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quarta-feira, 14 de outubro de 2015

Revendo a Inquisição



            Em nossos dias, quando se fala em Inquisição, a imaginação popular é imediatamente povoada por cenas horripilantes dos “terríveis” tempos medievais com suas fogueiras e vítimas inocentes sendo condenadas injustamente à morte por uma instituição opressora chamada Igreja Católica. Neste contexto, figuravam os religiosos impiedosos e cruéis com seus variados instrumentos de torturas prontos a esfolar qualquer um que lhe cruze o caminho despreocupadamente.
Assim, a maioria das pessoas acostumou-se a pensar em Inquisição, sem no entanto, possuir dela qualquer conhecimento aprofundado, ou mesmo certificar seriamente se o que aprendeu na escola corresponde fielmente aos fatos.

É público e notório que esta visão hedionda que povoa a imaginação popular foi forjada maliciosamente há séculos, especificamente na Renascença; ganhou força e notoriedade entre os “iluministas” – embora estes, tenham conservado um certo limite no repertório de mentiras elencadas contra esta instituição – e se impregnou nas mentes através de repetições exaustivas ao longo de mais de cinco séculos.

Mas, foram de fato a crueldade e a intolerância as forças motrizes deste tribunal tão odiado chamado “Santa Inquisição”? Eis uma pergunta que deveria nos deter nos umbrais desta questão, antes de repetir tantos chavões que nascem antes da ignorância do que de qualquer conhecimento real do assunto. A vida de tantos inquisidores da estatura moral de um São Domingos de Gusmão; um São Luís Bertran; um S. Pio V e tantos outros nos mostram um outro lado da inquisição que foi omitido nas aulas de história.


São Domingos de Gusmão, Santo
Inquisidor, fundador dos dominicanos


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O espírito da Inquisição nasceu de nobres ideais e de uma preocupação legitima da época (que veremos mais adiante). E um destes ideais, tão caro ao homem medieval, era o amor à verdade. Foi este ideal que animou a conduta de muitos destes homens tão difamados, que no entanto, mereceram a honra dos altares.

Os inquisidores não agiam impulsivamente, condenando a torto e a direito qualquer um. Havia uma regra de conduta fundada na lei evangélica e nos ensinamentos dos santos a guiá-los, e quaisquer transgressões destas regras, acarretavam graves punições ao inquisidor. Uma síntese destas regras de conduta se encontra no Manual do Inquisidor de Bernard de Gui (considerado um dos mais rígidos inquisidores, viveu séc. XVI). Nele se diz:

“O inquisidor deve ser diligente e fervoroso no seu zelo pela verdade religiosa, pela salvação das almas e pela extirpação da heresia. Em meio as dificuldades permanecerá calmo. Nunca cederá à cólera, nem à indignação. Deve ser intrépido, enfrentar o perigo até a morte; todavia, não precipite as situações por causa da audácia irrefletida. Deve ser insensível aos rogos e às propostas daqueles que o querem aliciar; mas também não deve endurecer o seu coração a ponto de recusar adiamentos e abrandamentos das penas, conforme as circunstâncias. Nos casos duvidosos, seja circunspecto; não dê fácil crédito ao que parece provável e muitas vezes não é verdade; também não rejeite obstinadamente a opinião contrária; pois o que parece improvável, frequentemente acaba por ser comprovado como verdade. O amor da verdade e a piedade que devem residir no coração de um juiz, brilhem nos seus olhos, a fim de que suas decisões jamais possam parecer ditadas pela cupidez e crueldade”.(cf. Prática VI, Douis 232s).

Estas exigências de que fala acima “o manual do inquisidor” foram marcantes na vida dos verdadeiros símbolos do espírito que guiou a inquisição, tal como: S. Domingos de Gusmão (a personificação dos verdadeiros ideais da Inquisição) S. Pio V, S. Pedro de Verona, S. Raimundo de Peñafort, S. Pedro Arbués, S. Turíbio de Mongrovejo, S. Luis Bertran e tantos outros homens santos que integraram estas egrégias fileiras, além de outras figuras notaveis da cristandade, que apoiaram a Inquisição como Sto Antônio de Pádua, S. Boaventura, Sto Tomás de Áquino, S. João de Capistrano, S. Roberto Belarmino, S. Fidelis de Sigmaringen e a lista vai longe.
Evidente que, como em todas as instituições humanas a Inquisição teve seus pontos falhos, mas querer reduzir a conduta de toda uma classe a partir de uma pequena parcela de seus membros corrompidos é absurdo! Não se faz isso com a medicina, apesar de seus maus médicos; não se faz isso com a arquitetura, apesar de seus maus arquitetos e, não se faz isso com o direito apesar de seus maus juristas. Se por um lado, a Inquisição teve as figuras perversas de Torquemada, Conrad de Marburg, Bernard de Gui, por outro lado, teve as figuras angelicais de S. Domingos de Gusmão, S. Pio V, S. Pedro de Verona, S. João Capistrano, e tantos outros santos cujos nomes são omitidos da lista de inquisidores, para se lembrar só dos maus. É como se contassem a história dos apóstolos a partir da biografia de Judas Hiscariotes.

Mas, felizmente, a nuvem negra que paira sobre a história da inquisição começa a se dissipar. Em 1998, no Vaticano, ocorreu o grande Simpósio Internacional sobre a Inquisição, reunindo 30 renomados historiadores sob a direção do autorizado pesquisador Agostino Borromeo, para o maior estudo sobre a Inquisição já feito. O resultado do simpósio nos legou um documento de quase 800 páginas, que é leitura obrigatória para todo aquele que se põe a pontificar a respeito deste tema.

O simpósio descobriu uma realidade bem diferente do que nos foi ensinado em tantos séculos de deturpação ideológica. Segundo os dados sobre o mais caluniados dos tribunais da Inquisição: o espanhol, abolido em 1834. Os registros dos processos indicam que de 1540 a 1700, foram celebrados 44.674 juízos por tribunais inquisitoriais, sendo condenados apenas 2% (mais precisamente, 1,8%) das pessoas julgadas; outros 1,7% foram condenados em contumácia, ou seja, não foram justiçados pessoalmente, mas em lugar delas foram queimados ou enforcados fantoches. Um número “insignificante” perto dos estragos perpetrados por comunistas e jacobinos em suas revoluções.

Porém, contrapondo-se a conclusão unânime deste grande Simpósio, muitos, obstinados no ódio à Igreja, desprezam suas conclusões, e continuam a crer piamente nas fontes duvidosas dos séculos XVI, XVII, que nunca passaram por um exame apurado. Questionam a conclusão dos especialistas, mas são incapazes de questionar as versões históricas infundadas que absorveram passivamente.

A necessidade da Inquisição

Antes de analisar o tribunal da Santa Inquisição, deve-se analisar a justiça penal que a antecedeu. Assim como, antes de se analisar um fato histórico se analisa o contexto e a mentalidade que a gerou. Se não, corre-se o risco de julgar o passado à luz do presente, e assim, cair em grave anacronismo.
No mais, outros valores regem nossa sociedade, totalmente opostos aos que regiam a Idade Média. Em nossa época, impera nas mentes e nos corações o materialismo, o hedonismo, o relativismo etc. Enquanto, na Idade Média o povo tinha fé num Deus onipotente, justo e amoroso. Portanto, lida-se com fatos de outra natureza mental, totalmente estranhos a nossa mentalidade. Logo, para compreender tal universo cultural, devemos nos inserir num clima religioso, caso contrário, não se poderá julgar adequadamente os fenômenos da época. O mesmo ocorrerá com os historiadores do futuro que julgarem a nossa época. Deverão se transportar a nossos valores e nossa cosmovisão para nos entender.

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O advento da Inquisição representou um grande avanço para a justiça criminal da época. Uma visada sobre a Europa pré-cristã, onde predominava a barbárie dos costumes, nos faz entender o porquê desta afirmação.
Um dos exemplos de diversões dos povos romanos era o circo, não o circo nos moldes atuais, mas o circo em que se exibiam como atração principal: pessoas sendo trucidadas por feras. Outro exemplo de espetáculo da época, era a crudelíssima luta de gladiadores que atraía multidões às arenas. Isso fazia parte do contexto anterior a cristianização da Europa.
Entre os germânicos, tais episódios ainda eram mais escabrosos. De modo, que não mencionaremos para não ser demasiadamente chocantes, embora – tais episódios, sejam bem conhecidos. Se uma sociedade se divertia através de selvagerias, imaginemos como punia seus criminosos!

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Naqueles tempos, todos os crimes tinham punições severas – na maioria dos casos, penas físicas –, que eram aplicadas em praça pública para o deleite das turbas insandecidas, principalmente quando se tratava de prostitutas e ladrões.

Os blasfemadores, por exemplo, tinham os lábios superiores ou inferiores cortados, ou a língua arrancada; os ladrões tinham as mãos decepadas ou queimadas. Mas isso tudo não se comparava a uma pena aplicada na Itália, onde o condenado sofria um suplício hediondo por quarenta dias. Neste suplício, a cada dia, o condenado tinha uma parte do corpo arrancada até seu definitivo expirar. Além dos terríveis e injustos ordálios que vigoravam na cultura germânica.
Penas como estas predominavam naqueles tempos da Europa pagã e, naturalmente, no caráter daquele povo estava impresso uma insensibilidade insensata que não se comovia com os suplícios dos condenados, antes se compraziam em assisti-los. Em suma, a lei de Talião vingava e prosperava na Europa.
Sem falar da clássica “justiça com as próprias mãos” que no mais das vezes, era a forma mais comum de se fazer justiça naqueles tempos. Imaginemos o caos em que estava imersa aquela sociedade!
O cristianismo sendo um fator de unidade do Estado, teve a incumbência de colocar ordem naquele caos. Porém, esta intervenção demorou a ocorrer.
E a desordem se generalizou quando o direito romano consagrou os crimes contra a fé, como crimes de lesa-majestade divina, que daí por diante, passaram a ser punidos com todo o rigor da lei civil.
O imperador Frederico II, também promulgou uma série de penas contra os hereges – entre elas, a condenação à fogueira – que muito agravava a condição dos acusados de heresia. E isto, não porque Frederico fosse um zeloso católico, mas porque via na heresia um grave distúrbio da ordem social.

Também não havia naquela época a prisão para os criminosos, esta pena foi inicialmente aplicada pela Igreja para salvar da crudelíssima morte muitos inocentes. Os cárceres eram as celas dos mosteiros, onde o criminoso ficava recluso para pensar suas culpas e fazer penitências por elas.
Após esta rápida visada pelo contexto medieval que antecedeu a Inquisição, nos perguntamos: Como se pode falar da Inquisição e ignorar todo este contexto hediondo que a precedeu? A brutalidade que o Império Romano e os povos germânicos puniam seus criminosos? Como ignorar esta realidade tão cruel que a Inquisição veio extirpar?

Analisar um episódio de um longínquo passado, e ignorar o ambiente e a situação que a motivou é um despautério imperdoável a um historiador, no entanto, foi assim que se ensinou a história em nossos dias. Ensinou-se com o mesmo ódio anticlerical com que se deturpou a História. Ora, porque a justiça do Império Romano, e mesmo a justiça germânica, tão atrozes, são isentas destas afrontas que sofre injustamente a Inquisição?

Portanto, é imprescindível lembrar que a Inquisição foi produto de um tempo muito diferente da nosso. E na época, significou o maior avanço do Direito Penal. De forma muito sucinta, o historiador protestante, e inimigo declarado da Igreja, Henry Charles Lea, analisou desta forma o tribunal da Santa Inquisição:

“A inquisição não foi uma organização arbitraria concebida e imposta sobre o sistema judicial da Cristandade pela ambição e o fanatismo da Igreja. Foi antes o produto natural – poder-se-ia dizer inevitável – da evolução das diversas forças de ação do século XIII […] Os inquisidores se preocupavam muito mais em converter os hereges do que em fazer vítimas”.(LEA, Henry Charles. A History of the Inquisition of the Middle Ages. Vol. I, New York: Harper & Brothers Franklin Square, 1887)

Esta afirmação tem uma importância singular, tanto pela imparcialidade do autor – que foi um ferrenho anticlerical – e por sua indiscutível autoridade no assunto, um dos maiores especialistas em Inquisição de todos os tempos.
Até a anticlericalíssima Enciclopédia Iluminista de Diderot e D'Alembert, reconhecia a desonestidade com que se tratava a Inquisição:

“Sans doute qu’on a imputé à un tribunal, si justement détesté, des excès d’horreurs qu’il n’a pas toujours commist: mais c’est être maladroit que de s’élever contre l’inquisition par des faites douteux, et plus encore, de chercher dans le mensonge de quoi la rendre odieuse”
(Sem dúvida, imputamos a um tribunal, tão justamente detestado, excesso de horrores que ele mesmo nem sempre cometeu; é incorreto que se levante contra a Inquisição fatos duvidosos e mais ainda, procurar na mentira o meio de torná-la odiosa).(Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des sciences, des arts et des métiers, Tomo VIII edição de 1765, p. 775)

De fato, como bem diz a Enciclopédia Iluminista, os inimigos da Igreja se apoiaram incondicionalmente na mentira como forma de demonizar a Igreja e suas instituições.

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Após esta síntese sobre o caótico cenário do sistema criminal antes da instauração da Inquisição, vamos ao fato que a motivou – já que além de omitirem o ambiente selvagem que a precedeu, com muita frequência se omite o que a motivou.

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Uma das características dos povos bárbaros que habitavam a Europa nos tempos medievais, era a fidelidade total a um líder, de modo que, ao se converter um rei bárbaro ao cristianismo (como aconteceu com Clóvis) todo o seu povo o seguia nesta adesão; embora, não acontecia uma adesão formal, mas uma adesão meramente simbólica, sem que os súditos sigam fielmente os ensinamentos da religião do monarca.
Inclusive, o supracitado, Rei Clóvis, a despeito de sua conversão ao cristianismo, ainda conservou por muito tempo o típico temperamento que caracterizava os bárbaros.
Conta-se que certa ocasião lhe narravam a Paixão de Nosso Senhor e, enquanto descreviam os escárnios e suplícios sofridos por Jesus; Clóvis, indignado, exclamava cheio de fúria: “Ah, se eu estivesse lá com os meus francos!”

Assim aconteceu, durante a conversão dos francos. Que colocaram a disposição da Igreja seus dotes guerreiros; e desta forma, entravam em ação sempre qualquer ameaça se apresentava contra a Igreja. Portanto, para aquele povo brutalizado, qualquer um que atentasse contra a fé do seu líder, era visto como um grande inimigo, digno da mais severa punição.

A Igreja não aprovava tais atitudes e até as repreendia duramente. Tanto que excomungou os autores de um livro que se afamou na época, o Malleus Maleficarum, pregando a violência a supostos hereges. Leão X excomungou Torquemada por seus excessos, e o VI Concílio de Toledo proibiu terminantemente aos clérigos participarem dos juízos de sangue, ou seja, aos que implicassem a pena de morte. Mas era impossível para a Igreja ter um controle sobre o povo a fim de evitar excessos em defesa da fé.

Os cátaros

Passemos agora ao punto saliens da questão: Os cátaros.
Todos estes pontos supracitados, se agravaram em proporções catastróficas no século XIII com o despontar de uma estranha e terrível heresia que provocou grandes distúrbios na sociedade da época.
Eram os cátaros (do grego Khatarós, puros), mais conhecidos como albigenses por situarem sua sede na cidade de Albi, no Lanquedoc (sul da França).
Os cátaros sustentavam uma estranha cosmologia, onde dois deuses travavam uma ferrenha batalha pelas almas. Na crença catara, Cristo teria sido um espírito, semelhante a um anjo, e sua missão seria conduzir a humanidade ao mundo espiritual. Por outro lado, havia um Deus mau, criador da matéria, que eles chamavam demíurgo, conforme a tradição grega; e a este cabia o papel de fazer as pessoas viverem e amarem a matéria, para assim se perderem nela, sem jamais encontrar o mundo espiritual.
Neste universo dualista, o corpo e a matéria seriam o cárcere da alma, que lutava por se libertar do mundo material a todo custo, e só assim, alcançar a bem-aventurança eterna no mundo espiritual. Logo, tudo que era material e tudo que favorecesse a matéria, significava um triunfo do demiurgo no mundo. Por isso, os cátaros, eram contra a propriedade privada; o casamento; o sexo e a gravidez. Em suma: eram contra a própria vida biológica, fonte de onde emanava os males da humanidade. E neste desvario pseudo-teológico, muitos cátaros praticavam suicídio em massa, através de jejuns suicidas (endura). Outra prática revoltante dos cátaros, era o assassinato de mulheres grávidas e a destruição de plantações inteiras. Isso, segundos os hereges, para conter o crescimento do reino do demiurgo no mundo.
Os cátaros, portanto, eram um perigo não só para a fé, mas, para toda a humanidade – como eram contra a vida biológica – seu triunfo no mundo significaria um desastre irreparável ou até mesmo a extinção da civilização ocidental.
Naturalmente, esta insana heresia, provocou muitas revoltas no medievo e, muitos faziam justiça com as próprias mãos diante de tão odiosas práticas.
A situação tornara-se tão caótica, que tiveram que recorrer ao Papa, a autoridade máxima da época, para apaziguar a questão.
O Papa optou pelo lado diplomático, enviando ao Lanquedoc o bem-aventurado Pierre Castelnau (1170-1208) para negociar com os hereges.
Estas negociações duraram cerca de 20 anos, sem nenhum resultado, até que Pierre de Castelnau foi brutalmente assassinado pelos cátaros em 1208, o que veio a desencadear uma incontrolável revolta, culminando em uma cruzada contra os albigenses (1209 e 1244) convocada pelo Papa Inocêncio III. A Cruzada contra os cátaros durou cerca de 20 anos, e neste clima de revolta, era comum, simples suspeitas de heresia terminarem em justiçamento pelo povo.

Com a situação fora de controle, o Papa Gregório IX (1227-1241) resolveu intervir, criando o Tribunal da Santa Inquisição (Inquisitio Hæreticæ Pravitatis) por volta de 1231, (chamada Inquisição Pontifical) para investigar e apurar as denúncias de heresias que o povo fazia antes de se entregar o acusado ao braço secular, que era encarregado de punir os criminosos.

A Inquisição trouxe abrandamentos e indiscutíveis avanços ao direito penal da época. Como por exemplo, o fundamental direito de defesa ao acusado. O próprio Michel Foucault, autor tão apreciado nos meios anticatólicos reconheceu o papel da Inquisição no desenvolvimento de uma ordem legal. Escreve ele:
"O inquérito foi com efeito a peça rudimentar e fundamental, para a constituição das ciências empíricas; foi a matriz jurídico-política desse saber experimental, que, como se sabe, teve seu rápido surto no fim da Idade Média. É talvez verdade que a matemática, na Grécia, nasceu das técnicas da medida; as ciências da natureza, em todo caso, nasceram por um lado, no fim da Idade Média, das práticas do inquérito. O grande conhecimento empírico que recobriu as coisas do mundo e as transcreveu na ordenação de um discurso indefinido que constata, descreve e estabelece os “fatos” (e isto no momento em que o mundo ocidental começava a conquista econômica e política desse mesmo mundo) tem sem dúvida seu modelo operatório na Inquisição — essa imensa invenção que nosso recente amolecimento colocou na sombra da memória." (Vigiar e Punir)

É aqui que se ergue outro ponto candente desta história, e que é ao mesmo tempo fruto da total ignorância por parte dos detratores desta instituição. Acusa-se a Inquisição de diversos crimes como a tortura e o assassinato, funções exclusivas do braço secular. Portanto, ninguém era morto em “autos de fé” como absurdamente se convencionou afirmar.
A Inquisição, como seu próprio nome sugere (inquérito), era um mero tribunal de investigação de crimes contra a fé, portanto, não era órgão punitivo, mas meramente, investigativo. No mais, em toda a história nunca se viu tribunal mais clemente que este, salvo alguns poucos casos particulares em que o poder eclesiástico foi usurpado pelo poder civil.
O réu da Inquisição gozava de tais indultos que não se veem nem nos tribunais modernos. Um exemplo famoso é o de Alazais Sicrela no ano de 1250, que recebeu licença para passar uns dias fora do cárcere e retornar no dia de todos os santos. Alazais ficou sete semanas longe do cárcere. E isto não foi uma rara excesão, o direito as férias era comum, além do direito que o acusado tinha, chamado propter infirmatatem, em que o réu podia sair do cárcere para tratar-se, caso estivesse enfermo.
Em geral, eram raros os casos em que o tribunal entregava o acusado ao braço secular, geralmente o simples arrependimento do acusado perante o tribunal e a renúncia de seus erros era o suficiente para sua absolvição. No mais, as penas consistiam em peregrinações, jejuns esmolas e outros atos de piedade.

Conclusão

Afirmou-se por muitos séculos que a Inquisição matou milhões, e acreditou-se piamente nisso, mas esta acusação é tão infundada e absurda que não resiste ao mínimo questionamento sério e a uma pesquisa aprofundada. Não resiste as próprias contradições anticlericais, deixadas nos milhares de livros por eles escritos.
É espantoso o número de vítimas que fez o comunismo em sua história, mais de 100 milhões, no entanto esta doutrina é sumamente louvada em nossas escolas e universidades, e tal louvor parte exatamente, das mesmas figuras que detratam a Inquisição. A Revolução Francesa que em um ano matou mais que a Inquisição Espanhola em seis séculos (1478-1834) é incensada nos meios acadêmicos, a própria “Inquisição” protestante, com seus horrores insuperáveis é esquecida pelos livros de história. Por que só se maximiza os erros da Inquisição? Porque se oculta seu lado positivo? Porque os que protagonizaram as revoluções sanguinárias e anticristãs foram os mesmos que escreveram a história.
Assim, há séculos a história é escrita com a tinta do mais puro preconceito. De modo, que não recebemos outra visão dos fatos senão a daqueles que deturparam a história desde a renascença. Mas, qualquer um que resolver exceder os limites desta visão limítrofe e odiosa, entrincheirada com slogans e clichês irrefletidos, descobre uma realidade totalmente diferente do que aprendeu nos livros anticlericais. Descobre algo a mais além das fogueiras e das lendas negras; descobre o direito penal moderno nascendo nos tribunais da Inquisição; descobre santos trajando a toga de inquisidor; descobre a fé de um povo combatendo com denodo os perigos que ameaçavam os rumos de nossa civilização .


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