Um grande reboliço se formou
sobre a licitude do jejum e da penitência no Domingo, após a convocação nacional para esta pratica num Domingo de Ramos. O jejum, conforme observa Sto
Tomás, é ordenado por dois motivos: “Delir a culpa e elevar a
mente às coisas espirituais” (Suma Teológica, II-II, Q. 147, Art. 5) E neste
sentido, podemos dizer que o chamado à pratica por parte de nossas autoridades é
extremamente louvável, especialmente em tempos tão tormentosos como estes que
ora atravessamos. No entanto, a data escolhida não foi a mais adequada (Domingo de Ramos). Cabe ainda ressaltar que o presidente, a quem é imputado a origem da convocação, não indicara o domingo como o dia para o ato; sua intenção fora a de propor um dia de abstinência para “gente ficar livre desse mal o mais rápido possível” (referindo-se ao coronavírus), conforme suas palavras. A indicação do domingo partiu de parlamentares e líderes pentecostais e, rapidamente ganhou repercussão.
No entanto, sabemos que faz parte da tradição da Igreja abster-se de jejum e penitência em dias de solenidade e aos Domingos, onde o maior jubilo da cristandade é celebrado. E essa percepção remonta aos primeiros séculos do cristianismo.
No entanto, sabemos que faz parte da tradição da Igreja abster-se de jejum e penitência em dias de solenidade e aos Domingos, onde o maior jubilo da cristandade é celebrado. E essa percepção remonta aos primeiros séculos do cristianismo.
O Sínodo de Gangra, ocorrido em 340, terceiro século da era cristã, condenava de forma enfática a prática do jejum e da penitência no domingo: “Se alguém sob pretensão de ascetismo, jejuar no domingo, seja anátema” (Canon XVIII). Evidentemente, a condenação não ficara desprovida de grandes controvérsias, que inclusive saltaram daquele tempo para nossas redes sociais em defesa da convocação. Santo Agostinho, que inclusive é citado em defesa do Jejum no Domingo, afirmou um século depois do supracitado concílio: “Omitem-se os jejuns e reza-se de pé como sinal da ressurreição; também por isso se canta todos os domingos o aleluia”. (Epistula 55, 28). E o mesmo santo, nos deixara ainda esta frase mais enfática sobre o assunto: “Jejuar em dia de domingo é grande escandá-lo” (Carta a Casulano, 36, 27. 396)
E tais controversias tiveram lugar
em uma época em que a Igreja combatia diversas heresias, entre as quais, o
marcionismo, cerdonismo, priscilianismo e o maniqueismo, que tinham por hábito
jejuar aos domingos, exigindo leis enérgicas, como a que fora promulgada em um cânon
do Concílio de Braga (561-563) onde se dizia: “Se alguém não venera de verdade
o dia do nascimento de Cristo segundo a carne, mas finge venerá-lo, jejuando
nesse dia e no domingo, porque não crê que Cristo tenha nascido da verdadeira
natureza do homem, como o disseram Cerdon, Marcião, Maniqueu e Prisciliano,
seja anátema” (Papa Julio III, I Sínodo de Braga, 1 de maio de 561)
Houve algumas mitigações com o
tempo, mas a compreensão da matéria sempre foi a mesma, sendo
posteriormente consagrada no velho Código de Direito Canônico (1917) ––
substituído em 1983 com a promulgação do novo código por João Paulo II ––, no
seguinte Cânon: “Aos Domingos e dias de preceito (exceto dias de preceito
durante a Quaresma), as leis do jejum e da abstinência não se vinculam” (Can. 1252, § 4) O que todavia, o novo Código, embora tenha
suprimido, nos deixou indícios de que esta compreensão permanece, conforme nos indica João Paulo II em sua encíclica Dies Domini: " Historicamente,
ainda antes de ser vivido como dia de repouso aliás não previsto então no
calendário civil — os cristãos viveram o dia semanal do Senhor ressuscitado
sobretudo como dia de alegria. “Que todos estejam alegres, no primeiro dia da
semana”: lê-se na Didascália dos Apóstolos (100). A manifestação da alegria era
visível também no uso litúrgico, mediante a escolha de gestos apropriados
(101).
Sto. Agostinho, fazendo-se intérprete da consciência geral da Igreja, põe em evidência tal caráter da Páscoa semanal: “Omitem-se os jejuns e reza-se de pé
como sinal da ressurreição; também por isso se canta todos os domingos o
aleluia.” (nº 55)
E por que não se deve jejuar no
domingo?
Conforme fora dito na referida citação, o domingo é o dia da alegria da ressurreição e da vida, o dia em que
os dissabores de uma vida de penitência costumam ser mitigados, com espaço para raras
exceções, como as impostas pela própria graça sobrenatural aos santos
penitentes que viveram uma vida ininterrupta de penitência.
Por outro lado, os defensores do
suposto chamado presidencial, servindo-se de Sto Tomás, e até de Sto Agostinho, costumam mencionar um trecho dos comentários do santo doutor aos Dez Mandamentos, onde
se lê: “[no Domingo também] devemos afligir nosso corpo com com jejuns (...) e isto duas vezes mais do que nos outros dias".
Todavia, neste trecho, Sto Tomás
refere-se ao que ele chama de “jejum por alegria”, que ele distingue do “jejum
por penitência” –– “impróprio dos dias de alegria” (cf. idem) –– conforme está exposto na Suma
Teológica (II-II, Q. 14, art. 5), onde o santo doutor afirma: “A Igreja não
obriga a nenhum jejum em todo o tempo Pascal, nem nos dias de domingo. E não
estaria isento de pecado quem jejuasse em tais dias, contra o costume do povo
cristão, que como diz Agostinho, deve ser tido como lei; ou o fizesse por algum
erro como o praticam os Maniqueus, que julgam necessário tal jejum. Contudo, o
jejum em si mesmo é louvável em todo tempo, conforme o diz Jerônimo: Oxalá pudéssemos jejuar sempre!” (ibidem)
Leve-se em conta também o fato de que, somos obrigados, há algumas horas
antes da comunhão eucarística, em conservar uma abstinência temporária de alimentos,
que não deve ser interpretada como jejum ou penitência. Mas isso não vem ao caso. O fato é que o Domingo não é dia para jejum e penitência, embora, a Igreja não julga que peca aquele que assim proceda.
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*A doutrina oficial da Igreja
determina como obrigatória o jejum e a abstinência na Quarta-feira de Cinzas e
na Sexta-feira santa, a todo indivíduo maior de 18 anos, (sendo facultado a
partir dos 14 anos completo) e em plena posse de suas faculdades mentais,
derivando daí, a necessidade de se fazer o mesmo nas sextas e quartas do ano,
salvo os dias em que solenidades sejam celebradas nestes dias.