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sexta-feira, 26 de julho de 2019

O perigo da apostasia


Detalhe de Fallen Angel, de Alexandre Cabanel (1868)

                      O Catecismo da Igreja (1992) define a apostasia como “o repúdio total da fé cristã”. E não é qualquer repúdio, ou qualquer pessoa a repudiar, para considerarmos um flagrante caso de apostasia. Um repudio a fé só pode ser considerado apostasia quando feito por alguém que foi cristão e que o faz com a plena consciência de afrontar a fé. S. Pedro, ao falar desta espécie de corruptela espiritual, assim dizia: “Se depois de fugir às imundícies do mundo pelo conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo, e de novo seduzidos se deixam vencer por elas, o último estado se torna pior do que o primeiro. Assim, lhes fora melhor não terem conhecido o caminho da justiça do que, após tê-lo conhecido, desviarem-se do santo mandamento que lhes foi confiado” (II Pedro 2, 20-21)
Ao percorrer as páginas biográficas da maioria dos inimigos da Igreja, nos deparamos com alguns momentos de suas vidas onde a fé era vivida com fervor. Assim o foram Marx, Nietzsche, Lutero, Henrique VIII, boa parte dos padres pedófilos e outros criminosos. 
O sórdido Henrique VIII, antes de apostatar, fora intrépido defensor da fé católica e do Papado, chegando inclusive a receber a insigne honraria de Defensor Fidei (Defensor da Fé) do Papa Leão V por conta de sua arguta defesa dos sete sacramentos contra as insinuações de Lutero em uma obra intitulada Assertio septem sacramentorum. Alguns anos depois, o monarca tornava-se o cruel perseguidor da Igreja e do Papado. O mesmo ocorrera com Robespierre, que narra-se que na adolescência fora fervoroso católico, e até considerou entrar para o seminário. O suprassumo do revolucionarismo moderno, Karl Marx na infância, fora cristão tão devoto que chegara a escrever um livro com conselhos de boa vivência cristã intitulado: “sobre a união dos fiéis com Cristo” Também se encontra uma fase de devoção cristã na vida de Nietzsche e Simone de Beauvoir. Esta última tinha a “Imitação de Cristo” como livro de cabeceira e teria desejado entrar para a vida religiosa.
Mas o que fizera estes homens e mulheres, de admirável devoção cristã, tornarem-se implacáveis inimigos da fé e da Igreja? A apostasia, é o nome que damos à esta reviravolta. Estes homens e mulheres esmoreceram em certo momento de suas vidas, e o pecado entrou em seus corações, lá deitando raízes profundas, e assim, cumprir-se em suas vidas o que advertira Nosso Senhor: "Quando um espírito impuro sai de um homem, passa por lugares áridos procurando descanso. Como não o encontra, diz: ‘voltarei para a casa de onde saí’, Chegando, encontra a casa desocupada, varrida e em ordem. Então vai e traz consigo outros sete espíritos piores do que ele, e entrando, passam a viver ali. E o estado final daquele homem, torna-se pior do que o primeiro. Assim acontecerá a esta geração perversa” (Mateus 12, 43-45) Nosso Senhor, diz que “o lugar estava desocupado”’, querendo dizer que, após nos libertarmos de um mal, devemos ocupar o seu lugar com o bem, do contrário, o mal voltará a se apossar daquele espaço, e de uma forma ainda mais intensa que da primeira. Por esta razão, Dificilmente um apostata volta atrás em seu caminho de desordens.



Mas há casos em que a razão da apostasia não foi exatamente um descuido na vida espiritual, mas uma revolta profunda à Igreja em face do mau exemplo de seus representantes. A este caso, podemos citar o Imperador Juliano, o apostata, cuja história fora marcada por uma grande tragédia protagonizada por um pretenso cristão. “Criança de seis anos, narra Bento XVI, Juliano assistira ao assassinato de seu pai, de seu irmão e de outros familiares pelas guardas do palácio imperial; essa brutalidade atribuiu-a ele ─ com razão ou sem ela ─ ao Imperador Constâncio, que se fazia passar por um grande cristão. Em consequência disso, a fé cristã acabou desacreditada a seus olhos, uma vez por todas”. 
A quantos a fé cristã não está desacreditada em razão da má conduta de seus membros? Como pedir à uma vítima de um membro desonesto da Igreja que confie no seu julgamento e na sua justiça? Em geral, tais pessoas, se veem entulhadas de traumas e sentimentos confusos e desordenados que fazem repelir de imediato qualquer referência à religião, tornando-se desta forma, ao mesmo tempo, apóstata e vitima de outro apostata que, teoricamente, não repudiou publicamente a fé, mas o fez com seus atos. Há, portanto, apóstatas públicos e outros velados, cujos atos não escondem o estado de apostasia em que se confinaram. Por esta razão, a apostasia é um fenômeno a que todos estamos vulneráveis. Com o descuido de nossa vida espiritual, amanhã, podemos nos tornar o apóstata que ontem condenávamos. Cabe não confiar demasiadamente em nossa força, pois ninguém sabe, além de Deus, até quando perseverará no caminho do bem, por isso cabe rezar e implorar a Deus diariamente a graça da perseverança final. Sem esta graça, ninguém permaneceria nem um minuto no caminho do bem.