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sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Giovanni Bugatti, um carrasco a serviço da Igreja


Giovanni Bugatti em seu ato
                     
                    Com as recentes recriminações do Papa Francisco a pena de morte, cabe lembrar que tal postura não foi muito comum entre os papas e os santos dos séculos anteriores: tal postura é característica de dois pontificados dos tempos modernos, o de João Paulo II e Francisco. Até o pontificado de Pio IX, a pena de morte não somente era autorizada pela Igreja, como praticada sob as bênçãos do Papa dentro dos Estados Pontifícios. E neste aspecto "controverso" da História da Igreja, um personagem, pouco mencionado na atualidade, tornou-se símbolo deste período: o executor oficial dos Estados Papais. 
                   Dos que cumpriram exemplarmente essa função, está um piedoso católico, a que se refere os registros, de "hábitos modestos e corteses". Giovanni Battista Bugatti, também chamado mastro titta (oficial de justiça). 

Vestes de ofício de Giovanni Bugatti, Museu Criminológico de Roma

No livro de Edward Feser e Joseph Bessette, intitulado By man shall his blood be shed: a catholic defense of capital punishment (Ignatius Press, 2000) Os autores fazem a seguinte referência a Bugatti: 
“Entre 1796 a 1865, Giovanni Battista Bugatti executou 516 condenados, mais do que 45 por assassinato. Alguns deles foram enforcados, outros guilhotinados e outros decapitados com um machado. No caso de crimes especialmente hediondos, os métodos de execução eram ainda mais severos. Alguns criminosos tiveram suas cabeças esmagadas com um martelo, após suas gargantas haverem sido cortadas; outros eram amarrados e esquartejados.Quem foi Bugatti? Foi o executor oficial dos Estados Papais, que cumpriu seu trabalho como um leal servo do Santo Padre1. De fato [realmente] os papas e a Igreja foram participantes ativos nos processos de execução, que eram altamente ritualizados e realizados com elevada significância espiritual. Na manhã da execução, o Papa recitava uma oração especial pelo condenado. Um sacerdote ouvia a confissão de Bugatti e lhe administrava a Sagrada Comunhão. Nas horas que antecediam a execução, uma ordem especial dos monges atendia as necessidades espirituais do criminoso, incentivando-o a confissão e ao arrependimento enquanto havia tempo e oferecendo-lhe os [últimos] sacramentos. Eles então o conduziam ao local da execução em uma procissão solene. Avisos nas igrejas locais pediam aos fiéis que rezassem por sua alma. Enquanto a sentença era cumprida, os monges apresentavam o crucifixo a vista do condenado para que ele fosse a última coisa que visse antes da morte. Tudo era feito para que o criminoso recebesse sua justa punição e para que a salvação de sua alma fosse garantida."
Seis Papas reinaram durante a carreira de Bugatti: Pio VI, Pio VII, Leão XII, Pio VIII, Gregório XVI, Pio IX, e nenhum deles viu qualquer erro em seu ofício, pelo contrário, após sua aposentadoria, o compensaram com reconhecimentos solenes pelos serviços prestados à Igreja.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A extraordinaria aparição de Nossa Senhora de Guadalupe




Relato do Século XVI

        Num sábado de mil e quinhentos e trinta e um, perto do mês de dezembro, um índio de nome Juan Diego, mal raiava a madrugada, ia do seu povoado a Tlatelolco, para participar do culto divino e escutar os mandamentos de Deus. Já amanhecia, quando chegou ao cerrito chamado Tepeyac e escutou que do alto o chamavam:

- Juanito! Juan Dieguito!

Subiu até o cimo e viu uma senhora de sobre-humana grandeza, cujo vestido brilhava como o sol, e que, com voz muito branda e suave, lhe disse:

- Juanito, menor dos meus filhos, fica sabendo que sou Maria sempre Virgem, Mãe do verdadeiro Deus, por quem vivemos. Desejo muito que se erga aqui um templo para mim, onde mostrarei e prodigalizarei todo o meu amor, compaixão, auxílio e proteção a todos os moradores desta terra e também a outros devotos que me invoquem confiantes. Vai ao Bispo do México e manifesta-lhe o que tanto desejo. Vai e põe nisto todo o teu empenho.

Chegando Juan Diego à presença do Bispo Dom Frei Juan de Zumárraga, frade de São Francisco, este pareceu não dar crédito e respondeu:

- Vem outro dia, e te ouvirei com mais calma.

Juan Diego voltou ao cimo do cerro, onde a Senhora do céu o esperava, e lhe disse:

- Senhora, menorzinha de minhas filhas, minha menina, expus a tua mensagem ao Bispo, mas parece que não acreditou. Assim, rogo-te que encarregues alguém mais importante de levar tua mensagem com mais crédito, porque não passo de um joão-ninguém.

Ela respondeu-lhe:

- Menor dos meus filhos, rogo-te encarecidamente que tornes a procurar o Bispo Amanhã dizendo-lhe que eu própria, Maria sempre Virgem, Mãe de Deus, é que te envio.

Porém no dia seguinte, domingo, o Bispo de novo não lhe deu crédito e disse ser Indispensável algum sinal para poder-se acreditar que era Nossa Senhora mesma que o enviara. E o despediu sem mais aquela.

Segunda-feira, Juan Diego não voltou. Seu tio Juan Bernardino adoecera gravemente e à noite pediu-lhe que fosse a Tlatelolco de madrugada, para chamar um sacerdote que o ouvisse em confissão.

Juan Diego saiu na terça-feira, contornando o cerro e passando pelo outro lado, em direção ao Oriente, para chegar logo à Cidade do México, a fim de que Nossa Senhora não o detivesse. Porém ela veio a seu encontro e lhe disse:

- Ouve e entende bem uma coisa, tu que és o menorzinho dos meus filhos: o que agora te assusta e aflige não é nada. Não se perturbe o teu coração nem te inquiete coisa alguma. Não estou aqui, eu, tua mãe? Não estás sob a minha sombra? Não estás porventura sob a minha proteção? Não te aflija a doença do teu tio. Fica sabendo que ele já sarou. Sobe agora, meu filho, ao cimo do cerro, onde acharás um punhado de flores que deves colher e trazer-mo.

Quando Juan Diego chegou ao cimo, ficou assombrado com a quantidade de belas rosas de Castela que ali haviam brotado em pleno inverno; envolvendo-as em sua manta, levou-as para Nossa Senhora. Ela lhe disse:

- Meu filho, eis a prova, o sinal que apresentarás ao Bispo, para que nele veja a minha vontade. Tu é o meu embaixador, digno de toda a confiança.

Juan Diego pôs-se a caminho, agora contente e confiante em sair-se bem de sua missão. Ao chegar à presença do Bispo, lhe disse:

- Senhor, fiz o que me ordenaste. Nossa senhora consentiu em atender o teu pedido. Despachou-me ao cimo do cerro, para colher ali várias rosas de Castela, trazê-las a ti, entregando-as pessoalmente. Assim o faço, para que reconheças o sinal que pediste e assim cumpras a sua vontade. Ei-las aqui: recebe-as.

Desdobrou em seguida a sua branca manta. À medida em que as várias rosas de Castela espalhavam-se pelo chão desenhava-se no pano e aparecia de repente a preciosa imagem de Maria sempre Virgem, Mãe de Deus, como até hoje se conserva no seu templo de Tepeyac.

A cidade inteira, em tumulto, vinha ver e admirar a sua santa imagem e dirigir-lhe suas preces. Obedecendo à ordem que a própria Nossa Senhora dera ao tio Juan Bernardino, quando devolveu-lhe a saúde, ficou sendo chamada como ela queria: "Santa Maria sempre Virgem de Guadalupe".


     (D. Antonio Valeriano, Nican Mopohua, 12ª edición, Buena Prensa, México, D.F., 1971, p. 3-19.21)

sábado, 10 de novembro de 2018

A Igreja e o Sionismo


Francisco deposita flores no tumulo de Theodore Herzl

             Em 2014, o Papa Francisco esteve em Israel, e na ocasião, gestos de grande valor simbólico marcaram o encontro com os judeus. Em um momento, Francisco beijava as mãos de líderes sionistas, em outro, depositava flores no túmulo do fundador do sionismo moderno, Theodore Herzl.

               Pela primeira vez na história um Pontífice prestava tal homenagem a Herzl, e pela força dos gestos, muitos viram neles um sinal de “aprovação” da Igreja ao sionismo.

Francisco beija as mãos de líderes sionistas

No entanto, há exatos 114 anos, Theodore Herzl teve uma resposta muito diferente da Igreja às suas ideias. Em um encontro que o líder sionista teve com o papa Pio X em busca de apoio para sua luta, Pio X não fora muito complacente com suas propostas, e com palavras duras as rejeitou, como o próprio Herzl descreveu em seu diário:

Theodore Herzl

“Ontem estive com o Papa. O itinerário já era familiar, já que eu o havia refeito com Lippay várias vezes. Passadas a guarda suíça, que pareciam clérigos, e clérigos que pareciam guardas, os secretários e a corte papal. Cheguei 10 minutos mais cedo e sequer tive que esperar. Fui conduzido por numerosas salas até o Papa.
Ele me recebeu de pé, estendendo sua mão, a qual não beijei. Lippay dissera-me que o fizesse, mas não o fiz. Creio desagradei ao Papa por isso, pois todos que o visitam se ajoelham e ao menos beijam sua mão. Esse beijo causou-me muita preocupação. Alegrei-me quando, finalmente, ficou para trás no caminho.
Ele se sentou em uma poltrona, um trono para ocasiões menores. E depois, convidou-me a sentar próximo a ele, sorrindo em amigável antecipação.
Comecei:
“Agradeço Vossa Santidade pela delicadeza de me haver concedido esta audiência”.
“É um prazer,” disse ele com uma gentil desaprovação.
Pedi desculpas por meu pobre italiano, porém, ele afirmou:
“No, parla molto bene, signor Commendatore [Não, comendador, falas muito bem]”.
Pois eu havia colocado pela primeira vez – a conselho de Lippay – minha fita da Ordem de Medjidié, consequentemente, o Papa sempre se dirigia a mim como Comendador.
Ele é um grosseiro, mas bom padre de aldeia, para quem o cristianismo permanece como algo vivo, mesmo no Vaticano.
Coloquei brevemente meu pedido a ele. No entanto, possivelmente contrariado com minha recusa de lhe beijar a mão, respondeu rígida e resolutamente:
“Não... Não podemos aprovar este movimento. Não podemos impedir os judeus de irem a Jerusalém – mas nunca poderemos favorecê-lo. A terra de Jerusalém, se não foi sempre santa, foi santificada pela vida de Jesus Cristo. Eu, como chefe da Igreja, não posso dizer outra coisa. Os judeus não reconheceram Nosso Senhor, por isso não podemos reconhecer o povo judeu”.
Logo, o conflito entre Roma, representada por ele, e Jerusalém, representada por mim, estava novamente aberto.
No início, de fato, tentei ser conciliador. Recitei minha pequena nota sobre a extraterritorialização, res sacrae extra commercium [os lugares santos fora de negócio]. Não fez mais que uma impressão. Jerusalém, disse ele, não deve cair nas mãos dos judeus.
“E o estado atual, Santo Padre?”
“Eu sei, não agrada ver os turcos na posse dos Lugares Santos. Nós simplesmente temos que nos conformar com isso. Mas apoiar os judeus na conquista dos Lugares Santos, isso não podemos”.
Disse que nosso ponto de partida fora somente o sofrimento os judeus e que desejávamos evitar as questões religiosas.
“Sim, mas nós, e eu, como chefe da Igreja, não podemos fazer isso. Há duas possibilidades. Ou os judeus se agarrarão a sua fé e continuarão a esperar o Messias que, para nós, já chegou. Neste caso, eles estarão negando a divindade de Jesus e nós não podemos ajudá-los. Ou eles irão para lá sem qualquer religião e, então, muito menos ainda poderemos favorecê-los.
“A religião judaica foi o fundamento da nossa; mas ela foi substituída pelos ensinamentos de Cristo e nós não podemos lhe conceder qualquer validade. Os judeus, que deveriam ter sido os primeiros a reconhecer Jesus Cristo, não o fizeram até hoje”.
Estava na ponta da minha língua para dizer, “É o que acontece em toda família. Ninguém acredita em seus próprios parentes”, mas, pelo contrário, disse: “O terror e a perseguição podem não ter sido os melhores maios para esclarecer os judeus”.
Mas ele respondeu, e dessa vez ele foi grandioso em sua simplicidade:
“Nosso Senhor veio sem poder. Era povero [era pobre]. Veio in pace [em paz]. Ele não perseguiu ninguém, antes, foi perseguido.
Ele foi abandonado até por seus apóstolos. Somente depois ele cresceu em estatura. Foram três séculos para a Igreja desabrochar. Os judeus, portanto, tiveram tempo para reconhecer sua divindade sem qualquer pressão. Mas eles não o fizeram até hoje”.
-- “Mas, Santo Padre, os judeus estão em terríveis apuros. Não sei se Vossa Santidade tem ciência de toda a extensão dessa triste situação. Precisamos de uma terra para essas pessoas perseguidas”.
“E tem que ser Jerusalém?”
“Não estamos pedindo por Jerusalém, mas pela Palestina – apenas a terra secular”.
“Não podemos ser favoráveis a isso”.
“Vossa Santidade conhece a situação dos judeus?”
“Sim, da minha época em Mântua. Há judeus vivendo lá. E eu sempre tive boas relações com judeus. Há apenas algumas noites dois judeus estavam aqui para me visitar. No fim das contas, há outros vínculos além dos da religião: cortesia e filantropia. Isso nós não negamos aos judeus. De fato, nós também rezamos por eles: que suas mentes sejam esclarecidas. Hoje mesmo a Igreja está celebrando a festa de um incrédulo que, a caminho de Damasco, converteu-se miraculosamente à verdadeira fé. Então, se fores a Jerusalém e estabeleceres teu povo ali, teremos igrejas e padres prontos para batizar todos vós”.

 Harry Zohn (New York/London: Herzl Press, Thomas Yoseloff, 1960)

quarta-feira, 27 de junho de 2018

Um sorriso do paraíso




                       A maternidade era a maior ambição terrena de Chiara Corbella Petrilo, uma jovem italiana com os olhos e o coração voltados para a eternidade.
Suas duas primeiras experiências de gravidez não foram muito felizes: os recém nascidos não viveram mais que 30 dias.
O sorriso natural de Chiara resplandeceu ao ser comunicada que mais um filho estava por vir. No entanto, a alegria daquele anuncio fora acompanhado por uma noticia indesejada: Chiara estava com um câncer raro e não poderia tratá-lo durante a gravidez, a não ser que o faça comprometendo a vida do filho. Chiara não hesitou: deixou de lado o tratamento para dar continuidade a gravidez.
Apesar da notícia trágica, o ar festivo de Chiara não se desfez; a alegria de ser mãe lhe era bem maior do que a tragédia do câncer; uma alegria que contrastava com o ar desolado de seu marido Enrico, que se via perdido em um terrível dilema: a possibilidade de perder a esposa ou o filho.
Ao completarem-se os dia de gravidez, vinha ao mundo um menino saudável. Por outro lado, a saúde da mãe se esvaia em ritmo acelerado. O câncer foi implacável! destruiu parte da língua e levou a vista do olho direito. Mas, apesar do físico radicalmente debilitado, o sorriso de Chiara não perdeu o brilho. Pelo contrário, adquiria tal luminosidade em meio ao doloroso calvário que atravessava que, aos que a acompanhavam, Chiara tornava-se um sinal eloquente do paraíso e um exuberante testemunho de heroísmo perante o sofrimento. Aquele sorriso só veio cessar no dia 13 de junho de 2012, com sua passagem para a eternidade.
Chiara constitui-se um exemplo radiante que nos ensina a transcender as circunstâncias trágicas da vida com um novo olhar e nos incute animo resoluto para atravessar nosso calvário sem perder a esperança e a alegria.

***
 
Ao lado de Cristo, haviam outros dois supliciados, um blasfemava e o outro se resignava e alcançava o paraíso. O sofrimento pode ser a escada para o paraíso ou para os abismos. Isso dependerá de como o receberemos.

sábado, 9 de junho de 2018

Você conhece a verdadeira oração a São Miguel Arcanjo?




Você sabia que a oração a São Miguel Arcanjo que você costuma recitar, a famosa: "São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate, sede nosso refúgio, etc", não é a verdadeira oração escrita por Leão XIII? Pois bem, esta oração que se difundiu entre os fiéis, a partir de 1934, é uma versão da verdadeira oração composta por Leão XIII em 1930, e que foi prescrita para ser recitada ao final da Missa. Abaixo apresentamos uma tradução da oração original.


Eis uma tradução na integra da oração original:

Oração a São Miguel Arcanjo

“Ó glorioso príncipe da milícia celeste, São Miguel Arcanjo, defendei-nos no combate e na terrível luta contra os principados e as potestades, contra os dominadores deste mundo de trevas, contra os espíritos malignos espalhados pelos ares (Ef. 6)! Vinde em auxílio dos homens os quais Deus criou imortais, feitos a sua imagem e semelhança, e resgatou por grande preço da tirania do demónio (Sab. 2; I Cor. 6).
Combatei neste dia, com o exército dos santos anjos, a batalha do Senhor como noutro tempo combateste contra Lúcifer, chefe dos orgulhosos, e contra os anjos apóstatas que foram impotentes em resistir-te e para quem nunca mais haverá lugar no céu.
Sim, esse grande dragão, essa antiga serpente que se chama demónio e Satanás, que seduz o mundo inteiro, foi precipitado com os seus anjos ao fundo do abismo (Apoc. 12). Mas é aqui que esse antigo inimigo, este antigo homicida levantou ferozmente a cabeça. Disfarçado de anjo de luz e seguido por toda a multidão de espíritos malignos, invade o mundo inteiro para apoderar-se dele e desterrar o nome de Deus e do seu Cristo, para afundar, matar e entregar à perdição eterna às almas destinadas à coroa de glória eterna. Sobre os homens de espírito perverso e de coração corrupto, este dragão malvado derrama também, como uma torrente de lama impura, o veneno de sua malícia infernal, o espírito de mentira, de impiedade, de blasfémia e o sopro envenenado da imundice, dos vícios e de todas as abominações.
Os inimigos cheios de astúcia têm acumulado de opróbrios e amarguras a Igreja, esposa do Cordeiro imaculado, e lhe dado a beber absinto; sobre seus bens mais sagrados impõem suas mãos criminosas para a realização de todos os seus ímpios desígnios. Lá, no lugar sagrado onde está instituída a sede de São Pedro e a Cátedra da Verdade para iluminar os povos, foi instalado o trono da abominação de sua impiedade, com o desígnio iníquo de ferir o Pastor e dispersar as ovelhas.
Nós te suplicamos, ó príncipe invencível, ajude o povo de Deus e concede-lhe a vitória contra os ataques destes espíritos dos réprobos. Este povo te venera como seu protetor e padroeiro, e a Igreja se gloria de tê-lo como defensor contra os poderes malignos do inferno. A ti, Deus confiou a missão de conduzir as almas para a felicidade celeste. Roga, portanto, ao Deus da paz que submeta Satanás aos nossos pés, tão derrotado e subjugado, que nunca mais possa impor a escravidão aos homens, nem prejudicar a Igreja! Apresenta as nossas orações à vista do Todo-Poderoso para que as misericórdias do Senhor nos alcancem o quanto antes. Submeta o dragão, a antiga serpente, que é o diabo e Satanás, e o precipite acorrentado no abismo para que não mais possa seduzir as nações (Apoc. 20). Amém.
Desde já confiados à vossa assistência e protecção, com a sagrada autoridade da Santa mãe Igreja, e em nome de Jesus Cristo, Deus e Senhor nosso, empreendemos com fé e segurança repelir aos ataques da astúcia diabólica.
V/ Eis a Cruz do Senhor, fujam potências inimigas.
R/ Venceu o Leão da tribo de Judá, a estirpe de David.
V/ Que as tuas misericórdias, ó Senhor, se realizem sobre nós.

R/ Assim como esperamos em vós.
V/ Senhor, escutai a minha oração.

R/ e que o meu clamor chegue até ti.

Oremos:
Ó Deus, Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo, nós invocamos vosso Santo Nome e imploramos insistentemente a Vossa clemência para que, pela intercessão da Imaculada sempre Virgem Maria, nossa Mãe, e do glorioso São Miguel Arcanjo, de São José, esposo da mesma Santíssima Virgem, dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo e de todos os santos, dignai-vos proteger contra Satanás e contra todos os espíritos malignos que vagueiam pela terra para destruir a humanidade e para a perdição das almas. Amém.”

terça-feira, 5 de junho de 2018

O que houve com a Irlanda Católica?




                  A reputação católica da Irlanda, há algum tempo, foi pelo ralo. Arrasada por graves escândalos sexuais e de outras espécies protagonizados por sacerdotes e religiosos que levou ao total descrédito o catolicismo no país, a voz da Igreja tornou-se a última a ser ouvida nos plebiscitos populares, deixando espaço aberto para o avanço de todas as pautas anticristãs que vinham sendo impostas a algum tempo por organismos estrangeiros como ONU e União Européia.
O que aconteceu com este país que em outros tempos fora chamado  de “Ilha dos Santos”, e até o início do século passado transpirava catolicismo por todos os poros? Como um dos cleros mais admirados do mundo tornou-se o mais corrupto no século atual?

Em 2010 o Papa Bento XVI escrevia uma lamuriosa carta aos católicos da Irlanda onde deplorava profundamente o lamentável estado a que chegou o catolicismo no país.
Não posso deixar de partilhar o pavor e a sensação de traição que muitos de vós experimentastes ao tomar conhecimento destes atos pecaminosos e criminais e do modo como as autoridades da Igreja na Irlanda os enfrentaram (Bento XVI, em carta aos carta aos católicos da Irlanda do dia 19 de março de 2010)
Bento XVI ainda reconhecera a contribuição do clero para o cenário desolador de secularização pelo qual passava a Irlanda. “DETERMINANTE foi também neste período [de secularização] a tendência, até da parte de sacerdotes e religiosos, para adotar modos de pensamento e de juízo das realidades seculares sem referência suficiente ao Evangelho”, escreveu o pontífice, em termos polidos, na ocasião. 

irlandesa comemora a aprovação do aborto no país

E junto com aquele lamento, o papa emérito trazia uma diagnose do problema, com ênfase a certos "procedimentos inadequados para determinar a idoneidade dos candidatos ao sacerdócio e à vida religiosa", e concluía com  uma série de propostas para conter a sangria aberta no seio da Igreja Irlandesa. Mas as medidas eram tardias para um mal que já alcançara a espinha dorsal do clero. A imagem do catolicismo no país já estava gravemente comprometida.  Cinco anos após a célebre carta de Bento XVI, em 2015, um referendo popular aprovava o “casamento gay”; e atingindo o ápice do declínio moral, em 2018, o aborto era aprovado também em referendo popular.
A Irlanda Católica chegava ao fim! Ser católico no país tornara-se um estigma! E isso tudo graças a um clero corrompido.

terça-feira, 6 de março de 2018

O Ano do Laicato




                 Acredito que vivemos um tempo único na história da Igreja no Brasil, onde os novos gigantes da fé saem das fileiras do laicato. Esta afirmação parte de uma constatação que se resume em uma frase: "os leigos estão salvando a Igreja no Brasil". Obviamente, muitos alegarão exagero nesta afirmação, e em parte e com justiça, que o leigo não pode nos dar a Eucaristia, tão pouco os demais sacramentos etc. Mas o que se tornou a ministração dos sacramentos em nossas paróquias? Quase um serviço assalariado, onde a ministração negligente e desleixada dos sacramentos por boa parte do clero contrasta com a evasão em massa dos fiéis para outras religiões, ou mesmo para o indiferentismo religioso. 

Os padres, em sua maioria, já não evangelizam, já não atraem vocações para o sacerdócio; tão pouco dedicam o devido esforço na salvação das almas, que deveria ser uma lei suprema a nortear suas vidas. Não é difícil constatar isso! Por outro lado, -- cumprindo parte modesta da missão negligenciada por muitos sacerdotes --  leigos engajados que tem dispensado esforços hercúleos na recondução de inúmeros desgarrados de volta ao redil de Cristo. Por certo, a grande maioria de neo-conversos que participam ativamente da Igreja, vieram a ela, através dos empenhos evangelizadores de leigos. E isto é notório. 

Todavia, percebe-se que os recém chegados à Igreja, logo, esmorecem ao deparar com tamanha frieza que encontram naqueles que seus olhos passaram a ver como alter christus, ou seja, os sacerdotes.  

No dia 26 de novembro de 2017, dia da solenidade de Cristo Rei, a CNBB proclamou o Ano do Laicato que deve durar até o dia 25 de novembro de 2018. No entanto, percebe-se que este reconhecimento ou chamado ao protagonismo leigo, vem tardiamente. O leigo tem sido protagonista na evangelização em muitas paróquias há décadas, onde os padres, cumprem, muito enfadonhamente, aliás, o mínimo que se lhes pede de suas missões.

Que o nosso leitor não compreenda essa nota como uma  critica rispida movida por má fé, mas uma simples externação de uma indignação sincera que sentimos com o lastimável estado que vemos a vida eclesiástica assumir em muitas paróquias. 

Sem nos eximir, porém, da obrigação que nos cabe de orar confiantemente a Deus pelos sacerdotes, pedimos santas vocações e dignos ministros, e recomendamos isso, a todos que nos lêem. 

Rezem pelos sacerdotes!       

sábado, 20 de janeiro de 2018

O dia em que Chesterton se apaixonou




         O primeiro dever de um homem apaixonado é portar-se como um idiota, escrevera Gilbert Keith Chesterton, um homem cuja sensatez estava acima de qualquer suspeita, mas que em determinado momento de sua existência, – como qualquer outro mortal – também sucumbiu ao estado que descreveu em sua frase: de idiota. Em uma divertidíssima carta dirigida à esposa de um amigo, Chesterton narrava os absurdos que cometia sob efeito do dardo flamejante da paixão.

Escreve ele:

Querida Mildred,

Quando levantei esta manhã, lavei cuidadosamente minhas botas com água e engraxei meu rosto. Então, vestindo o casaco com graciosa facilidade com os botões virados para as costas, eu desci para o café da manhã e alegremente coloquei café nas sardinhas e levei meu chapéu ao fogo para fritar.
Estas atividades irão dar-lhe uma ideia de como estou. A minha família, vendo-me sair de casa através da chaminé e colocar a grelha da lareira debaixo do braço, pensaram que alguma coisa preocupava meu espírito. E era verdade!

G. K Chesterton


Frances Blogg

E a autora deste notável feito, capaz de tirar o sossego de um homem que se conservava imperturbável perante as intempéries de uma vida agitada, fora uma tímida inglesa do final do século XIX, Frances Alice Blogg, que vivia em um bairro boêmio da Londres, frequentado por intelectuais e militantes políticos de todos os naipes. Frances cresceu naquela inebriante atmosfera de debates que se verificava em sua comunidade, e acabou por envolver-se na juventude, em parte, com os problemas discutidos pela comunidade intelectual do lugar. 

Em 1884, junto com alguns amigos, criava a “IDK Sociedade de Debates”. Lá, ela e suas irmãs encontraram um estimulante ambiente de discussões e amizade.

Em 1896, um novo membro é convidado ao clube, Lucien Oldershaw, amigo de Chesterton, e que viria a se casar com uma das irmãs de Frances, Ethel. Entusiasmado com a visita, contou a seu amigo Chesterton, “as garotas do clube são extraordinariamente lindas”. O que estimulou Chesterton a ir lá na próxima vez.

No outono de 1896, Chesterton e Frances finalmente se encontraram. Ele caiu instantaneamente apaixonado, como viria a confessar mais tarde. “Amor à primeira vista”, dizia ele.
Frances era bela, inteligente e modesta, um grande atrativo a qualquer homem sensato e idealista. Mas, uma coisa em Frances o atraiu particularmente, sua fé! Frances tornara-se uma devota católica, no período em que frequentara o St Stephen’s College, e agora tornava-se o grande objeto das afeições de Chesterton. Não afeições desordenadas, mas as mais puras afeições que qualquer homem espirituoso poderia nutrir por uma mulher.

Chesterton aos 17 anos

Chesterton, impressionara-se profundamente, com o fato de Frances conservar sua fé intacta, como um raio de luz, em um ambiente degradado e sombrio como aquele em que vivia. Muitos dos membros do clube que participavam eram fascinados por espiritismo e ocultismo. Chesterton, não muito diferente deles, trilhava caminhos parecidos. Até 1896, se proclamava agnóstico. Isso até conhecer aquela encantadora inglesinha de Bedford Park [1], que virava do avesso aquele homem imponente.

Frances fora a “pedra do tabernáculo”, como a chamara Chesterton, que o atraiu à belezas e verdades supremas, que este passaria o resto da vida a perseguir devotamente. E de um bobo apaixonado, tornara-se o “apóstolo do senso comum” e da sensatez em um mundo confuso e doente.


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1. Bairro em que vivia Frances Blogg

sábado, 13 de janeiro de 2018

Qual o ensinamento tradicional da Igreja sobre a pena de morte?





                     O Novo Catecismo não aboliu o ensinamento tradicional da Igreja sobre a pena de morte. Nele se diz: “O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade do culpado, o recurso à pena de morte” (Catecismo § 2267) Porém, esta medida penal passou a ser quase desautorizada a partir do pontificado de João Paulo II até o de Francisco. Recentemente, o Papa Francisco afirmou que "a defesa da pena de morte era um ato imoral". Mas tal afirmação implica em chamar de imoral o magistério tradicional da Igreja, e a grande maioria dos santos, que em comunhão com este mesmo magistério, sempre consideraram a pena de morte uma prática legitima e justa.

Santos como S. Jeronimo, S. João Crisóstomo, Sto Agostinho, Sto Tomás de Áquino, S. Bernardo, S. Boaventura, Sto Afonso de Ligório, S. Roberto Belarmino entre outros, defenderam tenazmente esta prática; Papas a apoiaram com denodo como S. Pio V, Inocêncio I, Inocêncio III, S. Pio X, Pio XII; autores católicos de alta envergadura como Donoso Cortés, Fulton J. Sheen, D. Jayme Balmes, a autorizaram com a devida racionalidade; autores seculares de grande prestígio como C. S Lewis, J. R. R Tolkien, filósofos cristãos e ateus como Rousseau, Kant, Schopenhauer, Hegel, Leibniz entre outros a reputaram fundamental para a ordem social. Há, portanto, uma licitude moral na pena capital reconhecida e abalizada por homens ilustres e de ilibada conduta ao longo da história.

No entanto, vivemos os tempos onde um certo sentimentalismo exacerbado é a base para o julgamento de todos os assuntos. Desta forma, parece-me que a maioria das objeções que se vinculam atualmente contra a pena de morte partem antes de precipitações emocionais do que de sólidos fundamentos racionais. Portanto, caso se queira ponderar seriamente este assunto, convém antes de tudo, deixar de lado o excessivo sentimentalismo, e recorrer a uma óptica racional.

Convém notar, também, que esta mentalidade que repudia a pena de morte, é bem recente! Até o final do século XX, a maioria dos países ocidentais adotava a medida com naturalidade, e até sob aclamação popular. E até o começo do século XVIII, – segundo Mr. Leven –, não se conheciam países que não aplicassem a pena de morte a seus malfeitores (Introduction de la peine de morte), A repulsa que o termo adquiriu parece ser um produto de nossos tempos.


O testemunho dos santos


Aqui, reuni alguns trechos de papas e santos sobre a pena de morte, a começar pelos assim chamados “doutores máximos”.
Os dois maiores doutores da Igreja, Sto Agostinho e Sto Tomás de Áquino, foram unânimes no reconhecimento da licitude moral da pena de morte.
Em De Civitate Dei, Santo Agostinho faz esta importante observação sobre o mandamento de não matar: 
“Não violaram o preceito, não matarás, aqueles que, movidos por Deus [e nisso incluem-se santos como S. Luís IX, Beato Urbano II, S. Fernando de Castela, Joana d’Arc] levaram a cabo guerras, ou os que, investidos de autoridade pública e respeitando a sua lei, isto é, por imperativo de uma razão justíssima, puniram com a morte os criminosos” (Livro I, Cap. XXI)

E completa o maior dos doutores católicos, Sto Tomás de Áquino: “
Privar da vida os criminosos não só é lícito como também necessário, se são perniciosos e perigosos à sociedade” (Suma Teológica, 1-2, q. 8, a3; 2-2, q. 64, a2)

Mas, além destes, outros santos a aprovaram como S. Jerônimo que a seu respeito escreveu em seus Comentários sobre Ezequiel
"Aquele que ataca os ímpios em seus vícios e usa um instrumento de morte para matar os vilões incorrigíveis, este é ministro de Deus”.
E em seus Comentários sobre Jeremias, o santo repete o mesmo argumento: 
“Punir os assassinos, os homens sacrílegos e envenenadores, não é um derramamento de sangue, mas a administração da lei” (Cap. 22)

S. João Crisóstomo:

S. João Crisóstomo teve uma posição semelhante a este respeito. Escreve ele: 

Tu dizes ser Deus cruel por haver mandado tirar olho por olho, pois se a lei de Talião é crueldade, também o será reprimir o assassino e cortar os passos ao adúltero. Mas isto só um insensato e um louco poderão por remate afirmá-lo. Eu, de minha parte, tão longe estou de dizer que haja crueldade nisso, que melhor afirmo que, em boa razão humana, o contrário seria antes uma iniquidade… Imaginemos, senão, por um momento que toda a lei penal foi abolida, e que ninguém tenha que temer castigo, que os malvados possam, sem temor, satisfazer suas paixões; que possam roubar, matar, ser perjuros, adúlteros e parricidas. Não é assim que tudo se transtornaria de cima a baixo, e que cidades, praças, famílias, a terra, o mar, o universo inteiro se encheria de crimes e assassinatos? Evidentemente, porque se com todas as leis e seu temor e ameaças, os malvados a duras penas se contêm, se essa barreira se deixara, que obstáculo restaria para impedir o triunfo da maldade? Com que virulência não intentariam contra nossas pessoas e contra nossas vidas? Com isso, juntar-se-ia outro mal menor, o deixar indefeso o inocente e constir que sofra sem razçai e sem motivo.” (Sancti. Joannes Chrysostomi. Opera omnia, Migni P. L. VII, Col. 246-246 – Ed. esp. de la BAC. 141, Madrid, 1955, I, 324-325)

E junto com estes, incluem-se: 

Clemente de Alexandria:

Quando alguém se mostra incorrigível e se lança ao crime, então o governante, que tem o cuidado de todos, deve com muito justo direito, levá-lo à morte, para que não cause dano aos demais” (Clementis Alexandrini, Quae extant opera, Paris, 1572, Stromata, I, p. 114)

S. Roberto Belarmino:

É lícito a um magistrado cristão punir com a morte os perturbadores da ordem pública. Isto é provado, primeiro, pelas Sagradas Escrituras, pela lei natural, pela lei de Moisés, e nos Evangelhos (…) é dever de um bom governante, a quem foi confiado o cuidado do bem comum, impedir aqueles membros que existem pelo benefício de prejudicá-lo, e portanto, se ele não pode preservar todos os membros em unidade, ele deveria preferir cortar um do que permitir que o bem comum seja destruído”.
(De laicis, cap. XIII)

Sto Hilário de Poitiers, diz que é lícito matar em dois casos: "Se um homem está cumprindo a função de juiz, ou se ele está usando uma arma em sua própria defesa". (Epístola III a Exuperius. Cap. 3) Do modo como ensinou S. Paulo em sua carta aos Romanos: "
"As autoridades inspiram temor, não porém a quem pratica o bem, e sim a quem faz o mal! Queres não ter o que temer a autoridade? Faze o bem e terás o seu louvor. Porque ela é instrumento de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, porque não  é sem razão que leva a espada: é ministro de Deus para fazer justiça e para exercer a ira contra aquele que pratica o mal". (Romanos 13, 3-4)

Mas há um outro aspecto da pena de morte que costumeiramente deixado de lado, a questão espiritual. Já que nenhum ser humano é indiferente a realidade da morte, há uma certa "utilidade" espiritual nesta pena. 
Um criminoso, por mais endurecido que seja, ao ser confrontado com a morte, tem uma chance única de se redimir perante Deus e a sociedade que ofendeu com seus crimes. A história nos mostra que a pena de morte foi um instrumento eficaz de santificação para muitos celerados. Roberto Belarmino, o exímio doutor católico, via na execução de um condenado, a possibilidade deste expiar sua culpa diante de Deus e dos homens. Deste modo, cabe dizer que a pena de morte também possui um caráter expiatório – e não só correcional –, de que tiveram necessidade de impor todas as sociedades a seus criminosos. Mas tais pensamentos são demasiadamente estranhos à uma sociedade que perdeu por completo a noção de pena e culpa; de justiça e temor e de pecado.  


O temperamento conservador e o temperamento revolucionário




O conservadorismo, para muitos religiosos, e até pensadores do tema como o britânico Roger Scruton (talvez um dos maiores representantes desta corrente na filosofia) é encarado como uma ideologia ou uma mera doutrina política sem nenhuma relação com a religião. No entanto, o conservadorismo é antes de tudo, um temperamento humano, que se contrapõe ao temperamento revolucionário. Num livro que estou preparando para publicar ainda este ano, O manifesto conservador, analiso estes dois temperamentos, de uma fora mais aprofundada. Por ora, deixo aqui um trecho do livro aos leitores deste blog.

                                                                            Erick Ferreira  





        Uma das primeiras características observadas no temperamento conservador é a indisposição à utopias. Por isso, Michael Oakeshott – um dos máximos expoentes do pensamento conservador –, assim define o ser conservadorismo: “Ser conservador é preferir o familiar ao desconhecido, o fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente à utópica”. Por certo, nesta definição muitos verão uma postura comodista diante da existência, mas tal não procede, pois o que há no ser conservador é antes de tudo uma postura responsável diante da existência. Responsabilidade que o existe no temperamento revolucionário e na sua disposição fatal à utopia. Por isso, os conservadores são os últimos a serem culpados pelas tragédias que se desencadeiam na história protagonizados pelos homens, pois eles não esperam um mundo melhor, tão pouco prometem uma sociedade ideal; são antes os revolucionários que prometem tais coisas, e são os últimos a assumirem a culpa por suas consequências trágicas. Os conservadores estão bem convencidos da natureza corrompida do homem e da instabilidade da vida terrena; os conservadores estão certos de que todas as utopias sempre se converterão em pesadelos ao saírem do campo mental e entrarem no terreno da realidade.
Já que foram os revolucionários e utópicos que proclamaram o advento de um mundo melhor, da fraternidade universal, da sociedade perfeita; que fizeram promessas que estavam acima de suas capacidades, e quando o sonho utópico se tornou um pesadelo, estes deveriam ser os únicos a serem culpados pela irresponsabilidade de suas utopias, por ignorarem verdades que todo conservador está convencido milhares de anos. A primeira delas: que todo homem está indistintamente inclinado ao mal, e que esta triste condição humana tornará sempre vã qualquer tentativa de implantar uma sociedade perfeita na terra.