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terça-feira, 3 de maio de 2022

O Senso dos Fiéis em tempos de Apostasia: O Exemplo do Clero Refratário

 

Les prêtres réfractaires exécutés, Victor Livache. Interior da Catedral da Santíssima Trindade (Mayenne, França)


Diversas vezes, em sua história, a Igreja passou por momentos em que "seu rebanho teve que manter distância do pastor". (1) 

Um evento particular se deu no século XVIII para ilustrar essa verdade. 

Durante a Revolução Francesa, um duro golpe foi imposto a fé: a submissão do clero ao Estado revolucionário. Contra isto, se levantaram os novos confessores da fé, como ocorre em tempos de confusão. O chamado clero refratário (aqueles que fiéis à Igreja, se recusaram prestar juramento a República).

Um exemplo histórico de como esse evento afetou a vida dos fiéis, encontramos na biografia de São João Maria Vianney escrita pelo Pe. Francis Trochu:

“A igreja continuou aberta, pois veio outro sacerdote, enviado pelo novo bispo de Lyon, um certo Lamourette, amigo de Mirabeau, nomeado pela constituição, sem mandato de Roma, em lugar do venerável Mons. Marbeuf. O novo cura, assim como o novo bispo, haviam prestado o juramento; mas como poderia suspeitar a boa gente de Dardilly que a Constituição Civil, da qual ignoravam talvez até o próprio nome, pudesse conduzi-la ao cisma e à heresia? Nenhuma mudança aparente se havia operado, quer nas cerimônias, quer nos costumes paroquiais. As pessoas simples de coração assistiram por algum tempo, sem escrúpulos à missa do “padre juramentado”. Do mesmo modo procedeu com toda a boa fé Mateus Vianney, a  esposa e os filhos.”

Mas, note-se a diferença daquele tipo de fiel, dos tempos de S. João Maria Vianney. Não tardou muito para eles perceberem que havia algo errado naquelas missas.

Continua o biografo:

“Entretanto, abriram-se lhe os olhos. Catarina, a mais velha das filhas, posto que naquela época não contasse mais de doze anos, foi a primeira a pressentir o perigo. No púlpito, o novo pároco nem sempre tratava dos mesmos assuntos como o Pe. Rey (o pároco afastado pelos revolucionários). Os termos cidadãos, civismo, constituição, pontilhavam suas homilias. Às vezes descambava em ataques aos seus sucessores. Cada vez mais o fluxo de pessoas à igreja era menos homogênea e, apesar disso, mais minguado do que outrora; pessoas muito piedosas não compareciam mais aos ofícios divinos. Onde, pois, ouviam missa nos dias de festa? Pelo contrário, iam outros que nunca haviam frequentado o templo. Catarina sentiu certos receios e os manifestou à mãe.”

 

A um verdadeiro católico, tudo que foge a normalidade de sua fé, mesmo vindo de um sacerdote, não passa despercebido.

Note-se ainda que a situação descrita é muito semelhante ao que se verifica hoje, com um agravante: naquele tempo, não há registro que o clero juramentado possuísse os níveis de depravação que se verifica no clero moderno. No entanto, ninguém parece perceber nada de estranho em tudo isso.  

O que teria ocorrido com o senso dos fiéis? A resposta é simples: gerações foram formadas dentro das mudanças impostas pelo Vaticano II, sem jamais conhecer o verdadeiro catolicismo; seus costumes e seu clero original. É muito mais difícil exigir a um católico moderno que tenha a percepção da pequena Catarina Vianney. No entanto, ninguém pode ser desculpado plenamente, já que, a qualquer católico, realmente fiel e comprometido com sua fé, sempre ficará uma lacuna no ar, nas falas, nos gestos, e na vida de suas paróquias. A falta de reverência do clero perante o santíssimo sacramento, a estranha vaidade e materialismo de pessoas que supostamente teriam professado votos evangélicos; a negligência de bispos perante questões que afetam a fé; e a covardia, até de um papa, diante do mundo anti-católico.

Tudo isso, é de uma clareza irresistível a qualquer um, que tenha horror as trevas.


1. John Henry Newman, A Ideia de uma Universidade. Trad: Bruno Alexander. 1º Ed. Ecclesiae, 2020, p. 333


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