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domingo, 5 de abril de 2020

Jejum Dominical? Qual a orientação da Igreja?






       Um grande reboliço se formou sobre a licitude do jejum e da penitência no Domingo, após a convocação nacional para esta pratica num Domingo de Ramos. O jejum, conforme observa Sto Tomás, é ordenado por dois motivos: “Delir a culpa e elevar a mente às coisas espirituais” (Suma Teológica, II-II, Q. 147, Art. 5) E neste sentido, podemos dizer que o chamado à pratica por parte de nossas autoridades é extremamente louvável, especialmente em tempos tão tormentosos como estes que ora atravessamos. No entanto, a data escolhida não foi a mais adequada (Domingo de Ramos). Cabe ainda ressaltar que o presidente, a quem é imputado a origem da convocação, não indicara o domingo como o dia para o ato; sua intenção fora a de propor um dia de abstinência para “gente ficar livre desse mal o mais rápido possível” (referindo-se ao coronavírus), conforme suas palavras. A indicação do domingo partiu de parlamentares e líderes pentecostais e, rapidamente ganhou repercussão.

No entanto, sabemos que faz parte da tradição da Igreja abster-se de jejum e penitência em dias de solenidade e aos Domingos, onde o maior jubilo da cristandade é celebrado. E essa percepção remonta aos primeiros séculos do cristianismo. 

O Sínodo de Gangra, ocorrido em 340, terceiro século da era cristã, condenava de forma enfática a prática do jejum e da penitência no domingo: “Se alguém sob pretensão de ascetismo, jejuar no domingo, seja anátema” (Canon XVIII). Evidentemente, a condenação não ficara desprovida de grandes controvérsias, que inclusive saltaram daquele tempo para nossas redes sociais em defesa da convocação. Santo Agostinho, que inclusive é citado em defesa do Jejum no Domingo, afirmou um século depois do supracitado concílio: “Omitem-se os jejuns e reza-se de pé como sinal da ressurreição; também por isso se canta todos os domingos o aleluia”. (Epistula 55, 28). E o mesmo santo, nos deixara ainda esta frase mais enfática sobre o assunto: “Jejuar em dia de domingo é grande escandá-lo” (Carta a Casulano, 36, 27. 396)
E tais controversias tiveram lugar em uma época em que a Igreja combatia diversas heresias, entre as quais, o marcionismo, cerdonismo, priscilianismo e o maniqueismo, que tinham por hábito jejuar aos domingos, exigindo leis enérgicas, como a que fora promulgada em um cânon do Concílio de Braga (561-563) onde se dizia: “Se alguém não venera de verdade o dia do nascimento de Cristo segundo a carne, mas finge venerá-lo, jejuando nesse dia e no domingo, porque não crê que Cristo tenha nascido da verdadeira natureza do homem, como o disseram Cerdon, Marcião, Maniqueu e Prisciliano, seja anátema” (Papa Julio III, I Sínodo de Braga, 1 de maio de 561)
Houve algumas mitigações com o tempo, mas a compreensão da matéria sempre foi a mesma, sendo posteriormente consagrada no velho Código de Direito Canônico (1917) –– substituído em 1983 com a promulgação do novo código por João Paulo II ––, no seguinte Cânon: “Aos Domingos e dias de preceito (exceto dias de preceito durante a Quaresma), as leis do jejum e da abstinência não se vinculam” (Can. 1252, § 4) O que todavia, o novo Código, embora tenha suprimido, nos deixou indícios de que esta compreensão permanece, conforme nos indica João Paulo II em sua encíclica Dies Domini: "Historicamente, ainda antes de ser vivido como dia de repouso aliás não previsto então no calendário civil — os cristãos viveram o dia semanal do Senhor ressuscitado sobretudo como dia de alegria. “Que todos estejam alegres, no primeiro dia da semana”: lê-se na Didascália dos Apóstolos (100). A manifestação da alegria era visível também no uso litúrgico, mediante a escolha de gestos apropriados (101).  

Sto. Agostinho, fazendo-se intérprete da consciência geral da Igreja, põe em evidência tal caráter da Páscoa semanal: “Omitem-se os jejuns e reza-se de pé como sinal da ressurreição; também por isso se canta todos os domingos o aleluia.” (nº 55)

E por que não se deve jejuar no domingo? 

Conforme fora dito na referida citação, o domingo é o dia da alegria da ressurreição e da vida, o dia em que os dissabores de uma vida de penitência costumam ser mitigados, com espaço para raras exceções, como as impostas pela própria graça sobrenatural aos santos penitentes que viveram uma vida ininterrupta de penitência.
Por outro lado, os defensores do suposto chamado presidencial, servindo-se de Sto Tomás, e até de Sto Agostinho, costumam mencionar um trecho dos comentários do santo doutor aos Dez Mandamentos, onde se lê: “[no Domingo também] devemos afligir nosso corpo com com jejuns (...) e isto duas vezes mais do que nos outros dias".
Todavia, neste trecho, Sto Tomás refere-se ao que ele chama de “jejum por alegria”, que ele distingue do “jejum por penitência” –– “impróprio dos dias de alegria” (cf. idem) –– conforme está exposto na Suma Teológica (II-II, Q. 14, art. 5), onde o santo doutor afirma: “A Igreja não obriga a nenhum jejum em todo o tempo Pascal, nem nos dias de domingo. E não estaria isento de pecado quem jejuasse em tais dias, contra o costume do povo cristão, que como diz Agostinho, deve ser tido como lei; ou o fizesse por algum erro como o praticam os Maniqueus, que julgam necessário tal jejum. Contudo, o jejum em si mesmo é louvável em todo tempo, conforme o diz Jerônimo: Oxalá pudéssemos jejuar sempre!” (ibidem)

Leve-se em conta também o fato de que, somos obrigados, há algumas horas antes da comunhão eucarística, em conservar uma abstinência temporária de alimentos, que não deve ser interpretada como jejum ou penitência. Mas isso não vem ao caso. O fato é que o Domingo não é dia para jejum e penitência, embora, a Igreja não julga que peca aquele que assim proceda.  


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*A doutrina oficial da Igreja determina como obrigatória o jejum e a abstinência na Quarta-feira de Cinzas e na Sexta-feira santa, a todo indivíduo maior de 18 anos, (sendo facultado a partir dos 14 anos completo) e em plena posse de suas faculdades mentais, derivando daí, a necessidade de se fazer o mesmo nas sextas e quartas do ano, salvo os dias em que solenidades sejam celebradas nestes dias.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

A Devoção Tupiniquim






            Gilberto Freyre, em seu clássico "obrigatório" para o academicismo brasileiro[i], observa que no prelúdio de nosso desenvolvimento social se verificou "uma profunda confraternização de valores e sentimentos" que jamais teria ocorrido se "outro tipo de cristianismo tivesse dominado a formação social do Brasil; um tipo mais clerical, mais ascético, mais ortodoxo; calvinista ou rigidamente católico; diverso da religião doce, doméstica, de relação quase de família entre os santos e os homens, que das capelas patriarcais das casas-grandes, das igrejas sempre em festas -- batizados, casamentos, "festas de bandeiras" de santos, de crismas, novenas -- presidiu o desenvolvimento social brasileiro"[ii]. O colonizador português que ancorou em terras brasileiras não era o mais fervoroso e consciente dos católicos europeus, o que não o faria imune, como diz Freyre, "ao contágio de um misticismo quente, voluptuoso, de que se tem enriquecido a sensibilidade, a imaginação, a religiosidade dos brasileiros". Deste "tipo de cristianismo", híbrido e disforme, que une nas festas populares o sagrado e o profano de forma tão íntima que é difícil, até ao observador mais atento, distinguir onde começa um termina o outro, se perpetuou no padrão de religiosidade que se encontra no Brasil. Um catolicismo que estabelece uma estranha relação com os santos que está muito longe de merecer o honroso título de devoção.

Para esta espécie de "fiel", cada santo tem uma função utilitarista em sua vida, geralmente sem muito vínculo com sua missão real. Sta Luzia, por exemplo, para o católico popular brasileiro, é "a santa que cura os olhos"; S. Brás, "o santo que cura a garganta"; Sta Rita de Cássia, "a santa dos casos impossíveis". Assim o povo vê e se relaciona com os santos e, a este modo de relacionamento, ele chama de "devoção". Uma "devoção" fundada no interesse material (sic) e despida de qualquer interesse no aspecto místico da figura sagrada.
Conversei outra vez com uma dessas senhoras "devotas" que costuma ser presença marcante nas festividades. Ela, de modo muito natural, me falava dos santos de sua devoção (ou devolução?)
Cada santo, a que ela tinha alguma "devoção", lhe tinha prestado algum favor. Sobre Sta Rita de Cássia, ela me dizia que lhe era devota porque lhe havia solucionado alguns problemas conjugais. Disse também que era devota de Sta Luzia porque esta lhe havia "curado uma doença nos olhos", e também era devota de S. Pedro porque lhe havia livrado de um naufrágio.
E esta senhora, voltando-se para mim, me perguntou:
– E tu, meu jovem, não tens nenhum santo de devoção?
Respondi-lhe que sim:
– S. Francisco de Assis!
Ela demonstrando interesse, acrescentou:
– Ah, ele cura a lepra, né?
– Não sei! Mas sei que ele cuidou de muitos leprosos
E continuei: “Também sou devoto de S. Bernardo”.
Ela meio que desapontada, me diz:
– Esse eu não conheço, ele cura o quê?
– Não sei o que ele cura, mas sei que ele amou muito a Deus e lutou muito em defesa da fé.
"Ah...," ela exclamou decepcionada.
Por fim, lhe disse que também era devoto de S. Bento, e ela sem titubear, acrescentou:
– Esse eu conheço, é contra picada de cobra e animais peçonhentos!
***
Um catolicismo postiço e sincrético como o brasileiro constitui-se algum obstáculo ao avanço revolucionário? 
Muito se ouve dizer, a respeito de nosso país que "nosso povo é cristão e certas ideologias não hão de prosperar em seu meio". Mas, os fatos depõe contra isso. As grandes revoluções sempre despontaram em países muito religiosos. Isso porque, a religiosidade de um povo não somente pode ser vencida pelos demagogos revolucionários como pode ser um dos elementos mais explorados por eles. As duas nações, à época, mais religiosas do mundo, a França da era jacobina e a santa Rússia dos Czares, viviam momentos de grande efervescência religiosa quando as duas famosas revoluções estouraram em seus meios. E o que se dizer da Cuba, eivada de catolicismo fruto do ardor missionário de Sto Antônio Maria Claret? Até a época de Fidel, a Cuba era um país de vasta maioria católica. Da mesma forma que o comunismo prosperou em regiões altamente religiosas, nota-se que países com pouca religiosidade sempre foram muito inférteis para revoluções.

Parece-me que a ignorância de um povo mostra-se o verdadeiro fator de crescimento revolucionário em seu meio. O Brasil, apresenta-se como país católico, mas é lamentável o gênero de católico que habita estas terras. Totalmente ignorantes de sua fé e escravos das grandes mídias. E tal ignorância não se restringe aos leigos, atinge também boa parte do clero. 
O que se dizer de tudo isso? Primeiro, que a ação revolucionaria não vai buscar os religiosos conscientes, formados e saturados de apologética... Vai buscar os mais vulneráveis: os humildes, semi-letrados, alvos fáceis para um demagogo com boas promessas. E de fato, são estes que tem sucumbido a ideologia nefasta do comunismo. Não são as regiões mais desenvolvidas do país que tem abraçado as doutrinas vermelhas. 






[i] Casa-Grande&Senzaa
[ii] Gilberto Freyre, Casa-Grande&Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal.51º Ed. São Paulo: Global, 2006, p. 438


A inclusão desnecessária de músicas protestantes na Liturgia Católica

  Pe. Marcelo Rossi foi um dos maiores responsáveis pela inclusão de músicas protestantes na Igreja Nas últimas décadas, assistiu-se uma inc...