sobre o fatídico e inexorável trecho de S. João: “O que queres fazer, faze-o depressa” (Jo 13, 27).

Assim tem se portado o homem moderno, protestantizado, em face das Sagradas Escrituras. Como um cervo sequioso em busca de água pura.
É fácil perder-se neste emaranhado de mistérios, -- que é a Bíblia --, sem uma orientação segura. Na Bíblia há todas as experiências humanas possiveis. Há milênios as palavras deste livro movem corações. Filosofias a precedem e a sucedem, mas ela sempre segue soberana, entre os falsos guias que surgem para o homem. 
Porém, poucos livros foram tão instrumentalizados como este. Quantas seitas não surgiram desde a terrível dissidência de Lutero, empunhando este livro como justificativas de suas incontáveis divisões?

Ensina Sto Agostinho que as Escrituras divinamente inspiradas dizem sempre a verdade, mas a nossa interpretação pode ser errada. Portanto, o ato de entregar uma Bíblia na mão de qualquer um para ler e tirar conclusões para os seus questionamentos, é como diz as próprias Escrituras, “colocar um espinheiro nas mãos de um bêbado” (Prov 26, 7), porque “a glória de Deus está nas palavras ocultas” (Prov 26, 2). 

E onde estas palavras se encontram mais ocultas do que nas Sagradas Escrituras? Como iria se portar um leitor pouco afeito em face de tais mistérios? Como encararia as milhares de passagens obscuras que permeiam as santas letras? Certamente cairia em muitos erros porque, conforme ensina S. Pedro, “nenhuma profecia das Escrituras é de interpretação pessoal” (I Ped 1, 20).  

O perigo de entregar as Sagradas Escrituras para livre interpretação foi o grande desastre que gerou as milhares de interpretações que deram origem as mais variadas seitas e as mais absurdas doutrinas, pois se não há uma interpretação objetiva, qualquer um pode  tirar sua própria interpretação da mesma verdade.

O próprio Lutero reconheceu o desastroso fim da Sola Scriptura, por ele mesmo enunciado, ao afirmar: 
“Há tantas seitas e convicções quanto há cabeças. Este aqui não admite o batismo; aquele outro rejeita o sacramento do altar; aquele ali acredita em um mundo entre o presente e o dia do julgamento; alguns ensinam que Jesus não é Deus. E não há ninguém, - por mais bizarro que pareça - que não se diga inspirado pelo Espírito Santo” (LUTERO, Martinho. An Meine Kritiker). 

E estas tantas divisões entram em flagrante contradição com a própria Escritura que diz que  “há um só Senhor, uma só fé e um só batismo” (Ef 4, 5), e deste aglomerado de seitas protestantes, nascidas do caos da Sola Scriptura, há milhares de "batismos"; milhares de “Senhores” e milhares de “fé”, que se coadunam num único ponto em comum, o ódio irracional à Igreja de Cristo. Ora, se há uma só fé, como está fé pode estar dividida em tantas interpretações diferentes? 

E quem poderá interpretá-la corretamente? 

Ninguém melhor do que sua organizadora; que a guardou fielmente ao longo dos séculos e a trasmitiu a humanidade para interpretá-la, ou seja, Igreja Católica, “coluna e sustentáculo da verdade” (I Tim 3, 15). 

Da mesma forma que quem escreveu, escreveu divinamente inspirado, quem a definiu como inspirada, também agiu divinamente inspirada.

Sentido das Escrituras (Literal e Espiritual)

Ao enveredarmos no estudo das Escrituras, podemos distinguir dois sentidos fundamentais dentro dela: o sentido Literal e o sentido Espiritual. 
Estes dois sentidos fundamentais para a interpretação, vem sendo questionado por uma teologia moderna, que quer esvaziar toda a religião de seu caráter místico, mas não iremos nos ocupar com estas correntes modernas e agnósticas, iremos nos ocupar com o ensinamento perene e infalível da Igreja.

O sentido literal, podemos dizer que é o sentido fundamental por excelência nas Sagradas Escrituras, como ensina o aquinate: “omnes sensus fundatur super litteralem” – todos os sentidos (das Escrituras) devem estar fundados sobre o literal. 

Dentro do sentido literal podemos encontrar outros sentidos, como o sentido típico, que é matéria de estudo da Tipologia. 

É dever da Tipologia descobrir prefigurações do Novo Testamento no Antigo, pois conforme ensina Sto Agostinho, o “Novo Testamento está oculto no Antigo, e o Antigo está patente no novo” (Quest. In Hept. 2, 73). O tipo, é o elemento que conduz ao sentido espiritual, ou ao antítipo. 

Por exemplo, o cordeiro pascal do Antigo Testamento, é um antítipo de Cristo, o verdadeiro cordeiro pascal que se imola pela humanidade. 

Dentro do texto sagrado, especificamente no sentido literal, também encontramos acomodações, ou seja, passagens de um livro que se acomodam a outra realidade  descrita no mesmo livro, como prefiguração de fatos futuros. E estas acomodações podem ser: extensiva ou alusiva. 

Exemplo de acomodação alusiva é o que acontece na paixão do Senhor em que se pode aplicar o trecho do salmo: “todos os que me vem, escarnecem de mim’’ (Sal 21, 8). Ou também em João, quando o precursor do messias se aplica a passagem de Isaias: “eu sou a voz do que clama no deserto” (Jo 1, 23).

Já a acomodação alusiva, é a que faz S. Pedro quando usa um texto do Gênesis e o estende: “livrou o justo Ló oprimido pelas injurias e pelo viver luxurioso desses infames, porque era justo de vista e de ouvido” (II Ped 2, 7-8). Percebe-se que o apostolo diz um pouco mais sobre a passagem do Gênesis. Estes são alguns elementos que podemos encontrar dentro do sentido literal. 

Já o Sentido Espiritual comporta em si três outros sentidos: o sentido alegórico, moral e anagógico, que foram tão bem resumidos no famoso dístico medieval: 

“littera gesta docet, 

quid credas alegoria, 

moralis quid agas, 

quo tendas anagogia’’.

– a letra ensina o que aconteceu, 

a alegoria o que deves crer, 

a moral o que deves fazer, 

a anagogia para onde deves tender. 

Outro aspecto que não pode ser ignorado no estudo das Sagradas Escrituras, são o duplo elemento que se que se uniram na sua composição: o elemento humano e divino. 

Fazem parte do elemento humano: a língua, o estilo, os gêneros literários, o contexto histórico etc...  Já os elementos divinos são os sentidos que vão além da letra. Ou seja, há um sentido que transcende o texto, por isso, há um grande perigo na interpretação pessoal, porque a palavra de Deus não se apresenta na simples literalidade do texto, mas, vai além. 

Há também os variados estilos literários que permeiam cada livro; as tantas figuras de linguagem, e os três tipos de palavras que geralmente se ocultam sobre uma só palavra. Já que uma palavra pode possuir três sentidos: um sentido unívoco, equivoco e análogo.

Mas acima de todos estes aspectos hermeneuticos, literários e humanos, há um acontecimento imprescindível, para a compreensão deste Livro: A encarnação do verbo. Em Cristo o véu do mistério se rasga e n'Ele as Escrituras encotram seu pleno sentido.

O encontro com o Divino Mestre, como aconteceu com os discípulos de Emaús, que lhes explica as Escrituras, é determinante para compreender estas sagradas letras.

Quem não conheceu a Cristo não pode compreender as Escrituras, pois as escrituras dão testemunho de Cristo. “Examinais as Escrituras porque julgais ter nelas a vida eterna: e elas são que dão testemunho de mim” (Jo 5, 39). As escrituras dão testemunha de Cristo. 
E não podem ser compreendidas fora d'Ele.

A Sagrada Escritura exige sempre quem a explique. Como poderei entender, se não houver quem mo explique? (At 8, 31), a dúvida sincera do eunuco da rainha de Candace, é a duvida que naturalmente acomete a todos que tem contado com as sagradas letras; pois além de ser um livro profundíssimo, não foi escrito no século XXI, ou em português, mas foi escrito a mais de dois mil anos, conservado diligentemente pela Igreja, que desde seus primeiros séculos se ocupa em interpretá-lo, guiado pelo Espírito Santo prometido por Nosso Senhor que viria e revelaria toda a verdade.

A Bíblia e a Igreja

Na epigrafe do artigo, encontra-se a frase de Sto Agostinho, que viveu da metade do século quinto ao inicio do século sexto, aproximadamente mil anos antes de Lutero. 

Sto Agostinho afirma que não creria nos Evangelhos se a isto não o levasse a autoridade infalível da Igreja Católica. 
Ora, Sto Agostinho reconheceu que só teve conhecimento das verdades do evangelho porque a Igreja o ensinou. Afirmar que não recebemos a bíblia da Igreja, é conferir ares inexplicáveis ao acesso do homem aos textos sagrados. Poder-se-ia afirmar que ela caiu do céu. 
Em suma, não foi a Igreja que recebeu a Bíblia dos protestantes, mas os protestantes que a receberam da Igreja... Lutero, o pai do protestantismo, veio da Igreja, não foi a Igreja que veio de Lutero; quando Lutero apareceu no mundo, há séculos, a Igreja já estava no mundo, e a Bíblia já estava definida.

Foi à Igreja que Cristo disse: “ide e ensinai a todos os povos”. 

Desde os primeiros séculos os santos padres afirmavam esta verdade: “a verdadeira sabedoria é a doutrina dos apóstolos, que tem chegado até nós pela sucessão dos bispos, que ao transmitir-nos o conhecimento completo das Escrituras, conservado sem alteração” (cf. Sto Irineu de Lião. Adv. Haer. IVc. 33 n. 8). 

O próprio Lutero em um momento de lucidez afirmou: “Quanto a Sagrada Escritura e o púlpito, nos veio dos papistas que os tomamos para nós; sem os papista, que saberíamos nós?” (ed. De Wirt, 1551, t, IV, p. 2276 ). 

Ora, quem ensinou a Lutero que aqueles livros que fazem parte da bíblia foram inspirados senão a Igreja? Se a Igreja está errada, então também estão errados os livros por ela definidos. 

Lembremos que no inicio do cristianismo não está um livro, mas uma pessoa: Jesus Cristo. E o próprio Cristo jamais mandou a seus apóstolos escreverem nada; em nenhum momento lhes entregou Bíblias, mas pediu que ensinassem a todos os povos tudo o que tinha ensinado, e na Bíblia não está tudo o que Cristo ensinou. 

No epilogo do Evangelho de João há este esclarecedor trecho: "Fez Jesus na presença de seus discípulos muitos outros prodígios que não foram escritos neste livro" (Jo 20, 30). A Bíblia é parte da Revelação Divina... É absurdo pensar que toda a Revelação Divina estaria contida unicamente nas Escrituras. A Bíblia não antecede a verdade. A Bíblia não contem toda a a revelação divina, ela é uma das partes da revelação divina que sem a interpretação infalivel da Igreja, se torna mais objeto de confusão que de esclarecimento.

Concluo com as palavras acertadas do Frei William Most: “Nenhum protestante deveria citar as Sagradas Escrituras, porque eles não possuem meios para saber quais livros são inspirados, a menos, é claro, que queiram aceitar a autoridade da Igreja Católica em relação a esta questão”.


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