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quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Venit Adoremus!




"Deixemos para trás as baixas concupiscências da carne e vamos à Belém do alto, ou seja, a casa do pão, não fabricado, mas descido do céu" 
(S. Beda, Venerável. Sermão de Natal)


"Não havia lugar para eles na estalagem"  
( Luc 2, 7)





                                    * * *                                                             

     Naquela noite, aquele santo casal, buscava abrigo para a hora mais sublime da humanidade. A encarnação do Verbo Divino. O Emanuel prometido desde tempos imemoriais. Aquele de que fala as Escrituras que "traria o principado em seus ombros"  (Is 9, 6) e "sentaria sôbre o trono de Davi" (Is 9, 7) . 
Com menções tão honrosas, quem poderia supor que este menino viria de forma tão simples? Não tinha nem lugar para nascer. 

Quem imaginaria que ao invés de um palácio real, ele nasceria numa gruta; ao invés da grandiosa Jerusalém, ele viria da pequenina Belém?

As cenas do Evangelho são cenas que se perpetuam na história. Não havia lugar para eles na estalagem daquele tempo e, há lugar nas estalagens dos tempos modernos? 
Em nosso século Cristo foi banido de todos os ambientes e da maioria dos corações. 
Nestes tempos então passamos a entender porque Jesus nasceu numa pobre gruta. Porque o mundo não o quis em seu meio. O mundo O rejeitou naquela noite, e O rejeitaria em todos os seus séculos; o baniria para os seus reconditos estabulos, catacumbas, para às suas periferias.

Nesta noite mística, todos tem seu lugar. Tu também estavas lá! Ou nos pastores que vinham de longe para adorar o menino, -- que tinham o coração voltados para o alto e puderam reconhecer o sinal de Deus naquela noite --, ou nos donos da estalagem que estavam demasiadamente ocupados com lucros, e  recusaram dar pousada a Cristo. No ímpio Heródes que vomitava ódio contra o Menino, ou nos escribas indiferentes a todos os sinais do céu.

Quem encontrará o Menino para adorá-lo nesta noite? Os que tem olhos e coração voltado para o céu. "As coisas do alto" de que fala S. Paulo. Todos naquela noite tinham os olhos e os corações fixos na terra, só aqueles pastores, de terra longínqua, tinham o coração voltado para o céu e, puderam ser guiados a presença da Divina Majestade. 

  Os homens daquela época -- e desta -- estão demasiadamente cheios de si, e vazios de Deus, tão ocupados, que não tem tempo para contemplar o céu nesta noite santa! O céu transcendente, e o céu imanente que há em si. Só os puros e interiores veem sua estrela no oriente! "vimos sua estrela no oriente e viemos adorá-lo" (Mat 2., 2).


  ****


Mas nesta noite queremos contemplar o Menino como os pastores e cantar como os anjos e  trazer a sua presença o ouro da caridade, o incenso da oração e a mirra da humildade. 

E chorar nossa imensa indignidade. Talvez por isso neste santo lugar, também teve espaço para os animais. Queremos derramar nossas lágrimas sobre aquelas santas palhas que receberam o santo corpo de Nosso Senhor, por tão grande misericordia com os homens! 

Gloria in exclesis Deo.
Queremos entoar um canto de amor, com os anjos e toda criação ao Deus Criador, que se faz homem. Cantare amantis est - cantar é próprio de quem ama, dizia Sto Agostinho.

 Voltemos, como os pastores, o coração para o céu, -- sursum corda!

Venite adoremus! O pão do céu, que nasce em Belém, a casa do pão, que nesta noite entende o seu significado.

Abençoado e santo natal a todos!


sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Sacerdote de Jesus Cristo






Sacerdote de Jesus Cristo,
Imagina que o Senhor te fala da maneira mais tocante, como ao povo judeu: 'Dize-me que mal te fiz? Ou antes, que bem tenho deixado de te fazer? 

Tirei-te do meio do mundo,
Escolhi-te entre tantos seculares,
Para te fazer meu sacerdote,
Meu ministro, meu amigo,
E tu, por um interesse miserável, por um vil prazer,
De novo me pregaste na cruz

Pela minha parte, todas as manhãs no deserto desta vida,
Te tenho saciado com o maná celeste,
Isto é, com a minha carne divina e com o meu sangue.
E tu tens me esbofetado, flagelado por tuas palavras e ações imodestas,

Escolhi-te como um vinho que devia fazer as minhas delicias;
Por isso infundi na tua alma tantas luzes e graças, Para que produzisses frutos doces e preciosos,
E tu só me tens dado frutos amargos.

Fiz-te rei... Eleivei-te mesmo acima de tosos os reis da terra,
E tu coroaste-me de espinhos,
Com os teus maus pensamentos consentidos.
Cheguei a fazer-te meu vigário,
E entreguei-te as chaves do céu,
E fiz de ti um deus,
E tu, desprezastes as minhas graças, a minha amizade,
Crucificaste-me de novo.



(Sto Afonso Maria de Ligório, A Selva, I parte, Exort)


sábado, 22 de novembro de 2014

A Batina


"Revistam-se os teus sacerdotes de santidade" (Salmo 131, 6)

     
"Minha batina,com que alegria e juvenil transporte eu te vesti,
batina tão querida! Nessa cor preta, que relembras a morte,
com voz tão clara só me dizes: vida.
O teu pesado e desejado porte, à epopeia de Cristo me convida.
E eu que era fraco, só me sinto forte,
Era medroso e só desejo a lida.
Dentro de ti, eu me sinto guardado,
Tal qual fora intrépido soldado,
A combater de um forte baluarte,
E eu juro a Deus, 
perante os céus e a terra,
Pois que a batina o meu futuro encerra,
Minha batina, eu juro honrar-te".
(Padre Manuel Albuquerque)

*
*  *  *
*

"Minha pobre batina mal cerzida,
tu vales mais que todos os amores,
pois, embora negra, enche-me de flores,
e de esperanças imortais,
a vida com seus sorrisos escarnecedores,
zomba o mundo de ti, de ti duvida,
porque não sabe a força que na lida tu me dás,
do teu beijo aos resplendores
E a mostrar-me do mundo a triste sina,
toda volúpia das paixões apagais.
Oh, como o bravo envolto na bandeira,contigo hei de morrer minha batina.
Ó minha heroica batina e santa companheira".
(D. Francisco de Áquino Corrêa)

** * **

        Dizem que a sociedade está cada vez mais hostil à religião. Mas não estaria está mesma sociedade privada dos sinais exteriores da santa religião? Os católicos não baniram de seus peitos o crucifixo e o rosário de suas mãos? Mesmo a indispensavel modéstia, que deveria ser um grande distintivo de todo cristão, jã não se percebe em suas condutas. 
Como querem que esta sociedade paganizada pense em Deus se os cristãos lhe negam sinais d'Ele? 
E o que se falar de um dos mais eloquentes sinais de Deus na sociedade: O sacerdote de batina? Sinal do homem que serve a Deus -- algo raríssimo em nossos dias. Simplesmente, desapareceu! 

Se os militantes das tantas ideologias atéias e pagãs enchem todos os ambientes com suas simbologias, por que os cristãos escondem os sinais de sua fé? 
E estes mesmos cristão que escondem os sinais exteriores da religião, muitas vezes, trazem sem nenhum escrúpulo símbolos pagãos no corpo.
O sacerdote que deveria ser o primeiro a seguir avante neste mundo secularizado com sua majestosa insignia sacerdotal. É o Primeiro a esconder seus sinais. 
Os sacerdotes privaram os olhos da sociedade de suas vestes majestosas que tanto temor incute nos ânimos e nas consciências. Baniram este forte e eloquente sinal de Deus na sociedade, isto depois de banirem também a postura modesta e piedosa que deveria caracterizá-los. Despidos de suas magníficas insígnias sacerdotais, do porte modesto e piedoso, tornaram-se mais um na multidão. 

E por que abandonaram sua esplendorosa mortalha? 
Por que a batina traz um lembrete constante: "Vós não sois deste mundo" (Jo 15, 19). E este lembrete os incomoda! 
Não querem, os modernistas, dizer ao mundo que não pertencem a ele. 
Este lembrete evangélico é, entre tantos outros motivos, a maior causa desta revolta contra a batina. 
Quando se ama avidamente a vida terrena, não há motivos para pensar na vida eterna!
A batina também é sinal de uma aliança firmada para sempre com Deus! É para o sacerdote o que a aliança é para os casais. E um esposo só rejeita a aliança quando não sente orgulho de seu matrimônio ou quando quer traí-lo.

Rolando Rivi (1931-1945), o mártir da batina.  



     

         

Antes da onda modernista invadir a Igreja e abolir a batina, a Divina Providência suscitou um magnifico exemplo para prepara as consciências sacerdotais sobre a grandeza daquela insígnia que seria abandonada em breve. 

Um mártir da bátina. 

Rolando Rivi foi um jovem seminarista italiano que entrou no seminário em um dos períodos mais turbulentos da História. O final da II Guerra Mundial, a queda de Mussoline e a fúria dos comunistas italianos sobre a Igreja. 

Em 1944, quando as tropas nazistas ocuparam o seminário em que vivia Rolando Rivi, este, junto com os companheiros, teve que retornar à vida secular. 
E por conseguinte, intimado a deixar de usar a batina por causa da onda anticlerical que varria a Itália. 
Rolando, heroicamente se negou a tal imposição e permaneceu usando sua batina até seu último dia de vida terrena.
Quando questionado porquê continuava a usar a batina, em tempos tão hostis como aqueles, respondia prontamente: 
"Eu estou estudando para ser padre e a batina é o sinal de que eu sou de Jesus". 

Em 10 de abril de 1945, quando Rivi saía da Missa e retornava à sua casa, fora sequestrado por um grupo de partiggiani (Comunistas italianos). 
Sob poder dos comunistas, Rolando experimentou por três dias, torturas e humilhações variadas; revelando uma parcela da fúria que o inferno nutre pelo sacerdócio e seu distintivo externo (a batina). 
No terceiro dia de seu cativeiro, já semi morto pelos maltratos, com um tiro na cabeça os impios comunistas encerraram sua missão na terra! 
A mensagem daquele martírio ficará aos séculos tenebrosos que despontariam. 
Morreu por se recusar a tirar a batina! Morto in odium fidei. Mártir da bátina. 
Rolando Rivi mostrou que o habito não só faz o monge, como pode fazer o mártir.



segunda-feira, 20 de outubro de 2014

A Doce Primavera da Fé



Catedral de Burgos



Introdução



             Leão XIII definiu a Idade Média como o tempo em que a filosofia do Evangelho governava as nações. [1] E não poderia ter sido mais feliz em suas palavras. Somando a este merecido elogio, acrescento ainda uma das melhores definições já feitas a este tempo, tecida pelo célebre conde de Mont'Alembert: Doux printemps de la foi (Doce primavera da fé).
          Tanto Leão XIII quanto Mont'alembert expressaram da forma mais precisa a força que animava esta época: a fé. Neste tempo, como observa Leão XIII, "a influência da sabedoria cristã e sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos e todas  as categorias e relações da sociedade civil". [2] 

       Mas, por que definições tão verdadeiras como essas soam tão estranhas ao homem moderno, acostumado a pensar a Idade Media como sinônimo de obscurantismo e atraso? Porque lhes imporam a difamante pecha de Dark Ages (Idade das Trevas)? Porque aqueles que lhes apresentaram este tempo -- intelectuais anti-católicos -- tinham horror a luz que a guiava. Se a Idade Média foi um tempo de eflúvios exuberantes de piedade, como isso poderia agradar ao homem ímpio e carnal que inaugurava a modernidade? O mesmo que com seu poder escreveria a história para as gerações futuras e faria de sua interpretação dos fatos a narração oficial da história. Até o início do século XX, discordar ou questionar esta visão imposta desde a renascença, era quase um crime hedionda, passível de rigorosas punições. Mas como a verdade dos fatos não pode ficar oculta por muito tempo, logo a fraude seria descoberta. E tal fraude jamais conseguiria se sustentar por mais tempo, em face de tão exuberante herança cultural que esta época nos legou. Com evidências lógicas que saltam aos olhos, luzes irradiantes nos são reveladas onde os anticlericais "iluministas" só viram trevas.
          Qualquer turista desinteressado que perambule por velhas cidades  europeias se vê inevitavelmente extasiado ao contemplar os majestáticos cenários que a cristandade ergueu neste "tempo sombrio" chamado inadequadamente Idade Média. Tudo que nos resta deste tempo nos remete antes a um tempo fascinante de luzes fulgurantes, em vez de suposta era de trevas. 

A doce Primavera da Fé

             Antes de estudos mais apurados e menos tendenciosos sobre o tema chegarem as livrarias, sempre se tentou conservar sobre a Idade Média uma densa nuvem negra. A desconstrução deste preconceito é produto recente, já do final do século XX.

         Inaugurando esta época de revisão da Idade Média, o historiador francês Jacques Heers, em seu livro "Idade Média: uma impostura", demonstra que a própria divisão da história (Antiguidade, Idade Média, Renascença etc) não passa de uma distinção tendenciosa orquestrada por anticlericais renascentistas para obscurecer o brilho desta época. O termo Idade Média, segundo o historiador, seria uma criação descabida da Renascença para indicar que este tempo não foi mais que um atrasado e insignificante período de transição entre duas grandes épocas: a Antiguidade Clássica e a Renascença. 

                A verdade é que a Antiguidade não foi tão grandiosa como nos foi ensinado -- embora, tenha sido uma das fontes de nossa cultura --, e a Renascença, não passa de uma das filha da Idade Média, ou como ensina Jacques Le Goff, uma extensão da Idade Média.  Não foi a Idade das Luzes (como chamaram a Renascença) que fundou as universidades; nem as escolas; nem ergueu os mais estonteantes templos (as catedrais); nem organizou as cidades; nem criou os hospitais. A renascença é filha da Idade Média, ou como sabiamente afirmou um notável historiador: "A Renascença é a filha ingrata da Idade Média". (3)


***

          Junto com os preconceitos contra a Idade Média, foram criados os mecanismos para impedir que todas as deturpações fossem questionadas e desmascaradas. Slogans e clichês guarneciam com toda a fúria a versão iluminista da historia, de modo que qualquer um que ousasse exceder os limites impostos e questionar aquela versão, receberia, de imediato, uma torrente de vitupérios como "obscurantista", "retrogrado", "arcaico", "atrasado"... Por isso, muito de nós, desde pequenos, acreditamos piamente na lenda negra da Idade Média, e recebemos como ofensa gravíssima a pecha de "medieval".

           Mas o império do discurso anti-clerical começa a ruir. E os preconceitos criados contra esta época acabaram se revelando uma mera fachada de um ódio infundado. Aqueles escárnios não eram lançados propriamente à uma época, mas ao que guiava esta época: a fé católica; a mesma fé que atualmente é, como no princípio, ferrenhamente combatida nos vários rincões da humanidade.

Idade da Luz


Mont Saint-Michel
                                                         

              A Idade Média, ao contrário do que nos ensinaram, foi uma época reluzente;  iluminada por uma luz que o mundo moderno não conheceu em igual fulgor. A luz sagrada do Evangelho. A luz sobrenatural que inspirou a luz cromática dos vitrais; a lumen et dulcedo (luz e doçura) que guiava a pedagogia medieval junto com a luz piedosa da Escolástica. Diante das luzes que irradiavam na Idade Média, os anticlericais só viram trevas, e ante as trevas dos tempos modernos só vêem luz. Ou são cegos ou tem horror a luz. Neste caso, as duas coisas.

O homem medieval era partícipe da santa vida monástica. A cada badalar dos sinos chamando para as horas todos eram impelidos a elevar a alma a Deus junto com aqueles santos homens e mulheres reclusos nos claustros e cuja presença espiritual marcava o cotidiano.
Hoje, já não há mais a doce paz monástica envolvendo os ambientes, há somente a cacofonia vulgar dos bares convidando todos a entregarem-se a uma vida tresloucada e carnal; não há mais o piedoso badalar dos sinos que fazia toda a cidade parar para pensar no Deus eterno que a todos conservava sob sua Divina Providência, há as chamadas das telenovelas que destilam ódio e impureza nas almas, transformando radicalmente os costumes; corrompendo mentes e aviltando corações.  O mundo simplesmente passou das luzes da fé para as trevas da descrença; do silêncio claustral dos mosteiros ao barulho ensurdecedor e melancólico dos bares; do doce canto gregoriano à cacofonia hedonista e irracional dos tempos modernos;  da luz suave e cromática dos vitrais à luz lancinante das boates; das viagens contemplativas dos monges às viagens psicodélicas e destrutivas dos hippies; da vida regulada pelo badalar dos sinos à vida regulada  pelo balanço da pop music
Este é o mundo moderno que a esquerda chama de "Idade das luzes", o mundo hedonista inaugurado com a tenebrosa Revolução Sexual que fez do corpo mercadoria barata; do delírio psicodélico e destrutivo a sua oração contemplativa; da vida louca e sem compromisso, um ideal à ser almejado; do assassinato do próprio filho um direito da mulher; da eutanásia um ato de misericórdia...
Na Idade Média tudo apontava para o céu, hoje tudo aponta para os abismos.
                                                            
 
Educação na Idade Média



      O homem medieval é um homem que "lê, escreve e calcula". Assim escrevia a célebre medievalista Régine Pernoud sobre o homem medieval, e assim descreveu a educação da época: 
"Na Idade Média, como em todas as épocas, a criança vai à escola. Em geral à escola da paróquia ou do mosteiro próximo. Com efeito todas as Igrejas possuem escolas". [4]
       Tão grande estima tinha a Igreja -- grande guia do homem medieval --, pela educação, que o III Concílio de Latrão (1179) decretou como uma das missões obrigatórias da Igreja a criação de escolas. E ainda estabeleceu a gratuidade do ensino às crianças pobres:

"A Igreja de Deus, qual Mãe piedosa, tem o dever de velar pelos pobres aos quais pela indigência dos pais faltam os meios suficientes para poderem facilmente estudar e progredir nas letras e nas ciências. Ordenamos, portanto, que em todas as igrejas catedrais se proveja um benefício conveniente a um mestre encarregado de ensinar gratuitamente aos clérigos dessa igreja e a todos os alunos pobres". [5]
A Igreja, através de seus religiosos, alfabetizava a Europa. As escolas dos mosteiros tornavam-se verdadeiros paraísos do conhecimento.
"Sabe-se que as escolas dos mosteiros acolhiam tanto os nobres rebentos da aristocracia, quanto os pobres filhos dos servos". [6]

São Cesário de Arles (470-542) assim escreveu sobre o mosteiro que o educara:
"Esta ilha santa acolheu minha pequenez nos braços de seu afeto, como uma mãe ilustre e sem igual. E como uma ama-de-leite que dispensa a todos os bens, ela se esforçou a me educar e me alimentar". (7)
O grande exegeta e poeta Walafried Strabo (806-849) também teceu seus louvores à escola que o educara:
"Eu era totalmente ignorante e, fiquei muito maravilhado quando vi os grandes edifícios do convento (...) muito contente pelo grande número de companheiros de vida e de jogos que me acolheram amigavelmente. Depois de alguns dias, sentia-me mais à vontade (...) quando o escolástico Grimaldo me confiou a um mestre, com o qual deveria aprender a ler; eu descobri que não estava sozinho, havia muitos outros meninos de minha idade, de origem ilustre ou modesta, que porém estavam mais adiantadas que eu. A bondosa ajuda do mestre e o orgulho, juntos me levaram a enfrentar com zelo minhas tarefas, tanto que após algumas semanas conseguia ler bastante e corretamente (...) Depois recebi um livrinho em alemão que me custou muito sacrifício para ler, mas em troca, deu-me uma grande alegria". [8]

As escolas medievais eram para todos, inclusive para as meninas.
Na escola de Argenteuil, por exemplo, as meninas aprendiam história sagrada, letras, medicina e até cirurgia. [9] Tudo isso guiado pela piedosa e reluzente pedagogia de Hugo de São Vitor --- dignamente chamada "lumen et dulcedo" (luz e doçura) -- e pela escolástica, que além de alfabetizar as crianças e os jovens, ainda os formava para a virtude.

Em sua obra monumental Didascalikon, Hugo instigava os estudantes a nunca limitar o desejo de aprender:
"Aprende de bom grado de todos o que não sabe. Será mais sábio do que todos, aquele que terá desejado aprender algo de todos. Quem recebe algo de todos, acaba por se tornar mais rico do que todos". (10)
                                              
As Universidades


Universidade de Oxford

Estas magnificas Didaskaleias que foram as escolas, precederam outra magnífica instituição medieval: a universidade, que sob o báculo da Igreja atingiu alturas radiantes de glória.

Assim, bela primavera de saber despontava naqueles terrenos bravios do século XII e XIII, onde nos séculos anteriores predominava a barbárie e a ignorância, e agora, tornava-se o grande centro do conhecimento e o berço da ciência moderna.

O Papa Gregório IX (1227-1241) através da bula Universitas Parens Scientiarum (13 de abril de 1231)  lançava solenemente a ata de fundação das universidades, fazendo, em pleno século XIII, as universidades presentes em quase todas as grandes capitais europeias.

Jóias da cristandade, as universidades medievais ainda brilham como fachos luminosos de conhecimento em pleno século XXI.

Na Bélgica, a universidade de Louvain, fundada em 1425, ainda é uma respeitada instituição cientifica.


Universidade de Cambridge

                                    
Na Inglaterra, Cambridge (1209) e Oxford (1164), se impõe soberanamente como as mais premiadas da Europa. Na Itália, a "La Sapienza" de Roma (1303) erigida por Bonifácio VIII, se sobressai entre outras pérolas itálicas nascidas no Medievo, assim como as universidades de Florença (1321) e Bologna (1088).
Entre os povos Germânicos,  as exuberantes universidades de Colônia (1388), que é considerada a principal da Alemanha, e a renomada universidade de Freiburg (1457),  com seu lema Evangélico: "Die Wahrheit wird euch frei machen" (A verdade vos libertará), seguem imponentes no mundo moderno.
Na Áustria, a universidade de Viena, a aclamada "Alma Mater Rudolphina" (1365), continua como a mais importante do país.
Na França a figura predominante do saber continua a ser a célebre Sorbonne de Paris (1150); mas a Idade Média ainda legou àquele país as renomadas universidades de Montepellier (1125) Orleans (1200) Toulouse (1217)  Anger (1220) entre outras.
Em Portugal, há a afamada Coimbra (1290), na Escócia, St. Andrew (1410), na Polônia, Crácovia (1362), na Rep. Tcheca: Praga (1348), e na Espanha a formidável universidade de Salamanca (1218) que ainda desponta magnífica entre as didaskaleias medievais que iluminam o velho e o novo mundo.
Todas estas grandiosas instituições ainda admiradas pelo mundo, nasceram sob a égide da Igreja em pleno Medievo.



A Idade das Artes


Na Idade Média, resplandeceu uma verdadeira epifânia de beleza nas artes. O ardor artístico que se assistiu neste período foi exuberante. A música adquiria sua estrutura orgânica com as imprescindíveis contribuíções do Papa Gregório Magno e do monge Guido D'Arezzo (992-1050), o afamado pai da notação musical. Estas benéficas intervenções da Igreja possibilitaram algum tempo depois ao gênio de Palestrina, Orlando de Lasso, Tomás Luís de Vitória, Guillaume de Mashaut, elevar aos píncaros sublimes o canto Gregoriano, que Mozart tanto admirava, a ponto de confessar que daria toda a sua obra para compor apenas o prefácio da Missa gregoriana.

Nas belas artes, os avanços foram magníficos.
Os artístas medievais, como expressa Marc Chagall, "banharam seus pinceis no alfabeto colorido que era a Bíblia" e deram cores e vida às cenas sagradas.

Neste impulso criativo, muitos nomes se notabilizaram como: Giotto di Bondone, Van Dick, Squarcione, Uccello, Masolino, Masaccio,  etc...

Foi a Idade Média que viu surgir um dos maiores escultores da história: Donatello. A auto-intitulada "poesia sagrada" (A Divina Comédia) de Dante e outros gênios da literatura mundial como: Petrarca,  Chaucer, Gil Vicente, Villon  etc... E a mais exuberante de todas as expressões artísticas medievais: a arte gótica, que fêz da catedral uma verdadeira "poesia de pedra".

Nascida das mãos e da alma de Suger (séc. XII), o célebre abade de Saint-Denis (França), que transformou sua abadia num espetáculo de verticalidade; aplicando os princípios da teologia à arquitetura e separando radicalmente a arquitetura das igrejas da arquitetura comum.

A catedral gótica tornou-se assim a materialização artística da filosofia do Evangelho.    


Vista noturna 
Catedral de Colônia
                              

O complexo cruzamento de ogivas encrustradas, que se unem harmonicamente em abobadas exuberantes; revelam em sua perspectiva final uma verdadeira jóia arquitetonica.
"Dentro destas formas, escreveu João Paulo II, não havia só o gênio de um artista, mas a alma de um povo". (11)


Catedral de Colônia

A catedral gótica era como a alma da Idade Média: Por fora, ela aponta a grandeza do céu, e por dentro, a grandeza da alma.
A complexa geometria da arquitetura gótica nos remete quase que imediatamente aos mistérios da fé que a motivou.
"A catedral gótica, completa Bento XVI, tencionava traduzir assim, a aspiração das almas por Deus". (12)
E que altíssima aspiração!
Nas suas linhas arquitetonicas tudo nos remete a interioridade.
Estonteante em sua grandeza; esplendorosa em sua filosofia inspiradora. Um verdadeiro espetáculo de verticalidade metafísica.

Assim que estas magníficas poesias de pedra começaram a pontilhar o céu da Europa, um sacerdote que acabava de entrar em contato com este estilo; tentou exprimir a admiração que o envolveu:
"A vista humana não sabe, a princípio, onde fixar-se: se olha os tetos floridos como tecidos brilhantes; se se vira para as paredes, que são uma especie de delicioso jardim; se é ofuscada pelos jorros de luz que entram pela parede; se admira a inestimavel beleza do vidro e a variedade do mais precioso trabalho". (13)
A catedral gótica é de de fato, o mais belo dos estilos arquitetônicos. O impulso vertical e a luminosidade, deram outros ares à arquitetura religiosa e outro sentido a arquitetura comum.

As soluções góticas foram tão extraordinárias, que só foram substituídas no século XIX, com o uso do aço e outros materiais.
Mas por pelo menos 600 anos as soluções góticas guiaram a arquitetura.
Diante da grandeza vertiginosa e da beleza estonteante de uma catedral gótica, só o preconceito e a ignorância poderiam chamar de atrasada uma civilização que ergueu tais monumentos.


Conclusão

A Idade Média é tão cheia de luz e encanto, que a velha imagem da época assombrosa criada pelos renascentistas parece tão absurda quanto seu ódio ateu.

A Idade Média era profundamente alegre. Os trajes medievais expressavam este profundo horror pela melancolia.
As festas medievais eram alegres. O carnaval, o bom é claro, é criação medieval. Quando pintam-nos uma imagem sombria da Idade Média, ignoram estes e tantos outros fatos que nenhum autor poderia narrar sem exceder o limite do cansaço. A alegria era uma virtude tão amada pelo homem medieval, que fez da tristeza o oitavo vício capital.

A Idade Média, atrai em pleno século XXI tantos admiradores e continua a ser o cenário preferido das tramas literarias modernas.
Eco, Victor Hugo, Novalis, Herculano, Goethe, Follet, Calvino, e tantos outros, quase infindaveis autores modernos, continuam a ambientar seus romances no medievo, -- seja para denegrí-lo ou louvá-lo --, não escondem o fascínio que esta época exerce sobre eles.

A Idade Média sobrevive ao tempo com a memória exuberante de suas imponentes catedrais, de seus castelos épicos, de seus cantos e poesia, de seu povo piedoso e destemido, mas principalmente através de seu maior tesouro: a fé.
A Idade Média ainda vive no homem moderno, ou como referiu-se um autor francês: "Os  homens  medievais somos nós".


Notas:

1. Immortale Dei, n. 28.
2. Ibidem.
3. La Science Antique et Médievale sous la Direction de René Taton. Presses Universitaires de France, 1857. 585 s.
4. PERNOUD, Régine. Lumière du Moyen Âge, cap. VIII, p. 62-63.
5. II Concílio de Latrão. Can. 18, Mansi XXII, 227 s.
6. NUNES, Rui Afonso da Costa. História da Educação na Idade Média. São Paulo, 1979, p. 113.
7. Sermo ad Monacho, CCXXXVI, 1-2, Morin, t. II p. 894
8. MANACORDA, Mario Alighiero. História da educação da antiguidade aos nossos dias, op. cit., p. 135).
9. PERNOUD, Régine, op. cit. cap VIII, p. 62.
10. Eruditiones Didascalicæ, 3, 14:PL176,774
11. Carta aos artistas, 8
12. Audiência 18-XI-09
13. Padre Teófilo, século XII, in Lionello Venturi, História da crítica de arte, lisboa, ediçoes 70.

sábado, 18 de janeiro de 2014

Uma pequena via... Para uma grande santidade


    Em uma esplêndida segunda-feira de outubro, um pequeno traslado conduzia o corpo de uma desconhecida carmelita vitimada aos vinte e quatro anos pela tuberculose. No cortejo iam uns poucos parentes e algumas religiosas.


Ao considerarem os nove anos transcorridos no silêncio claustral da jovem carmelita, as irmãs sentiram um grande desconcerto: “que fatos dignos de figurar na notícia fúnebre?”.
                               

Sta Teresinha com hábito de noviça
                Teresinha vivera uma santidade tão despercebida que olhos superficiais jamais conseguiriam captar a grandeza dos pequenos gestos impregnados de altíssima virtude. Diziam: “esta irmãzinha não fez nada que valha apena ser contado”. Tudo que restava de Teresinha na memória de suas companheiras de claustro era um sorriso afetuoso, e pouco mais do que isso. Mas na verdade, por trás daquele sorriso escondia-se um martírio silencioso, uma santidade exuberante vivida no dia-a-dia; em cada segundo; em cada suspiro; em cada pensamento; um coração abrasado de amor que os olhos não podiam ver.  

                     Para surpresa geral, alguns anos depois de sua morte, a humilde carmelita era enaltecida por S. Pio X como "a maior santa dos tempos modernos", e vinte e cinco anos mais tarde, em esplendorosa cerimonia na basílica de São Pedro, Teresinha era elevada aos altares. Daí por diante, a irradiação da humilde carmelita só fez crescer no orbe católico. Fora proclamada junto com S. Francisco Xavier, padroeira das missões, e em 1997, doutora da Igreja.


Canonizaçâo de Sta Teresinha na
Basílica de São Pedro


   Quanta glória alcançou a humilde carmelita que no dia de sua morte, não encontravam nenhum fato digno de figurar na notícia fúnebre.


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             A jornada espiritual de Teresinha inicia-se a partir do que ela chamara "a noite de sua conversão", quando abandonando os ressaibos de uma infância que se prolongava além de suas fronteiras, iniciava uma "caminhada de gigante" que iria culminar em uma nova forma de infância, sem melindres e birras, aquela infância que Nosso Senhor pediu no Evangelho a todos que queiram alcançar o reino do céu:
"...Se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, não entrareis no reino dos céus”  (Mat 18, 2)."
   
    Desejosa da perfeição desde a mais tenra idade, sofria indizivelmente com sua impotência em alcançá-la!  

     “Sempre quis ser santa, mas quando me comparava com os santos, constatava haver, entre eles e eu, a mesma diferença que há entre o obscuro grão de areia pisado pelos transeuntes, e as altas montanhas cujos cimos se perdem no céu”.
 (Man. C  3).

    Teresinha queria trilhar os passos dos grandes santos, mas não encontrava em si, senão a pequenez de uma criança:
    “Sinto em mim outras vocações, a de um guerreiro, a de sacerdote, a de apóstolo, a de doutor, a o mártir; enfim, sinto a necessidade, o desejo de realizar para ti, Ó Jesus, as mais heróicas obras”.
 (Man. B 2).

    Mas a íngreme escada da perfeição a trilhar lhe abarrotava os ânimos: “De quantas mortificações era feita; de quantas virtudes?” Teresinha era uma “débil ave”, como se auto intitulava, e como uma débil ave poderia alcançar as sublimes alturas das grandiosas águias? Talvez Teresinha fosse uma débil ave, mas certamente tinha olhos e coração de destemida águia! E assim, pouco a pouco, empoleirada nas costas das grandiosas águias da Igreja (os grandes santos) foi desvendando os sublimes mistérios das alturas. Assim descobriu “novas luzes, e significados ocultos e misteriosos” (Man. A 83). Descobriu que se as grandes águias alcançam as majestosas alturas, não a fazem somente por suas forças, mas por seus corações que foram feitos para desbravar o infinito. E em seu peito --- Teresinha sabia --- havia o coração magnânimo de uma grande águia a palpitar.

    E descobriu que era o amor esta magnifica força misteriosa que impelia as grandes águias a  aventurar-se nas mais extremas alturas... Sim, Teresinha trazia “olhos e  o coração” de grande águia, mas escondidos na pequenez de uma avezinha. E com estes olhos e este coração, contemplaria as sublimes alturas.  

   Teresinha já não desanimava com sua pequenez e impotência; havia enfim encontrado repouso... Havia encontrado no âmago de seu ser uma nova visão do caminho:

“Enfim tinha encontrado repouso (...) compreendi que a Igreja tinha um coração, e que este coração arde de amor... compreendi que é o amor que leva os membros da Igreja a agir e que se, o amor viesse a se extinguir, os apóstolos não anunciariam mais o evangelho, os mártires se negariam a derramar seu sangue... compreendi que o amor abrangia todas as vocações, que o amor era tudo, que abrangia todos os tempos e lugares (...) então na minha alegria delirante exclamei: Ó Jesus, meu amor, enfim encontrei a minha vocação, é o amor!... sim, achei meu lugar na igreja, e este lugar ó meu Deus fostes vós que me destes...no coração da Igreja – minha mãe – serei tudo, serei o amor”.
 (Man. B 3).

    Por isso, a doutrina de Teresinha, é dignamente chamada de “divini amoris scientia” – ciência do amor divino.

  A ciência divina que emana de seus escritos nos revelam uma sabedoria sobrenatural, fruto de uma singular união esponsal com  coração de Jesus. Seu estilo é simples... Mas  inefavelmente belo e profundo.

   Aventurando-se nas sublimidades da ciência do amor, Teresinha, compreendeu que para ser grande não precisava realizar obras retumbantes e estupendas que impactassem o mundo, mas realizar obras impregnadas de grande amor, - mesmo que estas permanecessem na surdina, longe da admiração dos homens.
    Certamente estas obras fariam sorrir mais o bom Deus, que  escolheu o silêncio para realizar suas grandes obras. Assim foi com a silenciosa encarnação do verbo no seio da Virgem; sua infância e juventude silenciosa em Nazaré, e sua silenciosa ressurreição. Enfim, compreendeu Teresinha que o essencial não era fazer muito, mas amar muito, porque “nada é pequeno onde o amor é grande”.

Um dos lugares onde Teresinha pode contemplar sua pequena via fora no cotidiano da sagrada família de Nazaré, escrevia ela em sua "novissima verba":
“O que me agrada na vida da sagrada família, é de imaginá-la numa vida toda comum. Não tudo aquilo que nos contam, ou tudo aquilo que supomos. Por exemplo, contam que o menino Jesus depois de ter petrificado os pássaros da terra, assoprava sobre eles para lhes dar vida. Ah! De modo algum! O pequeno Jesus não fazia milagres inúteis deste tipo, mesmo que fossem para agradar sua mãe (...) tudo na vida deles ocorria como na nossa. Quantas penas, quantas decepções! Quantas vezes criticavam o bom São José! Quantas vezes recusamos pagar-lhe seus trabalhos! Quanto nos espantaria ao saber tudo quanto ele sofreu! (Novissima verba, 20 de agosto de 1897).

    A encontrou também no silencio do claustro com as flores diárias de pequenos sacrifícios cultivado com puro amor. Sofrer e amar, era o resumo desta via.
“Um dia no carmelo sem sofrimento, é um dia perdido.”  

O sofrimento é de fato o grande tesouro desta via! 
“O sofrimento, dizia Teresinha, é o nosso ganha-pão, e de tal modo é precioso que Jesus desceu a terra para possuí-lo!”. 

Em suas memorias, escreveu:
“O martírio, eis o sonho da minha juventude”. Teresinha sonhava com a palma do martírio, mas logo compreendeu que esta pequena via que agora trilhava, era um martírio diário sem derramamento de sangue.  Não precisava ser flagelada e crucificada como seu esposo adorado para lhe dar grandes provas de amor, ou murmurar o seu Santíssimo  nome na fogueira como Joana D´arc; podia oferecer o martírio diariamente ante tantas ocasiões que dir-se-iam: “insuportáveis”.

    Em coisas simples, Teresinha desprendia raios de heróica virtude. Eis mais um fato contado pela santa:
  "Encontra-se na, comunidade uma irmã que tem o dom de me desagradar em tudo, suas maneiras, suas palavras, seu caráter eram-me  muito desagradáveis, porém é uma santa religiosa que deve ser muito agradável a Deus. Não querendo entregar-me à antipatia  natural que sentia por ela, disse para mim mesma que a caridade não deveria assentar-se nos sentimentos, mas nas obras. Então apliquei-me em fazer por esta irmã o que faria  pela pessoa que mais amo. Cada vez que a encontrava, rezava por ela, oferecendo a Deus todas as suas virtudes e méritos. Sentia que isso agradava a Jesus, pois não há artista que não goste de receber elogios por sua obra, e Jesus, o artista das almas fica feliz quando, em vez de olharmos apenas o exterior, entramos no santuário intimo que ele escolheu para morar e admiramos sua beleza. Não me restringia a rezar muito pela irmã que me levava a tantos combates, procurava prestar-lhe todos os serviços possíveis. Quando sentia-me tentada a responder-lhe de modo desagradável, contentava-me em  lhe dar meu mais agradável sorriso e procurava desviar a conversa, pois diz a imitação que é melhor deixar cada um no seu sentimento que entregar-se a contestação. Muitas vezes também, quando não estava no recreio (quero dizer, durante as horas de trabalho), tendo algum relacionamento de serviço com essa irmã, quando os combates se faziam violentos demais, fugia como desertora. Como ela ignorava completamente o que eu sentia por ela, nunca suspeitou os motivos do meu comportamento e estava persuadida de que o caráter dela me agradava. Um dia, no recreio, disse-me, aproximadamente as seguintes palavras com ar contentíssimo: “aceitarias dizer-me, irmã Teresa do Menino Jesus, o que tanto vos atrai em mim?” Pois cada vez que me olhais, vejo-vos sorrir! - Ah! O que me atraía era Jesus oculto no fundo da alma dela... Jesus que torna suave o que é amargo... Respondi que “sorria por estar contente em vê-la”  (obviamente não acrescentei que era do ponto de vista espiritual) (Man. C 14).

Nestes pequenos gestos, Teresinha abraçava o seu martírio. E já que as grandes obras não se medem pela grandeza do ato, mas pela grandeza do amor com que é feita, logo, estes pequenos gestos poderiam ser postos lado a lado, com os estupendos martírios de tantos confessores da fé...  Conforme ensina São Luís de Montfort em seu "Tratado da Verdadeira Devoção: “A Virgem Santíssima agradou tanto a Deus com seus humildes trabalhos na pequena casa de Nazaré, quanto um São Lourenço estendido na grelha, por amor de Cristo”. Ambos agiram por amor de Cristo, mas quem poderá dizer quem amou mais?

Em outra ocasião nos narra Teresinha outra bela vitória sobre seu amor-próprio:

“Estava na lavanderia diante de uma irmã que me jogava água suja no rosto toda vez que levantava a roupa suja na tábua de bater. Meu primeiro movimento foi de recuar enxugando o rosto, a fim de mostrar à irmã que me aspergia que me prestaria serviço ficando quieta. Mas, pensei logo, que seria tolice recusar tesouros oferecidos tão generosamente. Evitei demonstrar minha luta. Esforcei-me por desejar receber muita água suja, de sorte que, no final passara a gostar desse novo gênero de aspersão e prometi a mim mesma voltar a este feliz  lugar onde se recebiam tantos tesouros.”

    Se Teresinha sentia na alma arder a chama sagrada de tantas vocações, “e o bom Deus nunca inspira desejos irrealizáveis”, Teresinha viveu todas as vocações no silêncio do claustro, com a insondável potencia do amor. Pois o amor era o coração da Igreja, era o sangue  que corria em suas veias, e que impulsionava todos os membros a agir. E que sem amor, a Igreja parava. 
Teresinha encontrou no amor a forma de ser tudo no corpo místico da Igreja, seria mártir, apóstolo, sacerdote, profeta, doutor... Pois é o amor que move as grandes vocações. Com razão a chama, a Santa Igreja de “Doctor Amoris” (Doutor do amor).  

     Sua pequena via, é a via do amor. Pois, conforme ensina o doctor mysticus (São João da Cruz): “o mais leve movimento de uma alma animada de puro amor, é mais proveitoso à Igreja  do que todas as demais obras reunidas ". (cf. Cântico Espiritual, Canção XXIX, 1)

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Teresinha trazia um amor extraordinário pela Igreja. Certa ocasião chegou a escrever o “credo” com o próprio sangue. “Sinto em mim a coragem de um cruzado...  E com que amor iria à guerra para  morrer em defesa da Igreja” (Man. B 2). Este amor pela Igreja, já era patente desde a mais tenra idade, quando muito pequena aprendera o catecismo palavra por palavra (Man. A,  37 ).

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     Com a saúde já debilitada, Teresinha costumava subir acabrunhada  longas escadas, oferecendo naqueles penosos passos, sacrifícios pelas almas, especialmente por aquelas que seriam conquistadas pelo labor de tantos missionários espalhados pelo mundo. Seu ardente amor pelas almas, expresso com tanta singeleza na sua intercessão abrasada pela salvação de todos (Man. C  34 - 35). Mostram-nos uma caridade heroica que ainda muito pequena já desprendia grandes fachos de luz. 

  Na infância, por acaso, ficara sabendo de um criminoso que seria executado por crimes hediondos. Teresinha então, ardeu de compaixão por aquela pobre alma que logo iria enfrentar a cólera divina. Sua angústia tornou-se maior quando soube que o criminoso havia se recusado a receber os últimos sacramentos. Seu coração não poupou sacrifícios por aquela alma. “A todo custo queria impedi-lo de cair no inferno” ((Man. A 45-46). Mas consciente de que nada podia sem os méritos infinitos do Bom Deus, pediu à sua irmã que mandasse celebrar uma Missa em sua intenção, sem lhe revelar que na verdade o fazia pela alma de um criminoso. Teresinha muito confiante na Misericórdia Divina, não pediu mais que um sinal. E este veio tão sutilmente, que se não fosse uma alma iluminada não teria percebido. No dia em que o infeliz Pranzine subiria ao cadafalso para ser justiçado, um gesto mudou seu triste fim: “Toma o crucifixo... e o beija três vezes’’ (Man. A 36).
Os lábios de 'meu “primeiro filho' foram colar-se às sagradas chagas! (Man. A 46). Pranzini  tornou-se o primeiro filho espiritual de uma virgem fecundíssima  que se formava.  

  Teresinha então se lançava com todo afinco a sua mais nobre missão, “conquistar muitas almas ao Divino Redentor”. Sábia que Jesus tinha uma sede ardente de almas, e “quanto mais lhe dava de beber, mais crescia em sua alma a sede” (Man. A 46)  

     Galgando a íngreme escada da perfeição, Teresinha chega a sua meta. Em 30 de setembro de 1897,  com os olhos fitos no crucifixo, entre suspiros, repetia emocionadamente o que professara a vida inteira: “oh! Eu o amo! meu Deus eu vos amo!”. E com um leve suspirar, o cândido passarinho alça voo aos braços de seu amado. 

Em uma de suas cartas – dirigida ao Padre Belliére – escrevera: “Não morro, entro para a vida” (Carta 244). E entrou para vida.
   Morria como sempre vivera. Entregara-se ao amor como avezinha impotente, empoleirada nas costas das grandes águias; alcançou as sublimes alturas e de lá deitou os olhos sobre o majestoso sol do amor, e atraiu para si, com seus frágeis gorjeios os fulgurantes raios da misericordia. 
Agora a avezinha de coração altivo ia definitivamente contemplar o majestoso sol do amor no dia eterno, e sobre a terra faria vir uma chuva de rosas.