Por G. K Chesterton Trad: Erick Ferreira |
Um
artigo publicado recentemente em um jornal diário foi dedicado ao Novo Livro
de Orações; sem, no entanto, ter nada de novo para falar sobre ele. Por
isso, ele consistiu principalmente em repetir por novecentas e noventa e nove
milésimas vezes que, o que o inglês comum quer é uma religião sem dogmas (seja
lá o que isso queira dizer); e que as disputas sobre assuntos da Igreja eram
ociosas e estéreis de ambos os lados. Ao lembrar-se repentinamente que essas
equalizações de ambos os lados podem envolver alguma ligeira concessão ou
consideração para o nosso lado, o escritor apressadamente se corrigiu. Então,
passou a sugerir que, embora seja errado ser dogmático, é essencial ser
dogmaticamente Protestante.
Ele
sugeriu, ainda, que o inglês comum (esse caráter útil) estava bastante
convencido, apesar de sua aversão a todas as diferenças religiosas, de que era
vital para a religião continuar divergindo do catolicismo. Ele está convencido
(nos disseram) que “a Grã-Bretanha é tão protestante quanto o mar é salgado”.
Olhando
reverentemente para o profundo protestantismo do sr. Michael Arlen ou do sr.
Noel Coward, ou a mais recente dança de jazz em Mayfair, poderíamos ser
tentados a perguntar: Se o sal perder seu sabor, com que ele será salgado?
Mas, como podemos deduzir corretamente desta passagem que o sr. Lord
Beaverbrook, o Sr. James Douglas e o Sr. Hannen Swaffer, e todos os seus
seguidores, são realmente protestantes severos e inflexíveis (e como sabemos
que os protestantes são famosos pelo estudo detalhado e apaixonado das Sagradas
Escrituras, sem restrições por parte do Papa ou dos sacerdotes), poderíamos até
tomar a liberdade de interpretar o ditado à luz de um texto menos familiar. É
possível que ao comparar o Protestantismo com o sal do mar, eles fossem
assombrados com alguma lembrança de outra passagem, na qual a mesma autoridade
falava de uma fonte única e sagrada de água viva – porque era água vivificante
– que realmente sacia a sede dos homens; enquanto todos os outros poços e
charcos se distinguiam dela pelo fato de que aqueles que deles bebem terão sede
outra vez. É uma coisa que acontece ocasionalmente às pessoas que preferem
beber água salgada.
Essa
talvez seja uma maneira um tanto provocadora para iniciar a declaração de minha
mais forte convicção; mas eu, respeitosamente, alegaria que a provocação veio
do protestante. Quando o protestantismo afirma calmamente que governa todas as
almas no mesmo tom em que a Britânia governa todos os mares, é admissível
replicar que a própria quintessência desse sal pode ser encontrada mais espessa
na estagnação do Mar Morto. Mas é ainda mais admissível replicar que o
protestantismo está reivindicando o que nenhuma religião neste momento pode possivelmente
reivindicar. É calmamente reivindicado a fidelidade de milhões de ateus, pagãos
hedonistas, místicos independentes, investigadores psíquicos, teístas,
teosofistas, seguidores de cultos orientais e alegres companheiros que vivem
como os animais que perecem. Pretender que todos estes sejam protestantes,
acaba por diminuir consideravelmente o prestígio e significado do
protestantismo, o tornando meramente negativo; e o sal não é negativo!
Tomando
isto como um texto e um teste para o problema presente que é a escolha religiosa,
nos encontramos, a princípio, diante de um dilema sobre a religião tradicional
de nossos pais. O protestantismo aqui mencionado é uma coisa negativa ou
positiva! Se o protestantismo é uma coisa positiva, não há dúvida alguma de que
ele está morto. Na medida em que era realmente um conjunto de crenças
espirituais, ele não é mais acreditado. O genuíno credo protestante é, agora,
mal conservado por mais ninguém – menos ainda pelos próprios protestantes. Eles
perderam completamente a fé que eles tinham nele, de modo que, até esqueceram o
que ele foi. Se qualquer homem moderno for interrogado se salvamos nossas almas
unicamente através de nossa teologia, ou se fazer o bem (para os pobres, por
exemplo) nos ajudará no caminho para Deus, ele responderia sem hesitação que as
boas obras são provavelmente mais agradáveis a Deus do que a teologia.
Provavelmente seria uma surpresa para ele saber que, por trezentos anos, a fé
unicamente na fé foi o emblema de um protestante, e a fé nas boas obras o
emblema, um tanto vergonhoso, de um infame papista.
O
inglês comum (para trazer nosso velho amigo aqui mais uma vez) não teria dúvida
alguma sobre os méritos da longa disputa entre o catolicismo e o calvinismo. E
essa foi a discussão mais importante e intelectual entre o catolicismo e o
protestantismo. Se ele acredita em um Deus, ou mesmo que não acredite, ele
certamente preferiria um Deus que fez todos os homens para a alegria, e que
deseja salvar a todos, a um Deus que deliberadamente fez alguns para o pecado
involuntário e para a miséria imortal. Mas essa era a discussão; e era o
católico que conservava a primeira posição e o protestante conservava a
segunda.
O
homem moderno não só não compartilha, nem mesmo compreende, a aversão anormal
dos puritanos a toda arte e beleza em relação à religião. Mas esse era o verdadeiro
protesto do protestante; e as matronas protestantes, de meados da época
vitoriana, ficavam menos chocadas com um vestido branco, e muito menos com uma
vestimenta colorida. Em praticamente todas as questões essenciais sobre as
quais a Reforma realmente colocou Roma no banco dos réus, Roma foi desde
então absolvida pelos jurados do mundo inteiro.
É perfeitamente verdade que podemos
encontrar verdadeiros erros provocando rebelião na Igreja de Roma pouco antes
da Reforma. O que não podemos encontrar é um desses verdadeiros erros que a Reforma
reformou. Por exemplo, era um abuso abominável que a corrupção dos
mosteiros às vezes permitia a um nobre rico desempenhar o papel de patrono e
até mesmo de Abade, ou mesmo se apoderar das receitas que deveriam pertencer a
uma fraternidade de pobreza e caridade. Mas tudo o que a Reforma fez foi
permitir que o mesmo nobre rico se apoderasse de toda a renda; de toda a casa e
a transformasse em um palácio ou em uma pocilga e acabasse com a última lenda
da pobre fraternidade. As piores coisas no catolicismo mundano foram
agravadas pelo protestantismo. Mas as melhores coisas permaneceram de alguma
forma durante a época da corrupção; e elas sobreviveram mesmo na época da reforma.
Elas sobrevivem hoje em dia em todos os países católicos, não só na cor, poesia
e popularidade da religião, mas nas lições mais profundas da psicologia
prática. E elas foram completamente justificadas após o julgamento de quatro
séculos, que cada um deles está agora a ser copiado, mesmo por aqueles que a
condenaram; só que muitas vezes de forma caricaturada.
A
psicanálise é o confessionário sem a salvaguarda do confessionário; o
comunismo é o movimento franciscano sem o equilíbrio moderador da Igreja; e as
seitas americanas, depois de uivar durante três séculos com a teatralidade
papal e o mero apelo aos sentidos, agora “iluminam” as suas liturgias através
de filmes super-teatrais, e raios de luzes rosa-avermelhados que caem sobre a
cabeça do ministro. Se tivéssemos um raio de luz para projetar, não devíamos
projetá-lo sobre o ministro. Em seguida, o protestantismo pode ser uma coisa
negativa. Em outras palavras, pode ser uma lista nova e totalmente diferente de
acusações contra Roma; e apenas em continuidade porque ainda está contra Roma.
Isso é muito amplamente o que é; e isso é presumivelmente o que o DAILY EXPRESS
significou realmente, quando disse que nosso país e nossos compatriotas estão
embebidos no protestantismo como no sal. Em outras palavras, a lenda de que
Roma está errada de qualquer maneira, ainda é uma coisa viva, embora todas as
características do monstro estejam agora
inteiramente alteradas na caricatura. Mesmo isso é
um exagero, como aplicado à Inglaterra de hoje; mas ainda há uma verdade nele.
Somente a verdade, quando verdadeiramente realizada, dificilmente pode ser
muito satisfatória para os protestantes honestos e genuínos. Afinal, que tipo de tradição é essa, que conta uma
história diferente a cada dia ou a cada década, e está contente enquanto todas
as histórias contraditórias são contadas contra um homem ou uma instituição?
Que espécie de causa sagrada é esta herdada de nossos antepassados, na qual,
devemos continuar odiando algo e ser consistentes somente nesse ódio; sendo
inconstante e falso em tudo o mais, mesmo em nossa razão para odiá-lo? Será que
vamos nos estabelecer seriamente para criar um novo conjunto de histórias
contra a maioria dos nossos irmãos cristãos? É esse protestantismo; e vale a
pena compará-lo com o patriotismo ou o mar? De qualquer modo, aquela era a
situação que eu me encontrei enfrentando quando eu comecei a pensar nessas
coisas; filho de um protestante de ascendência pura ou, no sentido comum, vindo
de uma casa protestante. Mas, de fato, minha família, tendo se tornado liberal,
já não era protestante. Fui criado como uma espécie de universalista e unitarista;
aos pés daquele admirável homem, Stopford Brooke. Não foi o Protestantismo
salvo em um sentido muito negativo.
Muitas
vezes era o plano contrário ao protestantismo, mesmo nesse sentido. Por
exemplo, o universalista não acreditava no inferno; e era enfático em
dizer que o céu era um estado de espírito feliz – “um temperamento”. Mas ele
tinha o senso de ver que a maioria dos homens não vive ou morre em um estado de
espírito tão feliz que sozinho os garanta um céu. Se o céu é um temperamento,
certamente não é um temperamento universal; e muitas pessoas passam por esta
vida com um temperamento dos diabos. Se todos estes fossem ter o céu,
unicamente através da felicidade, parecia claro que algo lhes devia acontecer
primeiro. O universalista, portanto, acreditava em um progresso após a
morte, ao mesmo tempo, punição e iluminação.
Em
outras palavras, ele acreditava no Purgatório; embora não acreditasse no
inferno. Certo ou errado, ele obviamente e claramente contradisse o
Protestante, que acreditava no Inferno, mas não no Purgatório. O
protestantismo, em toda a sua história, travou uma guerra incessante contra
essa única ideia de Purgatório ou Progresso além do túmulo. Cheguei a ver, na
visão católica completa, verdades muito mais profundas sobre as três ideias;
verdades relativas à vontade e à criação e ao amor mais glorioso de Deus pela
liberdade. Mas mesmo no início, embora eu não tivesse pensado no catolicismo,
não conseguia ver por que eu deveria ter qualquer preocupação com o
protestantismo; que sempre dissera o oposto do que um liberal já deve dizer.
Encontrei, em palavras simples, que não havia mais nenhuma questão para se apegar
à fé protestante. Era simplesmente uma questão de se eu me agarrar à disputa
protestante. E, para meu enorme espanto, encontrei um grande número de meus
liberais, ansiosos por prosseguir com a disputa protestante, embora já não
tivessem a fé protestante. Não tenho título para julgá-los; mas para mim,
confesso, pareceu-me uma falta de honra bastante feia.
Para
descobrir que você tem difamado alguém sobre alguma coisa, se recusar a pedir
desculpas, e inventar uma outra história mais plausível contra ele, para que
você possa continuar o espírito da calúnia, me pareceu no início uma forma
bastante pobre de se comportar. Resolvi, pelo menos, considerar a instituição
caluniada original em seus méritos próprios e a primeira e mais óbvia questão
foi: “Por que os liberais eram tão anti-liberais? Qual era o significado da
disputa, tão constante e tão inconsistente?” Essa pergunta me levou muito tempo
para responder e agora demoraria muito mais tempo para gravá-la.
Mas
finalmente me levou à única resposta lógica, que cada fato da vida agora
confirma; que o objeto é odiado, como nada é odiado, simplesmente porque é,
– no sentido exato da frase popular –, como nada na terra.
Há
pouco espaço aqui para indicar esta única coisa fora das milhares de coisas
que confirmam o mesmo fato e confirmam os outros. Eu me comprometo a pegar
qualquer tópico ao acaso, da costeleta de porco à pirotecnia, e mostrar que ela
ilustra a verdade da única filosofia verdadeira; tão realista é a observação de
que todos os caminhos levam à Roma. Fora de tudo isso, aqui tenho tomado apenas
um fato; que a coisa é perseguida, época após época, por um ódio irracional que
está perpetuamente mudando sua razão. Agora, de quase todas as heresias
mortas, pode-se dizer que elas não estão apenas mortas, mas condenadas; ou
seja, elas são condenadas ou condenados pelo senso comum, mesmo fora da Igreja,
quando uma vez o humor e a mania delas está ultrapassado.
Ninguém
agora quer ressuscitar o Direito Divino dos Reis que os primeiros anglicanos
lançaram contra o Papa; ninguém agora quer reviver o Calvinismo que os
primeiros puritanos lançaram contra o Rei. Ninguém agora está arrependido que
os Iconoclastas foram impedidos de esmagar todas as esculturas da
Itália. Ninguém agora está arrependido de que os jansenistas não conseguiram
destruir todos os dramas da França. Ninguém, ainda que nada saiba sobre os
albigenses, lamenta que eles não converteram o mundo em pessimismo e perversão.
Ninguém que entenda realmente a lógica dos Lollards (um grupo muito mais
simpático) realmente deseja que eles tivessem conseguido tirar todos os
direitos e privilégios políticos de todos que não estavam em estado de graça.
O
“Império fundado na Graça” era um ideal devoto, mas considerado como um plano
para desconsiderar a polícia irlandesa controlando o trânsito em Piccadilly,
até que tenhamos descoberto se ele confessou recentemente a seu padre irlandês,
está faltando na realidade… Contra os hereges que às vezes eram muito como
loucos.
No
entanto, em cada momento separado, a pressão do erro predominante era muito
forte; o erro exagerado de toda uma geração, como a força da Escola de
Manchester nos anos cinquenta, ou do Socialismo Fabiano como uma moda em minha
própria juventude.
Um
estudo dos casos históricos verdadeiros comumente nos mostra o espírito da
época vai mal, e os católicos pelo menos relativamente seguem para a direita. É
uma mente que sobrevive a cem modos.
Como
eu disse, este é apenas um aspecto; mas foi o primeiro que me afetou e levou
aos outros. Quando um martelo acerta um prego direto na cabeça umas centenas de
vezes, chega um momento em que pensamos que não foi algo completamente
acidental. Mas essas provas históricas não seriam nada sem as provas humanas e
pessoais, que precisariam de uma descrição bastante diferente. Basta dizer que
aqueles que conhecem a prática católica acham não somente correto, mas sempre
correto quando tudo o mais está errado; tornando o confessionário o trono das franquezas onde o mundo lá fora diz
absurdos sobre isso como uma espécie de conspiração; sustentando a humildade
quando todo mundo está louvando o orgulho; acusado de caridade sentimental
quando o mundo está falando de um utilitarismo brutal; carregado de dureza
dogmática quando o mundo está alto e solto com o sentimentalismo vulgar – como
é hoje. No lugar onde as estradas se encontram não há dúvida da convergência.
Um
homem pode pensar todos os tipos de coisas, a maioria delas honestas e muitas
delas verdadeiras, sobre o caminho correto para virar no labirinto em Hampton Court.
Mas ele não pensa que ele está no centro; ele sabe.
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