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sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Giovanni Bugatti, um carrasco a serviço da Igreja


Giovanni Bugatti em seu ato
                     
                    Com as recentes recriminações do Papa Francisco a pena de morte, cabe lembrar que tal postura não foi muito comum entre os papas e os santos dos séculos anteriores: tal postura é característica de dois pontificados dos tempos modernos, o de João Paulo II e Francisco. Até o pontificado de Pio IX, a pena de morte não somente era autorizada pela Igreja, como praticada sob as bênçãos do Papa dentro dos Estados Pontifícios. E neste aspecto "controverso" da História da Igreja, um personagem, pouco mencionado na atualidade, tornou-se símbolo deste período: o executor oficial dos Estados Papais. 
                   Dos que cumpriram exemplarmente essa função, está um piedoso católico, a que se refere os registros, de "hábitos modestos e corteses". Giovanni Battista Bugatti, também chamado mastro titta (oficial de justiça). 

Vestes de ofício de Giovanni Bugatti, Museu Criminológico de Roma

No livro de Edward Feser e Joseph Bessette, intitulado By man shall his blood be shed: a catholic defense of capital punishment (Ignatius Press, 2000) Os autores fazem a seguinte referência a Bugatti: 
“Entre 1796 a 1865, Giovanni Battista Bugatti executou 516 condenados, mais do que 45 por assassinato. Alguns deles foram enforcados, outros guilhotinados e outros decapitados com um machado. No caso de crimes especialmente hediondos, os métodos de execução eram ainda mais severos. Alguns criminosos tiveram suas cabeças esmagadas com um martelo, após suas gargantas haverem sido cortadas; outros eram amarrados e esquartejados.Quem foi Bugatti? Foi o executor oficial dos Estados Papais, que cumpriu seu trabalho como um leal servo do Santo Padre1. De fato [realmente] os papas e a Igreja foram participantes ativos nos processos de execução, que eram altamente ritualizados e realizados com elevada significância espiritual. Na manhã da execução, o Papa recitava uma oração especial pelo condenado. Um sacerdote ouvia a confissão de Bugatti e lhe administrava a Sagrada Comunhão. Nas horas que antecediam a execução, uma ordem especial dos monges atendia as necessidades espirituais do criminoso, incentivando-o a confissão e ao arrependimento enquanto havia tempo e oferecendo-lhe os [últimos] sacramentos. Eles então o conduziam ao local da execução em uma procissão solene. Avisos nas igrejas locais pediam aos fiéis que rezassem por sua alma. Enquanto a sentença era cumprida, os monges apresentavam o crucifixo a vista do condenado para que ele fosse a última coisa que visse antes da morte. Tudo era feito para que o criminoso recebesse sua justa punição e para que a salvação de sua alma fosse garantida."
Seis Papas reinaram durante a carreira de Bugatti: Pio VI, Pio VII, Leão XII, Pio VIII, Gregório XVI, Pio IX, e nenhum deles viu qualquer erro em seu ofício, pelo contrário, após sua aposentadoria, o compensaram com reconhecimentos solenes pelos serviços prestados à Igreja.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

A extraordinaria aparição de Nossa Senhora de Guadalupe




Relato do Século XVI

        Num sábado de mil e quinhentos e trinta e um, perto do mês de dezembro, um índio de nome Juan Diego, mal raiava a madrugada, ia do seu povoado a Tlatelolco, para participar do culto divino e escutar os mandamentos de Deus. Já amanhecia, quando chegou ao cerrito chamado Tepeyac e escutou que do alto o chamavam:

- Juanito! Juan Dieguito!

Subiu até o cimo e viu uma senhora de sobre-humana grandeza, cujo vestido brilhava como o sol, e que, com voz muito branda e suave, lhe disse:

- Juanito, menor dos meus filhos, fica sabendo que sou Maria sempre Virgem, Mãe do verdadeiro Deus, por quem vivemos. Desejo muito que se erga aqui um templo para mim, onde mostrarei e prodigalizarei todo o meu amor, compaixão, auxílio e proteção a todos os moradores desta terra e também a outros devotos que me invoquem confiantes. Vai ao Bispo do México e manifesta-lhe o que tanto desejo. Vai e põe nisto todo o teu empenho.

Chegando Juan Diego à presença do Bispo Dom Frei Juan de Zumárraga, frade de São Francisco, este pareceu não dar crédito e respondeu:

- Vem outro dia, e te ouvirei com mais calma.

Juan Diego voltou ao cimo do cerro, onde a Senhora do céu o esperava, e lhe disse:

- Senhora, menorzinha de minhas filhas, minha menina, expus a tua mensagem ao Bispo, mas parece que não acreditou. Assim, rogo-te que encarregues alguém mais importante de levar tua mensagem com mais crédito, porque não passo de um joão-ninguém.

Ela respondeu-lhe:

- Menor dos meus filhos, rogo-te encarecidamente que tornes a procurar o Bispo Amanhã dizendo-lhe que eu própria, Maria sempre Virgem, Mãe de Deus, é que te envio.

Porém no dia seguinte, domingo, o Bispo de novo não lhe deu crédito e disse ser Indispensável algum sinal para poder-se acreditar que era Nossa Senhora mesma que o enviara. E o despediu sem mais aquela.

Segunda-feira, Juan Diego não voltou. Seu tio Juan Bernardino adoecera gravemente e à noite pediu-lhe que fosse a Tlatelolco de madrugada, para chamar um sacerdote que o ouvisse em confissão.

Juan Diego saiu na terça-feira, contornando o cerro e passando pelo outro lado, em direção ao Oriente, para chegar logo à Cidade do México, a fim de que Nossa Senhora não o detivesse. Porém ela veio a seu encontro e lhe disse:

- Ouve e entende bem uma coisa, tu que és o menorzinho dos meus filhos: o que agora te assusta e aflige não é nada. Não se perturbe o teu coração nem te inquiete coisa alguma. Não estou aqui, eu, tua mãe? Não estás sob a minha sombra? Não estás porventura sob a minha proteção? Não te aflija a doença do teu tio. Fica sabendo que ele já sarou. Sobe agora, meu filho, ao cimo do cerro, onde acharás um punhado de flores que deves colher e trazer-mo.

Quando Juan Diego chegou ao cimo, ficou assombrado com a quantidade de belas rosas de Castela que ali haviam brotado em pleno inverno; envolvendo-as em sua manta, levou-as para Nossa Senhora. Ela lhe disse:

- Meu filho, eis a prova, o sinal que apresentarás ao Bispo, para que nele veja a minha vontade. Tu é o meu embaixador, digno de toda a confiança.

Juan Diego pôs-se a caminho, agora contente e confiante em sair-se bem de sua missão. Ao chegar à presença do Bispo, lhe disse:

- Senhor, fiz o que me ordenaste. Nossa senhora consentiu em atender o teu pedido. Despachou-me ao cimo do cerro, para colher ali várias rosas de Castela, trazê-las a ti, entregando-as pessoalmente. Assim o faço, para que reconheças o sinal que pediste e assim cumpras a sua vontade. Ei-las aqui: recebe-as.

Desdobrou em seguida a sua branca manta. À medida em que as várias rosas de Castela espalhavam-se pelo chão desenhava-se no pano e aparecia de repente a preciosa imagem de Maria sempre Virgem, Mãe de Deus, como até hoje se conserva no seu templo de Tepeyac.

A cidade inteira, em tumulto, vinha ver e admirar a sua santa imagem e dirigir-lhe suas preces. Obedecendo à ordem que a própria Nossa Senhora dera ao tio Juan Bernardino, quando devolveu-lhe a saúde, ficou sendo chamada como ela queria: "Santa Maria sempre Virgem de Guadalupe".


     (D. Antonio Valeriano, Nican Mopohua, 12ª edición, Buena Prensa, México, D.F., 1971, p. 3-19.21)