O Novo Catecismo não aboliu o
ensinamento tradicional da Igreja sobre a pena de morte. Nele se diz:
“O ensino tradicional da Igreja não exclui, depois de comprovadas
cabalmente a identidade e a responsabilidade do culpado, o recurso à
pena de morte” (Catecismo §
2267) Porém, esta medida penal passou a ser quase desautorizada a partir do pontificado de João Paulo II até o de
Francisco. Recentemente, o Papa Francisco afirmou que "a defesa
da pena de morte era um ato imoral". Mas tal afirmação implica em
chamar de imoral o magistério tradicional da Igreja, e a grande
maioria dos santos, que em comunhão com este mesmo magistério,
sempre consideraram a pena de morte uma prática legitima e justa.
Santos
como S. Jeronimo, S. João Crisóstomo, Sto Agostinho, Sto Tomás de
Áquino, S. Bernardo, S. Boaventura, Sto Afonso de Ligório, S.
Roberto Belarmino entre outros, defenderam tenazmente esta prática;
Papas a apoiaram com denodo como S. Pio V, Inocêncio I, Inocêncio
III, S. Pio X, Pio XII; autores católicos de alta envergadura como
Donoso Cortés, Fulton J. Sheen, D. Jayme Balmes, a autorizaram com a
devida racionalidade; autores seculares de grande prestígio como C.
S Lewis, J. R. R Tolkien, filósofos cristãos e ateus como Rousseau,
Kant, Schopenhauer, Hegel, Leibniz entre outros a reputaram
fundamental para a ordem social. Há, portanto, uma licitude moral na
pena capital reconhecida e abalizada por homens ilustres e de ilibada
conduta ao longo da história.
No entanto, vivemos os tempos
onde um certo sentimentalismo exacerbado é a base para o julgamento
de todos os assuntos. Desta forma, parece-me que a maioria das
objeções que se vinculam atualmente contra a pena de morte partem
antes de precipitações emocionais do que de sólidos fundamentos
racionais. Portanto, caso se queira ponderar seriamente este assunto,
convém antes de tudo, deixar de lado o excessivo sentimentalismo, e
recorrer a uma óptica racional.
Convém notar, também, que esta
mentalidade que repudia a pena de morte, é bem recente! Até o final
do século XX, a maioria dos países ocidentais adotava a medida com
naturalidade, e até sob aclamação popular. E até o começo do
século XVIII, – segundo Mr. Leven –, não se conheciam países
que não aplicassem a pena de morte a seus malfeitores (Introduction
de la peine de morte), A repulsa que o termo adquiriu
parece ser um produto de nossos tempos.
O testemunho dos santos
Aqui, reuni alguns trechos de
papas e santos sobre a pena de morte, a começar pelos assim
chamados “doutores máximos”.
Os dois maiores doutores da
Igreja, Sto Agostinho e Sto Tomás de Áquino, foram unânimes no
reconhecimento da licitude moral da pena de morte.
Em
De Civitate Dei, Santo
Agostinho faz esta importante observação sobre o mandamento de não
matar:
“Não violaram o preceito, não matarás, aqueles
que, movidos por Deus [e nisso incluem-se
santos como S. Luís IX, Beato Urbano II, S. Fernando de Castela,
Joana d’Arc] levaram a cabo guerras, ou os que, investidos de
autoridade pública
e respeitando a sua lei, isto é, por imperativo de uma razão
justíssima, puniram com a morte os criminosos” (Livro I, Cap. XXI)
E
completa o maior dos doutores católicos, Sto Tomás de Áquino:
“
Privar da vida os criminosos não só é lícito como também
necessário, se são perniciosos e perigosos à sociedade” (Suma
Teológica, 1-2, q. 8, a3; 2-2, q. 64, a2)
Mas,
além destes, outros santos a aprovaram como S. Jerônimo que a seu
respeito escreveu em seus Comentários sobre Ezequiel:
"Aquele
que ataca os ímpios em seus vícios e usa um instrumento de morte
para matar os vilões incorrigíveis, este é ministro de Deus”.
E
em seus Comentários sobre Jeremias, o santo
repete o mesmo argumento:
“Punir
os assassinos, os homens sacrílegos
e envenenadores, não é um derramamento de sangue,
mas a administração
da lei” (Cap. 22)
S.
João Crisóstomo:
S. João Crisóstomo teve uma posição semelhante a este respeito. Escreve ele:
“Tu dizes ser Deus cruel por
haver mandado tirar olho por olho, pois se a lei de Talião é
crueldade, também o será reprimir o assassino e cortar os passos ao
adúltero. Mas isto só um insensato e um louco poderão por remate
afirmá-lo. Eu, de minha parte, tão longe estou de dizer que haja
crueldade nisso, que melhor afirmo que, em boa razão humana, o
contrário seria antes uma iniquidade… Imaginemos, senão, por um
momento que toda a lei penal foi abolida, e que ninguém tenha que
temer castigo, que os malvados possam,
sem temor, satisfazer suas paixões; que possam roubar, matar, ser
perjuros, adúlteros e parricidas. Não é assim que tudo se
transtornaria de cima a baixo, e que cidades, praças, famílias, a
terra, o mar, o universo inteiro se encheria de crimes e
assassinatos? Evidentemente, porque se com todas as leis e seu temor
e ameaças, os malvados a duras penas se contêm, se essa barreira se
deixara, que obstáculo restaria para impedir o triunfo da maldade?
Com que virulência não intentariam contra nossas pessoas e contra
nossas vidas? Com isso, juntar-se-ia outro mal menor, o deixar
indefeso o inocente e constir que sofra sem razçai e sem motivo.”
(Sancti. Joannes Chrysostomi. Opera omnia, Migni
P. L. VII, Col. 246-246 – Ed. esp. de la BAC. 141, Madrid, 1955, I,
324-325)
E junto com estes, incluem-se:
Clemente
de Alexandria:
“Quando alguém se mostra
incorrigível e se lança ao crime, então o governante, que tem o
cuidado de todos, deve com muito justo direito, levá-lo à morte,
para que não cause dano aos demais” (Clementis Alexandrini, Quae
extant opera, Paris, 1572,
Stromata, I, p. 114)
S.
Roberto Belarmino:
“É lícito a um magistrado
cristão punir com a morte os perturbadores da ordem pública. Isto é
provado, primeiro, pelas Sagradas Escrituras, pela lei natural, pela
lei de Moisés, e nos Evangelhos (…) é dever de um bom governante,
a quem foi confiado o cuidado do bem comum, impedir aqueles membros
que existem pelo benefício de prejudicá-lo, e portanto, se ele não
pode preservar todos os membros em unidade, ele deveria preferir
cortar um do que permitir que o bem comum seja destruído”.
(De laicis, cap.
XIII)
Sto Hilário de Poitiers, diz que é lícito matar em dois casos: "Se um homem está
cumprindo a função de juiz, ou se ele está usando uma arma em sua
própria defesa". (Epístola III a Exuperius. Cap. 3) Do modo como ensinou S. Paulo em sua carta aos Romanos: "
"As autoridades inspiram temor, não porém a quem pratica o bem, e sim a quem faz o mal! Queres não ter o que temer a autoridade? Faze o bem e terás o seu louvor. Porque ela é instrumento de Deus para teu bem. Mas, se fizeres o mal, teme, porque não é sem razão que leva a espada: é ministro de Deus para fazer justiça e para exercer a ira contra aquele que pratica o mal". (Romanos 13, 3-4)
Mas
há um outro aspecto da pena de morte que costumeiramente deixado de lado, a
questão espiritual. Já que nenhum ser humano é indiferente a
realidade da morte, há uma certa "utilidade" espiritual nesta pena.
Um criminoso, por mais endurecido que seja, ao
ser confrontado com a morte, tem uma chance única de se redimir
perante Deus e a sociedade que ofendeu com seus crimes. A história
nos mostra que a pena de morte foi um instrumento eficaz de
santificação para muitos celerados. Roberto Belarmino, o exímio
doutor católico, via na execução de um condenado, a possibilidade
deste expiar sua culpa diante de Deus e dos homens. Deste modo, cabe
dizer que a pena de morte também possui um caráter expiatório –
e não só correcional –, de que tiveram necessidade de impor todas as sociedades a seus criminosos. Mas tais pensamentos são
demasiadamente estranhos à uma sociedade que perdeu por completo a
noção de pena e culpa; de justiça e temor e de pecado.