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sábado, 20 de janeiro de 2018

O dia em que Chesterton se apaixonou




         O primeiro dever de um homem apaixonado é portar-se como um idiota, escrevera Gilbert Keith Chesterton, um homem cuja sensatez estava acima de qualquer suspeita, mas que em determinado momento de sua existência, – como qualquer outro mortal – também sucumbiu ao estado que descreveu em sua frase: de idiota. Em uma divertidíssima carta dirigida à esposa de um amigo, Chesterton narrava os absurdos que cometia sob efeito do dardo flamejante da paixão.

Escreve ele:

Querida Mildred,

Quando levantei esta manhã, lavei cuidadosamente minhas botas com água e engraxei meu rosto. Então, vestindo o casaco com graciosa facilidade com os botões virados para as costas, eu desci para o café da manhã e alegremente coloquei café nas sardinhas e levei meu chapéu ao fogo para fritar.
Estas atividades irão dar-lhe uma ideia de como estou. A minha família, vendo-me sair de casa através da chaminé e colocar a grelha da lareira debaixo do braço, pensaram que alguma coisa preocupava meu espírito. E era verdade!

G. K Chesterton


Frances Blogg

E a autora deste notável feito, capaz de tirar o sossego de um homem que se conservava imperturbável perante as intempéries de uma vida agitada, fora uma tímida inglesa do final do século XIX, Frances Alice Blogg, que vivia em um bairro boêmio da Londres, frequentado por intelectuais e militantes políticos de todos os naipes. Frances cresceu naquela inebriante atmosfera de debates que se verificava em sua comunidade, e acabou por envolver-se na juventude, em parte, com os problemas discutidos pela comunidade intelectual do lugar. 

Em 1884, junto com alguns amigos, criava a “IDK Sociedade de Debates”. Lá, ela e suas irmãs encontraram um estimulante ambiente de discussões e amizade.

Em 1896, um novo membro é convidado ao clube, Lucien Oldershaw, amigo de Chesterton, e que viria a se casar com uma das irmãs de Frances, Ethel. Entusiasmado com a visita, contou a seu amigo Chesterton, “as garotas do clube são extraordinariamente lindas”. O que estimulou Chesterton a ir lá na próxima vez.

No outono de 1896, Chesterton e Frances finalmente se encontraram. Ele caiu instantaneamente apaixonado, como viria a confessar mais tarde. “Amor à primeira vista”, dizia ele.
Frances era bela, inteligente e modesta, um grande atrativo a qualquer homem sensato e idealista. Mas, uma coisa em Frances o atraiu particularmente, sua fé! Frances tornara-se uma devota católica, no período em que frequentara o St Stephen’s College, e agora tornava-se o grande objeto das afeições de Chesterton. Não afeições desordenadas, mas as mais puras afeições que qualquer homem espirituoso poderia nutrir por uma mulher.

Chesterton aos 17 anos

Chesterton, impressionara-se profundamente, com o fato de Frances conservar sua fé intacta, como um raio de luz, em um ambiente degradado e sombrio como aquele em que vivia. Muitos dos membros do clube que participavam eram fascinados por espiritismo e ocultismo. Chesterton, não muito diferente deles, trilhava caminhos parecidos. Até 1896, se proclamava agnóstico. Isso até conhecer aquela encantadora inglesinha de Bedford Park [1], que virava do avesso aquele homem imponente.

Frances fora a “pedra do tabernáculo”, como a chamara Chesterton, que o atraiu à belezas e verdades supremas, que este passaria o resto da vida a perseguir devotamente. E de um bobo apaixonado, tornara-se o “apóstolo do senso comum” e da sensatez em um mundo confuso e doente.


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1. Bairro em que vivia Frances Blogg

sábado, 13 de janeiro de 2018

Qual o ensinamento tradicional da Igreja sobre a pena de morte?





                     O Novo Catecismo não aboliu o ensinamento tradicional da Igreja sobre a pena de morte. Nele se diz: “O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas cabalmente a identidade e a responsabilidade do culpado, o recurso à pena de morte” (Catecismo § 2267) Porém, esta medida penal passou a ser quase desautorizada a partir do pontificado de João Paulo II até o de Francisco. Recentemente, o Papa Francisco afirmou que "a defesa da pena de morte era um ato imoral". Mas tal afirmação implica em chamar de imoral o magistério tradicional da Igreja, e a grande maioria dos santos, que em comunhão com este mesmo magistério, sempre consideraram a pena de morte uma prática legitima e justa.

Santos como S. Jeronimo, S. João Crisóstomo, Sto Agostinho, Sto Tomás de Áquino, S. Bernardo, S. Boaventura, Sto Afonso de Ligório, S. Roberto Belarmino entre outros, defenderam tenazmente esta prática; Papas a apoiaram com denodo como S. Pio V, Inocêncio I, Inocêncio III, S. Pio X, Pio XII; autores católicos de alta envergadura como Donoso Cortés, Fulton J. Sheen, D. Jayme Balmes, a autorizaram com a devida racionalidade; autores seculares de grande prestígio como C. S Lewis, J. R. R Tolkien, filósofos cristãos e ateus como Rousseau, Kant, Schopenhauer, Hegel, Leibniz entre outros a reputaram fundamental para a ordem social. Há, portanto, uma licitude moral na pena capital reconhecida e abalizada por homens ilustres e de ilibada conduta ao longo da história.

No entanto, vivemos os tempos onde um certo sentimentalismo exacerbado é a base para o julgamento de todos os assuntos. Desta forma, parece-me que a maioria das objeções que se vinculam atualmente contra a pena de morte partem antes de precipitações emocionais do que de sólidos fundamentos racionais. Portanto, caso se queira ponderar seriamente este assunto, convém antes de tudo, deixar de lado o excessivo sentimentalismo, e recorrer a uma óptica racional.

Convém notar, também, que esta mentalidade que repudia a pena de morte, é bem recente! Até o final do século XX, a maioria dos países ocidentais adotava a medida com naturalidade, e até sob aclamação popular. E até o começo do século XVIII, – segundo Mr. Leven –, não se conheciam países que não aplicassem a pena de morte a seus malfeitores (Introduction de la peine de morte), A repulsa que o termo adquiriu parece ser um produto de nossos tempos.


O testemunho dos santos


Aqui, reuni alguns trechos de papas e santos sobre a pena de morte, a começar pelos assim chamados “doutores máximos”.
Os dois maiores doutores da Igreja, Sto Agostinho e Sto Tomás de Áquino, foram unânimes no reconhecimento da licitude moral da pena de morte.
Em De Civitate Dei, Santo Agostinho faz esta importante observação sobre o mandamento de não matar: 
“Não violaram o preceito, não matarás, aqueles que, movidos por Deus [e nisso incluem-se santos como S. Luís IX, Beato Urbano II, S. Fernando de Castela, Joana d’Arc] levaram a cabo guerras, ou os que, investidos de autoridade pública e respeitando a sua lei, isto é, por imperativo de uma razão justíssima, puniram com a morte os criminosos” (Livro I, Cap. XXI)

E completa o maior dos doutores católicos, Sto Tomás de Áquino: “
Privar da vida os criminosos não só é lícito como também necessário, se são perniciosos e perigosos à sociedade” (Suma Teológica, 1-2, q. 8, a3; 2-2, q. 64, a2)

Mas, além destes, outros santos a aprovaram como S. Jerônimo que a seu respeito escreveu em seus Comentários sobre Ezequiel
"Aquele que ataca os ímpios em seus vícios e usa um instrumento de morte para matar os vilões incorrigíveis, este é ministro de Deus”.
E em seus Comentários sobre Jeremias, o santo repete o mesmo argumento: 
“Punir os assassinos, os homens sacrílegos e envenenadores, não é um derramamento de sangue, mas a administração da lei” (Cap. 22)

S. João Crisóstomo:

S. João Crisóstomo teve uma posição semelhante a este respeito. Escreve ele: 

Tu dizes ser Deus cruel por haver mandado tirar olho por olho, pois se a lei de Talião é crueldade, também o será reprimir o assassino e cortar os passos ao adúltero. Mas isto só um insensato e um louco poderão por remate afirmá-lo. Eu, de minha parte, tão longe estou de dizer que haja crueldade nisso, que melhor afirmo que, em boa razão humana, o contrário seria antes uma iniquidade… Imaginemos, senão, por um momento que toda a lei penal foi abolida, e que ninguém tenha que temer castigo, que os malvados possam, sem temor, satisfazer suas paixões; que possam roubar, matar, ser perjuros, adúlteros e parricidas. Não é assim que tudo se transtornaria de cima a baixo, e que cidades, praças, famílias, a terra, o mar, o universo inteiro se encheria de crimes e assassinatos? Evidentemente, porque se com todas as leis e seu temor e ameaças, os malvados a duras penas se contêm, se essa barreira se deixara, que obstáculo restaria para impedir o triunfo da maldade? Com que virulência não intentariam contra nossas pessoas e contra nossas vidas? Com isso, juntar-se-ia outro mal menor, o deixar indefeso o inocente e constir que sofra sem razçai e sem motivo.” (Sancti. Joannes Chrysostomi. Opera omnia, Migni P. L. VII, Col. 246-246 – Ed. esp. de la BAC. 141, Madrid, 1955, I, 324-325)

E junto com estes, incluem-se: 

Clemente de Alexandria:

Quando alguém se mostra incorrigível e se lança ao crime, então o governante, que tem o cuidado de todos, deve com muito justo direito, levá-lo à morte, para que não cause dano aos demais” (Clementis Alexandrini, Quae extant opera, Paris, 1572, Stromata, I, p. 114)

S. Roberto Belarmino:

É lícito a um magistrado cristão punir com a morte os perturbadores da ordem pública. Isto é provado, primeiro, pelas Sagradas Escrituras, pela lei natural, pela lei de Moisés, e nos Evangelhos (…) é dever de um bom governante, a quem foi confiado o cuidado do bem comum, impedir aqueles membros que existem pelo benefício de prejudicá-lo, e portanto, se ele não pode preservar todos os membros em unidade, ele deveria preferir cortar um do que permitir que o bem comum seja destruído”.
(De laicis, cap. XIII)

Sto Hilário de Poitiers, diz que é lícito matar em dois casos: "Se um homem está cumprindo a função de juiz, ou se ele está usando uma arma em sua própria defesa". (Epístola III a Exuperius. Cap. 3) Do modo como ensinou S. Paulo em sua carta aos Romanos: "
"As autoridades inspiram temor, não porém a quem pratica o bem, e sim a quem faz o mal! Queres não ter o que temer a autoridade? Faze o bem e terás o seu louvor. Porque ela é instrumento de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, porque não  é sem razão que leva a espada: é ministro de Deus para fazer justiça e para exercer a ira contra aquele que pratica o mal". (Romanos 13, 3-4)

Mas há um outro aspecto da pena de morte que costumeiramente deixado de lado, a questão espiritual. Já que nenhum ser humano é indiferente a realidade da morte, há uma certa "utilidade" espiritual nesta pena. 
Um criminoso, por mais endurecido que seja, ao ser confrontado com a morte, tem uma chance única de se redimir perante Deus e a sociedade que ofendeu com seus crimes. A história nos mostra que a pena de morte foi um instrumento eficaz de santificação para muitos celerados. Roberto Belarmino, o exímio doutor católico, via na execução de um condenado, a possibilidade deste expiar sua culpa diante de Deus e dos homens. Deste modo, cabe dizer que a pena de morte também possui um caráter expiatório – e não só correcional –, de que tiveram necessidade de impor todas as sociedades a seus criminosos. Mas tais pensamentos são demasiadamente estranhos à uma sociedade que perdeu por completo a noção de pena e culpa; de justiça e temor e de pecado.  


O temperamento conservador e o temperamento revolucionário




O conservadorismo, para muitos religiosos, e até pensadores do tema como o britânico Roger Scruton (talvez um dos maiores representantes desta corrente na filosofia) é encarado como uma ideologia ou uma mera doutrina política sem nenhuma relação com a religião. No entanto, o conservadorismo é antes de tudo, um temperamento humano, que se contrapõe ao temperamento revolucionário. Num livro que estou preparando para publicar ainda este ano, O manifesto conservador, analiso estes dois temperamentos, de uma fora mais aprofundada. Por ora, deixo aqui um trecho do livro aos leitores deste blog.

                                                                            Erick Ferreira  





        Uma das primeiras características observadas no temperamento conservador é a indisposição à utopias. Por isso, Michael Oakeshott – um dos máximos expoentes do pensamento conservador –, assim define o ser conservadorismo: “Ser conservador é preferir o familiar ao desconhecido, o fato ao mistério, o real ao possível, o limitado ao ilimitado, o próximo ao distante, o suficiente ao superabundante, o conveniente ao perfeito, a felicidade presente à utópica”. Por certo, nesta definição muitos verão uma postura comodista diante da existência, mas tal não procede, pois o que há no ser conservador é antes de tudo uma postura responsável diante da existência. Responsabilidade que o existe no temperamento revolucionário e na sua disposição fatal à utopia. Por isso, os conservadores são os últimos a serem culpados pelas tragédias que se desencadeiam na história protagonizados pelos homens, pois eles não esperam um mundo melhor, tão pouco prometem uma sociedade ideal; são antes os revolucionários que prometem tais coisas, e são os últimos a assumirem a culpa por suas consequências trágicas. Os conservadores estão bem convencidos da natureza corrompida do homem e da instabilidade da vida terrena; os conservadores estão certos de que todas as utopias sempre se converterão em pesadelos ao saírem do campo mental e entrarem no terreno da realidade.
Já que foram os revolucionários e utópicos que proclamaram o advento de um mundo melhor, da fraternidade universal, da sociedade perfeita; que fizeram promessas que estavam acima de suas capacidades, e quando o sonho utópico se tornou um pesadelo, estes deveriam ser os únicos a serem culpados pela irresponsabilidade de suas utopias, por ignorarem verdades que todo conservador está convencido milhares de anos. A primeira delas: que todo homem está indistintamente inclinado ao mal, e que esta triste condição humana tornará sempre vã qualquer tentativa de implantar uma sociedade perfeita na terra.

sábado, 6 de janeiro de 2018

O erro de Malthus e o perigo em que o controle demográfico colocou o Ocidente




refugiados albaneses fugindo para a Itália em 1991




No século XVIII, Thomas Malthus (1766–1834), um clérigo anglicano, anunciava umteoria apocalíptica: 
O poder de crescimento da população é indefinidamente maior do que o poder que tem a terra de produzir meios de subsistência para o homem. A população quando não controlada, cresce numa progressão geométrica, [enquanto] os meios de subsistência crescem apenas numa progressão aritmética. 
(An essay on the principle population [Um ensaio sobre o princípio da população], 1798

tese colocou em polvorosa acadêmicos, empresários e políticos de todo o Ocidente. E uma verdadeira luta pelo controle demográfico se iniciava; enquanto Malthus era aclamado como um grande visionário, dotado de uma análise original da economia.
No entanto, longe de apresentar algo original, Malthus só dava ares acadêmicos a um temor infundado que acompanhará a humanidade desde seus primeiros registros: De que o crescimento populacional levasse ao total esgotamento dos recursos naturais.
Na China antiga, 500 anos antes de Cristo, Han-Fei-Tsu, escrevera:
Nos tempos antigos, o povo era pouco numeroso, mais rico e sem luta. O povo, no presente, pensa que cinco filhos não é muito, e assim, cada filho tem outros cinco e antes da morte do avô já existem vinte e cinco descendentes. O povo aumenta e a riqueza diminui; trabalha muito e recebe pouco. A vida de uma nação depende de o povo ter alimento suficiente e não do número de seus habitantes” [1]
  
E Tertuliano, mais de um milênio depois repetia a mesma crença: “Os flagelos da peste, da fome, as guerras, e os terremotos passaram a ser consideradas bênçãos pelas nações superpovoadas, pois servem para podar o pródigo crescimento da raça humana” [2]. Malthus, portanto, estava só compartilhando uma preocupação infundada que acometeu muitos homens de ideias ao longo da história.

Mas de onde nasce esta preocupação com o crescimento demográfico? Por certo, do desconhecimento das dimensões e potenciais de nosso planeta. Porém, a medida que os estudos demográficos avançavam, esses temores eram dispersados por evidências logicas.

Em 1943, o economista francês Alfred Sauvy (1898-1990), apresentou um dos estudos mais relevantes a este respeito. Em Richesse et population, Sauvy demonstra que dos 50 % de áreas cultiváveis, apenas 10% são realmente utilizadas. Isto nos leva a deduzir que, ainda que se utilize uma área correspondente ao Estado do Pará, seria o suficiente para produzir alimentos para toda a população mundial. Oatuais conhecimentos que dispomos das dimensões terrenas e de seus potenciais enérgicos tornam risíveis qualquer alarmismo sobre os perigos do crescimento demográfico. 

Por outro lado, enquanto governos ocidentais ainda se preocupam obcecadamente com esta questão (o crescimento demográfico), um grande perigo os espreita: o envelhecimento de suas populações e as baixas taxas de natalidade. Perigo que já é sintomático em alguns países europeus e americanos.
Ao se defrontar com o inverso dos prognósticos alarmistas de Malthus e seus discípulos, alguns governos já adotam posturas risíveis para contornar a crise demográfica por eles causada.  Por certo, não estava nos planos de Malthus a possibilidade de que um dia, governos pagariam às mulheres para ter filhos; e tão pouco estava nos planos de Malthus os graves perigos em que nações se colocariam ao forjar a diminuição demográfica de sua população.


Um destes perigos a que se expõe uma nação ao diminuir sua população, é a total vulnerabilidade à incursão demográfica de outra. Enquanto, o Ocidente diminuiu avassaladoramente sua população, o Oriente a aumenta em ritmos vertiginosos, de modo, a se expandir para o lado ocidental, ao ponto de em algumas décadas, substituir totalmente os tipos étnicos que habitavam essas regiões. [4] Esta realidade já é sentida por nações como Alemanha, França e Itália, cujas taxas de natalidade de seus cidadãos nativos, já beira os 0 %.



Referências:

1. Apud in  ROSSETTI, José Paschoal. Introdução à Economia. 16º ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 459
2. Ibidem, p. 460 
4. theguardian.com/world/2017/nov/29/muslim-population-in-europe-could-more-than-double