Por Erick Ferreira
Nunca, em nenhuma sociedade
humana, desde que os homens se tornaram criaturas racionais, vieram,
ou teriam vividos, sem religião
Leo Tolstoy, What is religion
Lançai um olhar por toda a
superfície da terra, e podereis achar cidades sem trincheiras, sem
letras, sem magistrados, povos sem habitações, sem uso de dinheiro,
mas um povo sem Deus, sem orações, sem ritos religiosos, sem
sacrifícios, nunca se viu
Plutarco
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Há duas disposições que são
próprias do gênero humano: o senso de beleza e a disposição para
a religião. Ambas se verificam facilmente por toda parte. Vamos
tratar primeiro desta última: a predisposição religiosa do homem,
algo que o separa radicalmente dos seres irracionais.
Toda a terra está repleta das
experiências religiosas do homem, de modo que há tempos se
constatou que todos os povos sempre foram religiosos, demonstrando
assim que a existência de Deus e a sua busca é uma necessidade
sentida por todos os homens em todas as épocas. Até mesmo os poucos
ateus – que sempre existiram em estado errático,
como diz Armand de Quatrefages – nunca conseguiram se esquivar
totalmente deste problema, e passaram suas vidas inteiras inquietos
com a ideia de um Deus.
Embora existam algumas objeções
a afirmação de que não existam povos ateus, elas são muitos
frágeis para se sustentar. Apresentemos aqui algumas delas.
David Hume em sua obra History
of natural religion, insinuou que poderiam existir povos sem
religiões, evocando certos relatos de viajantes: “Se aquilo que
os historiadores e os viajantes dizem é verdade, foram
descobertas algumas nações que não mantinham quaisquer opiniões
religiosas”. Percebe-se neste trecho uma clara insegurança do
autor em sua afirmação.
Alguns
anos depois, outra afirmação muito semelhante em defesa da
existência de povos ateus vem se
somar a de Hume. O
renomado historiador Will Durant, escreveu
em sua The
Story
of Civilization: “Se
definirmos a religião como o culto das forças sobrenaturais,
devemos observar que no início de alguns povos não havia religião.
Em certas
tribos de pigmeus
da África não se observava culto ou ritos; eles
não tinham totem; nem
fetiches; nem deuses; eles sepultavam seus mortos sem cerimônias, e
pareciam dar
pouca importância
a elas; eles tinham carência de superstições, isto
se
pudermos
acreditar de alguma forma nos
incríveis
relatos
de
viajantes”.
(DURANT,
1942, p. 56).
As
afirmações
de Durant, assim como a de Hume estão
fundamentadas
sobre testemunhos
de viajantes; viajantes
de
um passado
bem remoto, em especial, do
geógrafo grego Strabo, (64
a.C. – c.23 d. C)
que
registrou esta
suposta descoberta
em suas Geográfias
(I,
2, 8).
Mas
tal
relato contrasta radicalmente
com
uma
indiscutível autoridade dos
tempos de Strabo. O
escritor grego
Plutarco,
o
afamado pai
da biografia
(46/49, 125, a. C) que viveu alguns anos antes de Strabo, e
escreveu
em suas
Morais
(Vol.
V, Contra
Colotes)
este
relevante
testemunho:
Lançai
um olhar por toda a superfície da terra, e podereis encontrar
cidades sem muralhas,
sem literatura,
sem reis,
sem habitações, sem uso de dinheiro, sem
teatros e lugares de exercício,
mas um povo sem templos
e deuses;
sem
orações, sem ritos religiosos, sem sacrifícios, tal,
nunca
se viu (PLUTARCO,
1883,
p.
920) E
continua o autor na mesma obra: “É
mais fácil fundar uma cidade no ar do que construir uma cidade sem a
crença nos deuses”.
A
afirmação de Plutarco vem receber confirmação da etnografia do
Dr. Friedrich Ratzel – aclamado
como
“Pai da Geografia Moderna” – que assim escreve em sua
História da
Humanidade: “A
etnografia
não conhece raças
desprovidas de religião, mas somente diferenças no
grau
em
que
as ideias religiosas estão
desenvolvidas”
(RATZEL,
1896, p. 40),
e
junto a esse importante
relato da etnografia,
ainda acrescento a conclusão notável do célebre
naturalista
francês Armand
de
Quatrefages, que
em sua histoire
générale des races humaines assim
pontifica:
“Após
longo tempo de estudos detalhados sobre
todas as raças do
globo, cheguei
a
conclusões absolutamente contrárias
as precedentes [...]
Procurei
o ateísmo com
o maior cuidado, e
não
o
encontrei
em lugar nenhum,
a não ser em estado
errático; entre
algumas seitas filosóficas de nações das mais antigas
civilizações.”
(QUATREFAGES,
1887,
p.
252-283)
Mas,
além destes
breves
testemunhos
de
especialistas, ainda resolvi reunir o testemunho de notórios
ateus e
anticlericais que muito
a
contra-gosto deporam em favor desta verdade, como Jean-Jacques
Rousseau, que
em
seu Do Contrato
Social
escreveu:
“Jamais
se fundou nenhum Estado, sem que a religião se servisse de
fundamento” (1.4, c. 8); e
ainda, a opinião de
Voltaire, que
costumava terminar suas cartas com uma frase tenebrosa “Esmagai a
infame”, em referência a Igreja. Este ferrenho inimigo da
religião,
assim escreveu em seu Tratado
da Tolerância:
“Onde quer que há uma sociedade, a religião é de todo
necessária”
(Tratado da Tolerância, c. 20)
Esta
predisposição
natural dos homens pela religião – facilmente observada em
todos os povos –
segundo alguns
ateus,
trata-se de uma resposta evoluída da natureza. Se
esta tese estiver correta,
significa,
conseguintemente,
que
o
ateísmo só existe em estágios inferiores da humanidade e entre os
animais.
Há
desejos no homem que o impelem inevitavelmente ao absoluto, como o
desejo de beleza, de verdade, de amor, de bondade,
e
tais
desejos não encontram respostas satisfatórias
no imanente, no material, e no limítrofe
horizonte
da realidade física,
ele
tem que lançar-se na transcendência que só a experiência
religiosa pode oferecer.
Pois
o
homem não pode conter seu ímpeto
de
infinto, sua vontade de sentido, por
isso, não pode viver sem religião.
***
O
fato de encontrarmos tão poucos adeptos do ateísmo, e poucos povos
que o tenham por aceitável, nos mostram que o ateísmo nunca foi um
fenômeno natural na humanidade. Os primeiros sinais de povos cuja
religiosidade é mínima, é próprio da modernidade. E tal fenômeno,
como é facilmente observável, não nasce espontaneamente, nasce de
forma artificial, forjado por Estados e instituições que passam a
ser controlados por minoras anti-religiosas, e a partir da máquina
estatal, passam a promover o ateísmo entre o povo. Porém, o modo
como a promoção do ateísmo acontece na modernidade é digno de
nota. Busca-se, em primeiro lugar, tornar odiosa a religião a vista
de todos por meio de calúnias e difamações incessantes contra ela.
Tal ação gera no povo, antes uma teofobia em
vez de ateísmo propriamente dito, e
consequentemente, o abandono da religião hegemônica.
Por
isso assistimos sociedades que outrora foram profundamente
religiosas como a Suécia, Canadá, Alemanha, etc, em pouco tempo se
converterem em sociedades anti-religiosas.
Por
outro lado, se observa na história que nenhuma sociedade pode ficar
por muito tempo sem uma religião. Quando uma religião é deixada de
lado, logo, outra se apresenta para ocupar o seu lugar. Por isso,
nestes países supracitados se constata uma adesão maciça de seus
cidadãos a seitas exóticas ou totalmente opostas aos valores
culturais nos quais estas sociedades nasceram. Portanto, não se pode
dizer que estes países se tornaram ateus, ou indiferentes a
religião, se tornaram simplesmente anti-cristãos, e por
conseguinte, tendem a buscar religiões que estejam mais distantes do
espírito cristão.
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Bibliográfia:
DURANT,
Ariel., DURANT, Will. The Story of Civilization – Our
oriental heritage. Vol.
1, New York: Simon and
Schuster, 1942.
PLUTARCO, Morals. Vol.
5 Boston: Little, Brown and Company, 1883.
QUATREFAGES, Armand. histoire
générale des races humaines: introdution
a l’étude des races humaines. Paris:
A. Hennuyer, Imprimieur-éditeur, 1887.
RATZEL, Friedrich. The
History of Mankind, vol. I. Translater: A. J Butler,
London: MaCmillan and Co,
1896.